Os 11 trabalhadores que sofriam em condições análogas à escravidão numa carvoaria em Eldorado dos Carajás (PA) foram libertados na última sexta-feira (4), mas o grupo móvel de fiscalização do governo federal mantém as investigações no rastro dos responsáveis pela situação encontrada.
Sete das pessoas que eram exploradas retornaram ao Maranhão, de onde vieram como migrantes em busca de empreitadas; os outros quatro voltaram para suas casas localizadas na mesma região da operação. Todos estão recebendo o Seguro Desemprego para o Trabalhador Resgatado.
A condição em que os carvoeiros viviam foi classificada pelo auditor fiscal do trabalho Benedito Lima como "extremamente grave". Eles estavam em barracos de lona sem estrutura básica (não havia sequer banheiro) e consumiam água sem nenhum tratamento. O mesmo açude servia para refrescar o gado. "Há tempos não via uma água para beber tão suja", confidenciou Benedito, coordenador da ação. Os trabalhadores não tinham carteira assinada, não recebiam salários de forma regular e não utilizavam Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) durante a jornada de trabalho.
Para chegar ao local, a fiscalização partiu de Marabá (PA) e percorreu cerca de 90 km pela Rodovia PA-150. Da estrada, eles tiveram que adentrar mais 18 km até as proximidades do povoado de Gravatá, já em Eldorado dos Carajás (PA), município que ficou conhecido após o massacre que resultou na morte de 19 sem-terra em abril de 1996. De Gravatá, a comitiva superou mais quatro quilômetros até chegar na carvoaria, instalada num terreno modesto não maior que 30 alqueires. A região é ocupada por pequenos posseiros que adquiriram terras irregularmente de ex-assentados.
O dono da propriedade – que, segundo Benedito, era um pequeno agricultor que mantinha cerca de 10 bois, uma moto e uma casinha pequena – ficou sabendo da fiscalização e fugiu. A madeira queimada para dar origem ao carvão vegetal era de restos de lenha. Intermediários da cadeia, como transportador e representantes da empresa fornecedora da nota fiscal para legalizar a carga, também não contribuíram para que o comprador final do carvão produzido por trabalhadores escravizados viesse à tona.
Há indícios de que siderúrgicas da região possam estar ligadas à carvoaria, mas o grupo móvel, mesmo com a contribuição de agentes da Polícia Federal (PF), não conseguiu obter vínculos consistentes entre as partes. O carvão vegetal gera (não só como combustível de altos fornos, mas como parte constitutiva) ferro-gusa, usado dentro e fora do país para dar origem ao aço.
"As siderúrgicas negam peremptoriamente ter recebido a produção da carvoaria", conta Luercy Lino Lopes, procurador do trabalho que acompanhou a operação. Ele lamenta não ser possível determinar com segurança quem estava por trás do crime. "Infelizmente, o quadro é esse. Sem provas concretas, qualquer ação civil pública seria temerária", pondera Luercy, que atua na Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região (PRT-9), no Paraná.
Sem responsáveis, ainda não foi possível fazer com que as rescisões trabalhistas fossem pagas e nem cobrar indenizações pelo ocorrido. As dificuldades, porém, não desanimam por completo o procurador, que aguarda investigações complementares para encontrar os consumidores que utilizavam diretamente o carvão vegetal. "Pela primeira vez, não foi possível chegar a nenhum responsável", coloca o procurador Luercy. Ele participa do grupo móvel desde 2000. Em nove anos, já esteve em cerca de 18 operações e jamais passara por situação semelhante. "Isso nunca aconteceu antes".
O flagrante na carvoaria, acrescenta Benedito, confirma a necessidade da execução de trabalhos de inteligência que possam se dar antes da fiscalização propriamente dita, já que as regulações e os controles existentes sobre o escoamento do carvão são frágeis. No caso em questão, restou evidente para o coordenador fiscal que o posseiro da área da carvoaria e o transportador intermediário, apesar do vínculo com os explorados, também eram pobres. "O negócio só se viabilizava em função dos aproveitadores finais", assevera.
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