Trabalho 2

Temas ambientais ganham mais espaço na agenda da CUT

Para secretário reeleito da central sindical, não há mais espaço para entidades com pautas concentradas apenas em negociações salariais. Novo protocolo relacionado à sustentabilidade pretende mobilizar mais trabalhadores
Por Maurício Hashizume e Maurício Reimberg
 11/08/2009

São Paulo (SP) – O vermelho tradicional das bandeiras dos sindicatos vem ganhando tonalidades verdes. A questão ambiental, mesmo que pouco disseminada entre componentes da base, tem sido tratada com destaque cada vez maior pelos dirigentes sindicais. Junto com o debate sobre o papel do Estado diante da crise econômica, a sustentabilidade foi um dos temas transversais do 10º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (Concut), realizado durante a semana passada na capital paulista.

Secretário reeleito de relações internacionais da central, João Felício declarou em entrevista à Repórter Brasil que não há mais espaço, no mundo de hoje, para sindicatos com pautas reduzidas e concentradas unicamente em negociações salariais. Empregadores são cada vez mais cobrados, salienta o dirigente, no que se refere aos impactos de suas respectivas atividades econômicas em termos locais e globais. "Nesse sentido, o tema ambiental ganha um espaço importante na pauta sindical", confirma o dirigente.

"Há um consenso internacional de que a agenda sindical precisa ser ampliada", complementa João Felício, que enfatiza a importância do crescimento econômico e repudia o radicalismo preservacionista. Ele não se inibe, contudo, na hora de atribuir uma nota "não muito boa" à atuação do governo federal – apoiado pela CUT, que tem uma ligação histórica com o PT – no setor ambiental. "É preciso fazer mais nessa área", recomenda João, ex-presidente da CUT.

Um dos convidados para a abertura do "Seminário Internacional: Crise e Estratégias Sindicais", que fez parte da programação do 10º Concut, o economista Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universitária Católica de São Paulo (PUC-SP), apresentou um gráfico (veja abaixo) publicado pela revista científica New Scientist, em outubro do ano passado, para mostrar a relevância do tema. Num único painel que começa em 1750 e vai até 2000, linhas representam diferentes e extensos estudos sobre indicadores relacionados à economia (produção de riquezas, quantidade de veículos motorizados, volume de investimentos estrangeiros, nível de uso da água, consumo do papel e exploração de recursos pesqueiros), populacionais e ambientais (aumento de temperatura da superfície do Hemisfério Norte, concentração de gás carbônico no ar, perda de florestas tropicais, espécies em extinção e extensão do buraco na camada de ozônio). O que se vê é uma intensificação acelerada do consumo e das consequências naturais nos últimos 50 anos.

 
New Scientist mostra que economia pode dobrar em apenas duas décadas e intensificar impactos

O citado dossiê da New Scientist toca no ponto nevrálgico. "A ciência nos diz que, se queremos ser sérios com a visão de salvar a terra, precisamos dar outra forma à nossa economia. Isso, naturalmente, constitui uma heresia econômica. O crescimento, para a maioria dos economistas, é tão essencial como o ar que respiramos: seria, dizem, a única força capaz de tirar os pobres da pobreza, de alimentar a crescente população mundial, de enfrentar os custos crescentes dos gastos públicos e de estimular o desenvolvimento tecnológico – isso sem mencionar o financiamento de estilos de vida cada vez mais caros. Eles não vêem limites ao crescimento, nunca. Nas semanas recentes, ficou claro o quão aterrorizados estão os governos diante de qualquer coisa que ameace o crescimento, enquanto derramam bilhões em dinheiro público num sistema financeiro em falência", aponta a publicação.

"No meio da confusão, qualquer questionamento do dogma do crescimento é visto de forma muito cuidadosa. O questionamento se apoia numa indagação duradoura: como conciliamos os recursos finitos da terra com o fato de que, à medida que a economia cresce, o montante necessário de recursos naturais para sustentar a atividade também deve crescer? Levamos toda a história humana para a economia atingir a sua dimensão atual. Na forma corrente, levará apenas duas décadas para dobrar", projeta a revista New Scientist.

O economista da PUC-SP também apresentou alguns números esclarecedores: dois terços da população do planeta têm acesso a apenas 6% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial; cerca de 10 milhões de crianças morrem por causas banais (como a ausência de saneamento básico); e apenas um emprego é criado para o cultivo de 200 hectares de plantação de soja.

A mesma "bola" foi levantada pela apresentação de Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Educação e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Para ele, o maior desafio da sociedade brasileira é fazer da valorização da biodiversidade e dos incentivos à descarbonização o eixo do processo de desenvolvimento econômico. "Até agora, a nossa trajetória tem sido direcionada totalmente para outro sentido".

Tema da sustentabilidade foi abordado de forma transversal no evento (Foto: Dino Parizotti/CUT)

No entendimento de Ricardo, a questão central hoje não está na interface entre Estado e sociedade, mas na relação entre a sociedade e a natureza. "Essa relação parece que não nos afeta, mas isso definirá o nosso futuro´", prevê o economista.  O futuro, para ele, está relacionado à redução do uso de matéria e de energia vinculada à vida social democrática e participativa. "A questão não é apenas a distribuição de riqueza. É preciso redefinir a própria concepção de riqueza. Afinal, temos que rabalhar mais para quê? Temos que consumir mais para quê?", interroga.

Essas discussões (diretamente conectadas com a humanização e a vida social), adiciona o economista, não podem temas de relevo apenas para ambientalistas, mas precisam estar no centro da reflexão dos trabalhadores. "Isso tudo não resolve apenas com o crescimento da economia", provoca.

O planejamento econômico, aconselha Ricardo Abramovay, não pode ser apenas entre Estado e sociedade. "A economia não é fechada", complementa. Os impactos ambientais, resume, não podem mais ser concebido como "externalidade". Muitos ainda acreditam na ficção de que as fontes energéticas serão simplesmente substituídas por outras, mas o ac
adêmico frisa que não é bem assim. Países nórdicos, por exemplo, estão crescendo economicamente com redução do uso de energia e mudança do estilo de vida e de padrões de consumo. E por ter uma matriz energética "limpa" com base em barragens em rios (usinas hidrelétricas) e na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, o Brasil frequentemente considera que a "lição de casa" ambiental já foi feita.

Mas a realidade brasileira é bem mais complexa. Segundo o economista da FEA-USP, ainda persiste a dicotomia entre produção e valorização do ecossistema. Em determinados processos, o risco de descompasso entre sociedade e natureza pode até a aumentar. "O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não é a solução dos problemas. É mais problema do que solução, pois menospreza a relação com os ecossistemas", opina. A obra é concebida como prioritária e depois os gestores do empreendimento negociam com ambientalistas para ajuestes posteriores. Essa discussão é atrasada e se sustenta na acusação de que os ambientalistas são atrasados, completa Ricardo.

Ou o Brasil entra no mundo pelo lado virtuoso de valorização da biodiversidade ou continuará incentivando a continuidade de um modelo predatório primário-exportador, adiciona o professor. "Para os trabalhadores, a natureza da inserção do Brasil no mundo deveria ser central".

Custo socioambiental
Também presente, a senadora Marina Silva (PT-AC) afirmou que setores do governo na área de transporte, energia e agricultura ainda não compreendem que o meio ambiente não é "oposição" ao desenvolvimento, mas sim "parte da mesma equação". A crítica da ex-ministra foi feita durante a mesa do seminário do 10º Concut. Diante de diversas pressões para flexibilizar a gestão da pasta, Marina pediu demissão do governo em maio do ano passado.

Tânia Bacelar e Marina Silva participaram de debate no 10º Concut (Foto: Dino Parizotti/CUT)

Falando para uma platéia lotada de líderes sindicais de todo o país, Marina disse que o que vai viabilizar o progresso é a proteção das "bases naturais" do desenvolvimento. "Uma agenda não deve subordinar a outra", afirmou. Ela reforçou que o Brasil possui uma boa legislação ambiental, que ainda precisa ser implementada. "Na hora do debate, todos participam. Na hora de aprovar, o funil fica mais estreito. E na hora de implementar, fica mais difícil ainda", lamenta.

Alvo de críticas das entidades ruralistas quando esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente (2003-2008) – sob acusação de que fazia "oposição" ao desenvolvimento -, Marina retomou várias vezes o conceito de progresso ao longo da palestra. "Desenvolvimento é saber que aquilo que está sendo produzido socialmente é capaz de se transformar em qualidade de vida para toda a população", definiu a ex-ministra do Meio Ambiente.

A petista ressaltou ainda a necessidade de mobilização de amplos setores do governo, sindicatos, partidos, empresas e sociedade em geral para superar a "crise civilizatória". "As pessoas compreendem rápido que uma crise econômica não é boa. Mas quando se fala que estamos diante de uma crise ambiental, as pessoas não fazem essa ligação diretamente com as suas vidas", explica. De acordo com Marina, o possível aumento de dois graus na temperatura do planeta pode levar a perda de 40% da Amazônia.

Bastante aplaudida pelo auditório, Marina citou diversas conquistas da sua gestão, como a redução do ritmo de desmatamento, o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, a concessão de licenças ambientais "sem atropelos", a restrição de crédito para os ilegais e a moratória nos 36 municípios que mais desmatam. "Ficou tudo muito tenso no governo. Vendo que medidas poderiam ser revogadas, pedi para sair", lembrou. "Em algum momento, setores do governo quiseram desqualificar essas coisas [conquistas], dizendo que era discurso puramente ideológico. A sociedade não aceitou".

A senadora petista foi uma das principais convidadas do evento que antecedeu o 10º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (Concut), que ocorre após a saída de diversas correntes políticas da entidade, como o PCdoB, o PSOL e PSTU. Marina possui uma relação história com a CUT, maior central sindical do país. Uma das fundadoras da entidade em 1983, ela integrou a primeira direção estadual no Acre ao lado de Chico Mendes, líder seringueiro assassinado a tiros em Xapuri (AC), em 1988. Convidada pelo PV para concorrer à presidência no ano que vem, ela disse que vai analisar a proposta. 

A economista e socióloga Tânia Bacelar, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) participou da mesa de debates com a senadora Marina Silva. Tânia destacou que, diante da nova conjuntura marcada pela necessidade de enfrentar o aquecimento global, há uma crise do "velho conceito" de desenvolvimento econômico que marcou o século 20. "Desenvolvimento era crescimento econômico a qualquer custo. Estamos superando esse conceito atrasado e construindo o conceito de desenvolvimento sustentável", disse. "O Brasil foi um dos países que mais avançou na industrialização no século 20. E fez isso a qualquer custo ambiental e social".

Artur Henrique assinou protocolo com o Ministério do Meio Ambiente (Foto: Dino Parizotti/CUT)

Protocolo
Os sindicatos filiados à central querem aproveitar o tema ambiental para ajudar na organização. A CUT – por meio do presidente reeleito para o período 2009-2012, Artur Henrique da Silva Santos –  e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) assinaram um protocolo que pretende garantir aos sindicatos a oportunidade de definir condições e exigências para a concessão de licença ambiental a novos projetos e empreendimentos no setor público e privado.

Por meio da ampliação das atividades das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs) – incorporando o tema ambiental -, a ideia é que os sindicatos também fiscalizem o cumprimento das medidas de proteção ao meio ambiente, verificando se as empresas adotam políticas adequadas para a saúde de seus trabalhadores e para as comunidades no entorno. O Fórum Nacional Ambiental, composto por trabalhadore
s e empresários, será instalado em dois meses e definirá as regras do acordo.

No 10º Concut, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, também anunciou portaria conjunta do MMA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A medida determina a inclusão de um capítulo específico sobre alternativas de tecnologias mais limpas para reduzir os danos à saúde do trabalhador e ao meio ambiente (como poluição térmica, sonora e emissões nocivas ao sistema respiratório). Os sindicatos participarão diretamente na elaboração e aprovação dos relatórios ambientais.

Notícias relacionadas:
Papel do Estado ocupa centro de debate sindical sobre crise
Crise reanima agenda do trabalho decente em nível federal
Anistia: crise não é só econômica, mas de direitos humanos
Resposta à crise, emprego digno é debatido no Mato Grosso
Manifestações de rua pedem inclusão e melhoria de condições
Euforia da geração de empregos não abala desigualdades

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM