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Trabalhadores são escravizados na construção de pedágio

Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região (PRT-15) encontrou 12 pedreiros e ajudantes submetidos à escravidão contemporânea em obras de estrada da concessionária Rodovias do Tietê, no município de Monte Mor (SP)

Em plena construção de mais um dos pedágios da malha rodoviária de São Paulo, Estado mais rico do país, a Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região (PRT-15) encontrou 12 trabalhadores submetidas à escravidão contemporânea. O flagrante ocorreu no município de Monte Mor (SP) em meados de outubro. Os pedreiros e ajudantes trabalhavam na construção de uma praça de pedágio para a concessionária Rodovias do Tietê.

Contratadas para executar uma das fases, as vítimas chegaram às obras por meio de um esquema de sucessivas subcontratações, que envolve as empresas Jair Nunes da Silva Construções ME, Construtora House Capanema, Construtora Artin Ltda e a própria concessionária.

Trabalhadores improvisaram uma fogueira para
cozinhar o feijão doado por vizinhos (Foto:MPT)

No momento da fiscalização, os trabalhadores cozinhavam uma porção de feijão doada por um vizinho. A comida era preparada do lado de fora da casa utilizada como alojamento, em uma fogueira improvisada com tijolos (foto). Eles estavam há dois dias sem se alimentar.

O procurador do trabalho Mário Antônio Gomes, acompanhado de técnicos da Vigilância Sanitária municipais de Monte Mor, constatou uma série de irregularidades. "A moradia não tinha as mínimas condições de ser habitada. Só havia um banheiro na casa, que estava muito sujo. O empregador não fornecia água potável aos empregados", detalha.

Apenas sete dormiam em colchões próprios. Os outros improvisavam uma cama com papelão e cobertores. Na frente do alojamento, havia um depósito de lixo que exalava mau cheiro. Muitos animais peçonhentos e insetos circulavam pelo local por causa da proximidade com a mata.

As vítimas trabalhavam no local desde agosto, mas ainda não tinham recebido salários regulares. Vales no valor de R$ 50 foram distribuídos para alguns. "Depois que encerraram sua parte na obra, os trabalhadores foram deixados no alojamento, sem o pagamento dos salários e da rescisão do contrato de trabalho. Eles não tinham assistência nenhuma", conta o procurador. As Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS) de alguns empregados foram retidas; outros não tiveram registro no documento.

A jornada de trabalho extrapolava o limite diário e semanal permitido pela legislação trabalhista (8h diárias ou 44h semanais). Os trabalhadores não tinham descanso semanal: trabalhavam de segunda a segunda, das 7h até às 21h. A pausa para alimentação era de apenas alguns minutos.

De acordo com os depoimentos colhidos pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), as vítimas são do Nordeste. Contudo, eles já tinham migrado para o Sudeste em busca de condições melhores de vida. O recrutamento para a obra do pedágio foi feito já na capital paulista, com promessas de salários de R$ 900, além de alimentção, moradia e todos os direitos trabalhistas.

Os representantes da concessionária Rodovias do Tietê S/A assinaram Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual se comprometeram a fornecer alimentação e material de higiene pessoal aos empregados até o dia de audiência administrativa, ocorrida em 20 de outubro, na sede da PRT-15. Os trabalhadores receberam os pagamentos referentes ao tempo de trabalho, além da verba da rescisão do contrato de trabalho.

Na opinião de Mário Antônio, este tipo de exploração ocorre devido à vulnerabilidade dos trabalhadores migrantes, muitas vezes são ex-cortadores de cana. "O empregador sabe que o trabalhador necessita de emprego para continuar no Estado e o trabalhador se sujeita a condições como estas. Nós estamos acompanhando a mecanização do setor da cana-de-açúcar e como consequência o desemprego de muitos trabalhadores rurais. Essas pessoas estão indo trabalhar na construção civil, que em contrapartida tem recebido investimentos do governo e necessitado de mão-de-obra". 

A terceirização – e até a "quarteirização" – de serviços também foram condenadas pelo procurador. "Nesse ramo é muito difícil uma construtora fazer todo o trabalho. Normalmente, ela terceiriza cada etapa da construção e faz o papel de uma espécie de gerente da obra". As empresas grandes contratam outras menores e aquela que está na ponta do ciclo normalmente não tem condições financeiras de arcar com as verbas trabalhistas.

A Rodovias do Tietê S/A pertence à CIBE Participações Empreendimentos S.A. (CIBEPar) que, por sua vez, pertence outras duas empresas: o Bertin Ltda – tradicional grupo de frigoríficos envolvido em outros casos de trabalho escravo – e o Grupo Equipav Pavimentação, Engenharia e Comércio S.A. A CIBEPar atua nas áreas de saneamento, rodovias e energia.

O grupo também é dono das concessionárias Rodovias das Colinas (SP), Sulvias, Metrovias e Convias (RS), a Nascentes das Gerais (MG). A CIBEPar também controla a operadora do Terminal Rodoviário de Campinas e a operadora do Terminal Rodoviário de Campo Grande (MS).

A Concessionária Rodovias do Tietê enviou nota* à Repórter Brasil e disse que "tomou, imediatamente, todas as medidas necessárias para amenizar a situação vivida por aquelas pessoas e exigir da empresa contratada a regularização das condições de trabalho e alojamento dos seus funcionários".

"Antes do conhecimento deste fato a concessionária já havia, inclusive, interrompido a execução dos serviços previstos no contrato assinado com sua contratada, já que a mesma vinha descumprindo normas estabelecidas no contrato e na legislação vigente", acrescentou a assessoria de imprensa. "Devido às questões acima apresentadas, a empresa contratada foi multada pela concessionária. Quanto à terceirização das obras, a Rodovias do Tietê vai intensificar suas fiscalizações e aumentar as penalidades para as contratadas que praticarem atos não previstos na lei".

*A posição da concessionária foi incluída na matéria nesta quinta-feira (3)

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6 Comentários

  1. aluisiops7@gmail.com.

    Não seria o caso do MP Trabalho, estudar o pedido da suspensão do contrato da parceria publica privada com esta empresa por quebra de contrato.Por falta de etica na aplicação da CLT, o por mera falta de escrupulo e enriquecimento ilicito em desfavor da parte menos esclarecida ( trabalhador bracal)

  2. Fausto Miranda Litle

    É, mas os donos de confecções do Bom Retiro (chineses e coreanos) estão mantendo uma população de bolivianos ilegais trabalhando como escravos, com o “consentimento” da PF e do MPT. Falta peito para encarar essa gente?

  3. henrique de oliveira

    Na fazenda da Katia Abreu isso é normal , mas ninguem quer ver.
    Já em São Paulo deve ser o tal choque de gestão , escravisar para economisar.

  4. Antonio José

    Não haveria dificuldade de qualquer espécie para que a Lei fosse cumprida. Bastaria o Governo incluir uma cláusula em toda licitação, de multas pesadíssimas para a vencedora da concorrência quando houvesse constatação de descumprimento legal da C.L.T. Ainda que houvesse uma sequência de subcontratações a 1ª empresa vencedora ficaria com o encargo da folha de pagamento dos empregados e fiscalização pelo cumprimento da Lei – C.L.T.

  5. André Freire

    Presumo que a obra de construção de pedágio seja de responsabilidade direta ou indireta do governo do Estado de São Paulo. Como uma obra pública pode ser realizada com tantas irregularidades? O governo deve ser chamado às falas? Quem o fará? A Assembleia Legislativa? O Ministério Público do Trabalho?

  6. Claudia S. Silva

    Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego, através de sua Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT – sob responsabilidade da Sra Ruth Vilela, fiscalizar as relações de trabalho. Veja o que disse o Sr. Armando Presidente da SINTESP:

    DATA 24/01/2009 – SP – Local e momento: Festa de Comemoração do Dia dos Aposentados – CEREST-SP
    Armando: O dado concreto é que as questões de Segurança e Saúde do Trabalho, vinculado a esta Secretaria está agonizante, as relações da sua Titular Sra. Ruth Vilela, com o movimento sindical, organizações, profissionais prevencionistas e servidores do MTE nesta área é distante de arrogância, sem diálogo e totalmente sem norteamento.

    Obs.: Nosso parecer: A conclusão é que a Secretaria Ruth Vilela é eficiente no seu marketing junto ao Ministro e aos poderes do governo que a mantém no cargo, com base nas ações de fiscalização arrecadatórias e outras ações de grande repercussão de mídia, colocando as 3 mil mortes, 15 mil mutilados e afastados definitivamente do trabalho, 400 mil acidentes graves e doenças do trabalho fora das prioridades na política de atuação do governo, “pobres trabalhadores”, continua sendo usados como moeda de troca, ações absurdas como a Portaria 17/MTE, e Portaria 262/MTE, promovendo terceirização e banalizando a profissão dos Técnicos de Segurança do Trabalho respectivamente, cabendo a nós que fazemos parte da sociedade organizada continuar intensificando mobilizações para as devidas mudanças e correção de rumos.

    Armando Henrique
    Presidente – SINTESP

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