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Vergonha no trabalho

Americanos listam 11 setores com crianças trabalhando no Brasil. Governo teme viés comercial No Brasil, há trabalho infantil e/ou forçado em 13 setores da economia, como criação de gado, cana-de-açúcar e algodão, afirmou relatório divulgado ontem pelo Departamento do Trabalho dos Estados Unidos. Há crianças brasileiras trabalhando em 11 diferentes atividades econômicas. O documento lista 122 produtos, oriundos de 58 países, em situação de trabalho infantil ou análogo à escravidão, com o objetivo de "conscientizar consumidores e empresas americanos" para não comprarem esses itens. Em número de ocorrências, o Brasil está empatado em terceiro lugar com Bangladesh, depois de Índia, com 19, e Mianmar, com 14. O relatório ressalta que o número de ocorrências não significa que esses países estejam em pior situação, e sim que admitem o problema e permitem a divulgação desses dados. São citados como países mais transparentes Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Filipinas, Índia, México, Quênia, Tanzânia, Turquia e Uganda. O Brasil recebeu elogios por seu combate ao problema, o que também foi ressaltado pelo cientista político Leonardo Sakamoto, da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Ele lembrou a transparência no governo sobre o trabalho forçado no Brasil – de 1995 a 2009, 35 mil pessoas foram libertadas no país. – No Brasil, há muito mais casos reportados do que pela ditadura chinesa, por exemplo. Aqui a imprensa é livre, e essas questões são mais visíveis. E temos uma economia mais diversificada, com mais atividades – disse Sakamoto, que criticou o fato de os EUA não estarem no relatório. – Há trabalho escravo no mundo inteiro. O relatório, porém, admite haver trabalho infantil e forçado nos EUA, lembrando que cinco fazendas de mirtilo foram processadas este ano por uso de crianças na lavoura. Mas o governo brasileiro mostrou indignação. Para o Ministério das Relações Exteriores, faltam transparência e confiabilidade ao documento, que pode servir de pretexto para medidas protecionistas contra os países citados. "O Brasil não reconhece a legitimidade de relatórios sobre direitos humanos produzidos unilateralmente por terceiros países, cujas fontes e critérios de elaboração não possuem transparência (…). O Brasil tampouco concorda com a vinculação entre padrões trabalhistas e questões comerciais, dada a possibilidade de que tal procedimento seja usado com fins protecionistas", afirmou o Itamaraty em nota. O Ministério das Relações Exteriores disse ainda que, ao contrário dos EUA, o Brasil ratificou as convenções internacionais sobre o combate ao trabalho forçado e infantil. Empresários brasileiros ouvidos pelo GLOBO vão na mesma linha: a lista seria uma forma de criar barreiras aos produtos nacionais e uma resposta às decisões do país de impor sanções aos americanos. O Brasil foi autorizado, pela Organização Mundial do Comércio (OMC), a retaliar os EUA em cerca de US$ 800 milhões, devido a subsídios ilegais aos produtores de algodão. Empresários falam em "golpe baixo"Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Haroldo Rodrigues da Cunha, isso já era esperado: – São barreiras não tarifárias e um golpe baixo dos americanos. Isso é conversa fiada – disse Cunha. A Associação Brasileira de Calçados (Abicalçados) teve a mesma reação. O vice-presidente da entidade, Elcio Jacometti, presidente do Instituto PróCriança, desafiou os americanos a apresentarem provas. Ele afirmou que a produção brasileira de calçados é auditada pela embaixada americana e referendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). A União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica) admitiu que podem ocorrer casos eventuais de trabalho infantil no setor, mas reclamou da generalização.O professor do Instituto de Economia da UFRJ José Roberto Novaes ressaltou que, devido à inovação tecnológica e às mudanças na organização do trabalho, que levam a jornadas muito […]

Americanos listam 11 setores com crianças trabalhando no Brasil. Governo teme viés comercial

No Brasil, há trabalho infantil e/ou forçado em 13 setores da economia, como criação de gado, cana-de-açúcar e algodão, afirmou relatório divulgado ontem pelo Departamento do Trabalho dos Estados Unidos. Há crianças brasileiras trabalhando em 11 diferentes atividades econômicas. O documento lista 122 produtos, oriundos de 58 países, em situação de trabalho infantil ou análogo à escravidão, com o objetivo de "conscientizar consumidores e empresas americanos" para não comprarem esses itens.

Em número de ocorrências, o Brasil está empatado em terceiro lugar com Bangladesh, depois de Índia, com 19, e Mianmar, com 14. O relatório ressalta que o número de ocorrências não significa que esses países estejam em pior situação, e sim que admitem o problema e permitem a divulgação desses dados. São citados como países mais transparentes Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Filipinas, Índia, México, Quênia, Tanzânia, Turquia e Uganda.

O Brasil recebeu elogios por seu combate ao problema, o que também foi ressaltado pelo cientista político Leonardo Sakamoto, da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Ele lembrou a transparência no governo sobre o trabalho forçado no Brasil – de 1995 a 2009, 35 mil pessoas foram libertadas no país.

– No Brasil, há muito mais casos reportados do que pela ditadura chinesa, por exemplo. Aqui a imprensa é livre, e essas questões são mais visíveis. E temos uma economia mais diversificada, com mais atividades – disse Sakamoto, que criticou o fato de os EUA não estarem no relatório.

– Há trabalho escravo no mundo inteiro. O relatório, porém, admite haver trabalho infantil e forçado nos EUA, lembrando que cinco fazendas de mirtilo foram processadas este ano por uso de crianças na lavoura.

Mas o governo brasileiro mostrou indignação. Para o Ministério das Relações Exteriores, faltam transparência e confiabilidade ao documento, que pode servir de pretexto para medidas protecionistas contra os países citados. "O Brasil não reconhece a legitimidade de relatórios sobre direitos humanos produzidos unilateralmente por terceiros países, cujas fontes e critérios de elaboração não possuem transparência (…). O Brasil tampouco concorda com a vinculação entre padrões trabalhistas e questões comerciais, dada a possibilidade de que tal procedimento seja usado com fins protecionistas", afirmou o Itamaraty em nota.

O Ministério das Relações Exteriores disse ainda que, ao contrário dos EUA, o Brasil ratificou as convenções internacionais sobre o combate ao trabalho forçado e infantil.

Empresários brasileiros ouvidos pelo GLOBO vão na mesma linha: a lista seria uma forma de criar barreiras aos produtos nacionais e uma resposta às decisões do país de impor sanções aos americanos. O Brasil foi autorizado, pela Organização Mundial do Comércio (OMC), a retaliar os EUA em cerca de US$ 800 milhões, devido a subsídios ilegais aos produtores de algodão.

Empresários falam em "golpe baixo"
Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Haroldo Rodrigues da Cunha, isso já era esperado:
– São barreiras não tarifárias e um golpe baixo dos americanos. Isso é conversa fiada – disse Cunha.

A Associação Brasileira de Calçados (Abicalçados) teve a mesma reação. O vice-presidente da entidade, Elcio Jacometti, presidente do Instituto PróCriança, desafiou os americanos a apresentarem provas. Ele afirmou que a produção brasileira de calçados é auditada pela embaixada americana e referendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica) admitiu que podem ocorrer casos eventuais de trabalho infantil no setor, mas reclamou da generalização.
O professor do Instituto de Economia da UFRJ José Roberto Novaes ressaltou que, devido à inovação tecnológica e às mudanças na organização do trabalho, que levam a jornadas muito exaustivas, as crianças deixaram a lavoura de cana-de-açúcar, mas ainda há muita exploração. E acrescentou que políticas como o Bolsa Família tendem a reduzir o problema.

No Brasil, em 2007, segundo o IBGE, havia 4,8 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando. Em 2006, eram 5,1 milhões.

Gustavo Paul e Cássia Almeida
11/09/2009


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