A situação dos agricultores do Piauí nos últimos três anos registrou dois fatos importantes. Após conseguir diminuir o número de trabalhadores escravizados, o Estado enfrenta agora o acirramento da disputa por terras, principalmente na região dos Cerrados. De acordo com estudo da Fetag (Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Piauí), existem conflitos agrários acirrados por pelo menos oito municípios, numa área de mais de 20 mil hectares.
Em entrevista ao Diário do Povo, o presidente da Federação revela alguns dos problemas enfrentados pelos agricultores familiares. Segundo Evandro Luz, a questão do conflito agrário é a mais preocupante no momento porque envolve pequenos produtores com grandes agricultores e os pequenos sempre saem perdendo. Além disso, ainda falta assistência técnica para os pequenos produtores e a falta de compromisso das prefeituras em informar em tempo hábil os danos causados pelas secas para que os trabalhadores possam receber os recursos do Pronaf.
Diário do Povo – Hoje qual é a realidade do trabalho escravo Piauí?
Evandro Luz – Nós temos ainda este grande problema no Estado do Piauí e no Brasil. O Piauí, junto com o Maranhão, são os principais "exportadores" de mão de obra escrava. A Fetag, ao longo dos anos, tem organizado uma secretaria específica, que cuida desta questão do trabalho assalariado. Sabemos que hoje o trabalho escravo é mais claro no extrativismo do carvão, na derrubada da mata para a fabricação de carvão e também no desmatamento para a abertura de pastagem para o gado. Isso já ficou comprovado em dados estatísticos.
Como a Featg acompanha este problema?
Com uma comissão formada pela Fetag, Comissão Pastoral da Terra, Pastoral do Migrante. Essa comissão tem feito um trabalho de orientar os trabalhadores nas regiões onde o problema é mais sério, como Barras, Esperantina, São Raimundo Nonato, Francinópolis, Corrente, Piripiri e outras cidades. A gente tem feito um trabalho para que as pessoas fiquem mais conscientes na hora de viajar e passem para o sindicato o nome da família, contato telefônico e endereços. Mesmo assim, não temo conseguido evitar problemas e, mensalmente, temos reclamações aqui de trabalhadores que estão no Pará, em São Paulo, no Mato Grosso desenvolvendo atividade semelhante ao trabalho escravo.
Tem aumentado o número de denúncias do trabalho escravo no Piauí?
Este ano a gente nota que as denuncias tem diminuído. Os problemas maiores foram nos anos de 2006, 2007 e 2008. Tudo isso graças às parcerias que nos dão a oportunidade de fazer cursos de capacitação, como por exemplo, direitos trabalhistas, principalmente por conta da parceria forte com a DRT nas regiões dos Cerrados, na Região Sul, que tem muitas carvoarias onde os trabalhadores são chamados a se organizarem para conhecer seus direitos. Mas infelizmente esta questão do trabalho escravo não acabou.
Como está a situação dos trabalhadores escravos nos Cerrados?
Os sindicatos têm muitas críticas, inclusive ao próprio governo estadual, que não tem tido pulso para colocar o Interpi para cumprir a sua missão que é de fazer com que haja uma regularização das terras devolutas daquela região. Temos muitos focos de violência. Quando não é física, é violência com grave ameaça. Os trabalhadores estão sendo inibidos, estão sendo expulsos de suas áreas. Posseiros estão sendo expulso pelos grileiros.
Na região de Baixa Grande do Ribeiro, em Bom Jesus, está surgindo um conflito na divisa com a Bahia. Na área de Júlio Borges, Avelino Lopes, e principalmente em Paranaguá. São regiões de terras boas. Muitos plantadores de soja têm interesse na área. Há muita mata nativa misturada com a Caatinga, com o Cerrado. A terra é boa para fazer carvão e está dando muito problema.
Na região do Cerrado de Uruçuí e Baixa Grande do Ribeiro, há também muitos problemas porque as fazendas de sojas avançam e os agricultores vão perdendo suas áreas de posses. Os agricultores não têm documentos e não tem socorro jurídico da Justiça. Por causa disso, não há ação do governo estado por meio de técnicos do Interpi. Estão todos confinados a vir para as cidades, onde já há muito desemprego e muita falta de perspectiva.
A Fetag tem esperança que esta realidade tenha mudança, que vem se fazendo para que seja logo?
A nossa esperança é que seja aprovada uma lei, que ainda está sendo construída e possa trazer justiça para o agricultor familiar. É uma lei que a Assembléia Legislativa está analisando com relação à regularização fundiária. Não temos ainda um nome e ela está sendo estudada e debatida. A Fetag, representado os agricultores familiares, acredita que é preciso que se tenha uma lei que force a regularização das terras, porque tem muita gente que não tem segurança jurídica porque a documentação é falsa, fraudulenta e já comprou a posse de três, quatro, cinco pessoas. Estamos dizendo que o estado não pode deserdar os piauiense. Nós queremos que os piauienses nativos, que nasceram ali possam trabalhar e tirar o sustendo de suas famílias de lá.
Com relação a segurança diante dos conflitos, como está essa questão?
Os trabalhadores reclamam muito dos delegados. Da justiça nós nem falamos muito porque já sabemos que é muito morosa. Muitos sindicatos têm reclamado, e nós reclamamos aqui com o secretário. Os delegados sempre dizem que as denúncia não procedem. Sabemos que existe muita arma no meio daqueles grandes latifundiários lá. Muitos capangas e grileiros. A situação lá é difícil para os agricultores familiares. Nós temos perdido muitos espaços para a grilagem. Os trabalhadores ficam lá a ver navios, com a mão na cabeça.
Sobre a educação, como os filhos dos trabalhadores estão sendo tratados?
A educação lá esta sendo muito fragilizada. A educação pública nos municípios pequenos deixa muito a desejar. E a educação do campo é muito mais fragilizada – geralmente são aquelas escolinhas isoladas que o aluno tem que caminhar quilômetros e quilômetros, andando em cima de pau de arara, caminhonete, sem nenhum conforto, sem nenhuma segurança. Ônibus caindo aos pedaços… Já tivemos casos de crianças que foram acidentadas, que perderam a perna, problemas de ônibus mal conservados. A educação é muito fragilizada naqueles municípios do Cerrado. Ainda é utilizada aquela forma de ensinar com várias séries juntas numa mesma
classe: primeira, segunda e terceira série. Nós achamos que a educação naquela região precisa melhorar, principalmente nas comunidades rurais dos pequenos municípios.
Sobre o Pronaf, que avaliação pode ser feita?
Na nossa avaliação, o programa teve crescimento significativo nos anos de 2006 e 2007, até meados de 2008. Mas por conta da inadimplência e devido a problemas de várias ordens (como pessoas que tiraram recursos e não se enquadravam no programa), tivemos uma recaída. Estamos com um trabalho com o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste para recuperar isso. Estamos ainda com a parceria com o Banco do Brasil para criar os CFCs, para créditos através de sindicatos. Os trabalhadores tem também a demanda da falta de assistência técnica, porque a que temos é muito precária. O governo deu uma reestruturada, mas está longe do ideal que a gente necessita.
E como está o apoio do governo através da Emater?
A Emater, quando muito, tem apenas um técnico, que não dá conta. Pelo menos para cada grupo de 100 a 150 trabalhadores, é preciso ter um técnico. Temos município com 10 mil trabalhadores e apenas dois técnicos. Assim fica difícil fazer projetos e dar acompanhamento. O problema do crédito é esse: a falta de acompanhamento e investimentos que são mal feitos. Alguns não incorporam a aptidão do agricultor lá da realidade da região.
Que outros projetos e programas estão à disposição dos trabalhadores?
Tivemos o Grito da Terra, que ajudou aumentar o volume de recurso do Pronaf B, que era R$ 1,5 mil e agora é R$ 2 mil e tem um rebate de 25%. A pessoa tira R$ 2 mil e, pagando no prazo, só paga R$ 1,5 mil. Tem esse bônus de R$ 500. E temos ainda o Pronaf Mulher, que pode ser em 3 vezes seguidas para incrementar aquele artesanato que alas fazem.
Temos também o selo da agricultura familiar que, na nossa avaliação, vai ser uma coisa importante porque vai identificar e valorizar a produção familia. Muitas vezes está lá na prateleira do supermercado, na banca da feira, mas muita gente não sabe que aquilo vem da nossa agricultura familiar, que é do pequeno trabalhado rural. O Garantia Safra no Piauí este ano está com 85 mil vagas esperando que os prefeitos façam a adesão, possam pagar sua contrapartida e se houver os problemas de seca ou cheia, que façam com que a perda seja reduzida em 50% e que possam fazer o comunicado em tempo hábil.
Diante destes avanços e retrocessos, como o senhor avalia a vida do trabalhador rural nos últimos anos?
Podemos dizer que houve muitos avanços, mas nós do Nordeste, principalmente o Piauí, ainda temos muito por reivindicar e conquistar. Ainda temos muitos quilômetros a percorrer para chagarmos a um campo com uma qualidade de vida melhor. Ainda temos muita pobreza, analfabetismo, muita gente sem terra, muita falta de capacitação assistência técnica.
Temos que perceber que houve avanços em alguns momentos, mas a agricultura foi abandonada no Nordeste precisa se fortalecer. E para que ela se fortaleça, é preciso políticas públicas: muita gente no campo não tem água para beber, não tem energia. Além dos problemas graves de ameaças. Muitos trabalhadores estão proibidos de plantar nas terras onde nasceram e cresceram. Por conta da valorização das terras do Piauí, isso está se dando em todas as regiões – no Semiárido, nos Cerrados, nos Cocais. O agronegócio da soja e do eucalipto está atraindo muitas pessoas de fora. Como nós piauienses estamos despreparados economicamente e em termos de capacitação, estamos perdendo espaço.
13/09/2009