Análise inédita de indicadores relacionados ao trabalho decente evidencia traços de continuidade de graves problemas como a ocorrência de trabalho forçado, o elevado número de jovens que não trabalham nem estudam e a discrepância salarial entre homens e mulheres e entre brancos e negros. As conclusões fazem parte de relatório que compila diversos dados referentes ao período de 1992 a 2007, lançado nesta quarta-feira (16), em Brasília (DF), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) .
O levantamento destaca que, por se tratar de uma severa violação da legislação trabalhista e de um grave crime previsto no Código Penal brasileiro, "há grande dificuldade de se obter estatísticas regulares acerca do número de trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão e, conseqüentemente, construir indicadores sobre trabalho forçado".
"Uma informação disponível e que permite fazer uma aproximação do problema", destaca trecho do relatório acerca do tema, "é aquela referente ao número de trabalhadores resgatados pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GFEM), cujas ações são organizadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE [Ministério do Trabalho e Emprego]". Entre 1995 e 2008 cerca de 33 mil pessoas foram libertadas de situações de trabalho forçado, sendo que um terço deste contingente (11 mil pessoas) foi libertado durante anos de 2006 e 2007 – 5 mil e 6 mil pessoas, respectivamente.
Números relativos ao ano de 2007 mostram ainda que praticamente um em cada cinco jovens (18,8% do total, mais precisamente) com idade entre 15 a 24 anos não estava nem estudando e nem trabalhando. "Apesar do percentual ter diminuído levemente em comparação com o ano de 1992 (quando estava situado em 21,1%) e não ter aumentado desde 2001 (19,4%), ainda é muito elevado", adiciona a análise apresentada pela OIT.
As desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho se tornaram menos intensas, mas continuam contribuindo para a persistência de déficits de trabalho decente entre mulheres e negros. Em 2007, enquanto a taxa de desemprego para os homens era de 6,1%, a mesma taxa para a população feminina estava em 11%. Entre os brancos, a taxa de desemprego era de 7,3%, dois pontos percentuais menor que a dos negros (9,3%).
"O crescimento da participação das mulheres no mercado laboral não vem sendo acompanhada de uma redefinição das relações de gênero no âmbito das responsabilidades domésticas, o que vem submetendo as trabalhadoras a uma dupla jornada de trabalho", completa o trabalho.
O cruzamento de informações sobre as horas de trabalho dedicadas às tarefas domésticas (reprodução social) com àquelas referentes à jornada exercida no mercado de trabalho (produção econômica), possibilita constatação interessante. Apesar da jornada de trabalho semanal média das mulheres ser inferior a dos homens (34,8 h contra 42,7 h), quando somado o trabalho no âmbito doméstico, a jornada média semanal total feminina alcança 57,1 horas e ultrapassa em quase cinco horas a masculina (52,3 horas).
Sinais positivos
Os sinais negativos também foram acompanhados de avanços em termos de trabalho decente como o incremento do nível geral de ocupação, a queda no desemprego, a melhoria da renda, o aumento de contratações formais e da sindicalização, bem como da ampliação da parcela de contribuintes da previdência social e de idosos que recebem aposentadoria ou pensão.
O número de ocupados sobre a População em Idade Ativa (PIA) na faixa etária de 16 a 64 anos voltou a crescer durante a década de 2000 (de 66,3% para 68,6% entre 2003 e 2008), após declínio nos anos 1990. A retomada de um ritmo mais elevado e consistente de crescimento econômico, aliada a uma maior elasticidade produto-emprego, após 2003, repercutiu direta e positivamente no mercado de trabalho e a taxa de desemprego declinou sistematicamente, passando de 9,9% em 2003 para 8,3% em 2007.
Nesse mesmo período, acelerou-se o ritmo de expansão do emprego formal e, por conseguinte, a informalidade diminuiu. A taxa de formalidade – que corresponde à participação da soma dos trabalhadores com carteira assinada – aumentou de 43,9% para 49,5% entre 1999 e 2007.
"Impulsionados pelo controle da inflação (a partir de 1994, com a implantação do Plano Real) e pelo aumento real do salário mínimo (a partir de 2003), os níveis de rendimentos dos trabalhadores expandiram-se e contribuíram para a redução da pobreza e da desigualdade e melhoria geral das condições de vida da população. Entre 2003 e 2007, o rendimento médio mensal real do trabalho principal cresceu de R$ 811,00 para R$ 931,00, representando uma expansão de cerca de 15% em quatro anos", adiciona o estudo.
O aumento da formalidade fez crescer a proporção de ocupados que contribuem para a previdência social – de 46,7% a 52,6% entre 1992 e 2007. A parcela de idosos (com 65 anos ou mais) que recebem aposentadoria ou pensão também subiu de 80,7%, em 1992, para 85,4%, em 2007.
Além disso, a porcentagem de trabalhadores com jornada de trabalho superior a 48 horas semanais caiu de 25,7% (1992) para 20,3% (2007). A pesquisa coordenada por José Ribeiro, coordenador nacional do projeto Monitorando e Avaliando o Progresso do Trabalho Decente da OIT, revelou ainda um aumento na proporção (de 45,0% para 47,4%) de trabalhadores com permanência no trabalho igual ou superior a cinco anos.
A taxa de sindicalização, em queda nos nos anos 1990, voltou a crescer a partir de 2000: passando de 16,8% em 1999 para 18,1% em 2007. A partir de 2003, aumenta de forma significativa a proporção de acordos coletivos que asseguram reposições e aumentos reais de salários.
Trabalho infantil
O número de crianças e adolescentes ocupados, entre 5 e 17 anos de idade, reduziu-se de 8,42 milhões (19,6% do total) para 4,85 milhões (10,8%) entre 1992 e 2007. Mesmo diante dos avanços obtidos nos últimos 15 anos, o desafio de eliminar o trabalho infantil continua em aberto.
"O número de crianças trabalhando ainda é elevado e, segundo os últimos levantamentos da PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)], há uma desaceleração na trajetória de redução do trabalho infantil nos últimos anos. Essa desaceleração deve-se, principalmente, à manutenção no nível de ocupação de crianças entre 05 e 13 anos de idade (em torno de 4,5%), desde o ano de 2004, o que não ocorre com as demais faixas etárias", destaca o primeiro balanço nacional de indicadores sobre trabalho decente.
Em termos absolutos e relativos, o trabalho
infantil recruta mais meninos do que meninas, sendo que 66% do número de crianças trabalhadoras são do sexo masculino. Apesar de estarem em menor número, as meninas são afetadas pelo trabalho infantil, em especial nas tarefas domésticas.
O trabalho infantil, adiciona o estudo, proporciona sérios riscos à saúde das crianças: 5,3% das crianças e adolescentes que estavam trabalhando durante a semana de referência da PNAD 2007, por exemplo, sofreram acidente de trabalho ou apresentaram doença laboral. "Esse dado causa inquietação, pois entre os trabalhadores adultos com carteira assinada a proporção de acidentados no mesmo ano foi bastante inferior (2%)", adverte o relatório.
A exploração de mão de obra infantil se reflete especialmente no futuro. Estudo elaborado pela OIT no ano de 2005, também com base nos dados da PNAD, deixa claro que a incidência do trabalho infantil em geral resulta em menor renda na idade adulta. A pesquisa indica que pessoas que começaram a trabalhar antes dos 14 anos têm uma probabilidade muito baixa de obter rendimentos superiores aos R$ 1 mil mensais ao longo da vida.
Crianças que entraram no mercado antes dos nove anos têm baixa probabilidade de receber rendimentos superiores a R$ 500 mensais. As possibilidades de obter rendimentos superiores ao longo da vida laboral, portanto, são maiores para aqueles que começam depois dos 20 anos.
Leia a íntegra do relatório Perfil do Trabalho Decente no Brasil
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