Só este ano, a Cosan, megaempresa do setor sucroalcooleiro, assinou dois novos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com valores milionários, após sucessivos descumprimentos de acordos prévios firmados com o Ministério Público do Trabalho (MPT) no estado de São Paulo.
Com os dois novos TACs negociados diante de irregularidades comprovadas em fiscalizações, a Cosan se comprometeu a desembolsar R$ 3,4 milhões e restabelecer critérios junto ao MPT no sentido da garantir condições regulares de trabalho nas atividades ligadas ao seu negócio – em especial no corte manual de cana para a produção de açúcar e álcool.
No dia 19 de maio de 2010, a Cosan assinou o TAC nº 7689/2010, proposto pela Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região (PRT-15), que substitui outros três TACs (firmados em 30 de março de 2007, em 4 de setembro e 10 de outubro de 2008). A violação dos acordos firmados anteriormente foi verificada em averiguações in loco realizadas durante 2008 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo próprio MPT.
O acordo determina, além das obrigações de fazer e não-fazer, a destinação de R$ 900 mil em ambulâncias, consultório dentário e outros equipamentos para 25 entidades de Piracicaba (SP), Capivari (SP) e região. Os bens foram adquiridos e as notas fiscais, apresentadas.
Segundo o procurador do trabalho Mário Antônio Gomes, responsável pelo TAC, foram constatadas irregularidades – principalmente no que se refere ao meio ambiente de trabalho e à saúde e segurança dos trabalhadores – em 18 usinas do grupo Cosan, em diferentes municípios paulistas.
"Verificamos a ausência de água potável nas frentes de trabalho, falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), falta de local adequado para refeições, entre outros", relata. Anualmente, usinas são fiscalizadas por amostragem, pois há centenas de frentes na cana.
Para o procurador do trabalho, "é preciso pressão internacional por conta da exportação do etanol para que a empresa de fato cumpra a legislação e respeite o trabalhador". "A visão dos empresários ainda é a de impunidade. Mas há melhorias no setor, principalmente em relação à terceirização, por consequência da mecanização", analisa Mário.
A Cosan teve mais recentemente de assinar um outro acordo com o MPT por descumprimento das normas trabalhistas, desta vez no valor de R$ 2,5 milhões. O TAC Aditivo N.º 7904/2010, firmado em 2 de julho de 2010, é resultado de termos que foram descumpridos desde 2005 na unidade Univalem, localizada no município de Valparaíso (SP).
A sequência de irregularidades na Univalem teve início em 2005, quando a fiscalização flagrou jornada de trabalho exaustiva (para além das oito horas diárias e das duas horas-extras permitidas por lei). O intervalo entre jornadas também não estava sendo respeitado.
Tadeu Henrique Lopes da Cunha, procurador do trabalho em Araçatuba (SP) responsável pelo acordo, lembra que, em 2006, foi solicitada uma nova inspeção da unidade para checar mais uma vez as condições de trabalho. Na ocasião, agentes registraram a continuidade dos problemas relacionados à jornada que já tinham sido apontados em 2005.
"Neste ano (2006), foi feito um aditivo ao TAC já firmado, que mantinha as obrigações de fazer e não fazer, e estipulava o pagamento de R$ 30 mil pelas irregularidades constatadas nesta fiscalização", explica Tadeu.
Um terceiro descumprimento foi verificado em outra ação fiscal em 2007. Desta vez, o MPT propôs um aditivo no mesmo TAC que aumentava a multa por descumprimento de R$ 300 por dia e por trabalhador para R$ 1 mil, por cada irregularidade que fosse flagrada.
Outras infrações relacionadas à jornada de trabalho foram encontradas em 2008. "A empresa alega que falta funcionário, por isso não consegue cumprir a jornada e o intervalo entre jornadas", disse o procurador. O valor estipulado pelo MPT foi de R$ 2,5 milhões em compras de equipamentos, que serão destinado a entidades da região de Araçatuba (SP).
O mesmo Tadeu firmou outro TAC Aditivo (7813/2010) com a Cosan por descumprimento do TAC 3650/2007, na unidade Benalcool, em Bento de Abreu (SP). O valor combinado de R$ 26,1 mil que serão pagos pela empresa também será destinado a entidades da região de Valparaíso (SP) e Bento de Abreu (SP). Auditores fiscais do MTE confirmaram a repetição dos problemas relacionados à jornada de trabalho e aos intervalos.
Já o juiz Renato da Fonseca Janon, da 2ª Vara do Trabalho de São Carlos (SP), condenou a Cosan em 2009 ao pagamento de R$ 200 mil por dano moral coletivo ao julgar procedente ação civil pública (ACP) do MPT. Diante dos mesmos problemas de jornada exaustiva e de falta de intervalo na Usina da Serra, no município de Ibaté (SP), procuradores da PRT-15 entraram na Justiça ainda em 2007 contra a megaempresa do setor sucroalcooleiro.
Fornecedora
Em julho, uma denúncia anônima levou procuradores do MPT até a Fazenda Santa Lúcia, em Santa Cruz do Rio Pardo (SP), fornecedoras da Cosan. No local, foram encontrados 14 pernambucanos que atuavam no corte de cana-de-açúcar em situação análoga à escravidão.
Os trabalhadores estavam com os salários atrasados e dormiam em alojamentos precários. Eles tinham decidido parar as atividades por conta das condições de trabalho. Em represália, os proprietários da fazenda chegaram a suspender o fornecimento de água e energia elétrica.
Em depoimentos ao procurador do trabalho Luís Henrique Rafael, de Bauru (SP), os trabalhadores disseram que foram enganados pelo empregador, já que recebiam metade do salário prometido. O MPT propôs assinatura de outro TAC com os responsáveis pela Fazenda Santa Lúcia.
Os contratos foram rescindidos e as verbas rescisórias foram pagas, incluindo férias e 13º salário proporcionais, saldo de salário, Seguro-Desemprego, aviso prévio, saque e multa de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O transporte dos cortadores até Pernambuco também foi pago.
Comunicado
Em comunicado enviado à Repórter Brasil, a Cosan disse que "possui milhares de fornecedores em sua cadeia produtiva e tem feito um trabalho intenso para reduzir ao máximo eventuais não-conformidades no relacionamento com os trabalhadores envolvidos nestas atividades".
De acordo com o comunicado, na safra 2010/2011, 100% dos trabalhadores safristas que trabalham em terras próprias ou arrendadas pela empresa são funcionários diretos da Cos
an e aproximadamente 80% das operações de compra de cana de fornecedores passaram também a ser feitas por mão de obra contratada diretamente pela Cosan.
Em relação aos descumprimentos dos TACs a empresa disse que "nos últimos três anos, tivemos uma redução de 84% no número de incidentes que levam a autuações". "Os eventuais descumprimentos de alguns destes TACs referem-se a processos para os quais ainda buscamos formas mais eficientes de eliminar estas não-conformidades", completa.
Turbinada pela valorização do açúcar no mercado internacional e pela substantiva retorno do álcool, a Cosan acumulou receita líquida de R$ 3,99 bilhões só no primeiro trimestre fiscal de 2010-2011. Foram 44,2 milhões de toneladas de cana-de-açúcar moídas pela empresa na safra passada e, com aquisição de usinas da NovAmérica, o grupo elevou sua capacidade anual de moagem para 60 milhões de toneladas. A Cosan anunciou associação com a holandesa Shell, em negócio estimado em US$ 12 bilhões.
"Lista suja"
A Cosan foi inserida na "lista suja" do trabalho escravo em 31 de dezembro de 2009 e permaneceu no cadastro até 8 de janeiro de 2010. A fiscalização que resultou na inclusão da Cosan ocorreu em junho de 2007, na Usina Junqueira, em Igarapava (SP). Na ocasião, 42 trabalhadores foram libertados da unidade. Houve constatação de aliciamento, havia sistemas de dívidas e um dos cortadores tinha apenas 17 anos. A empresa foi retirada da "lista suja" por liminar do juiz substituto Raul Gualberto Fernandes Kasper de Amorim, do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10).
Em 2009, o grupo de fiscalização rural da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP) lavrou 22 autos de infração contra a Usina Diamante, também da Cosan, na região de Jaú (SP). Trabalhavam no local 2.628 trabalhadores, sendo 464 mulheres. Os autos se referem à falta de registro (de seis pessoas); generalizada falta de controle de jornada; desrespeito ao descanso semanal nos domingos e feriados; alojamento com irregularidades; e falta de sanitários e locais adequados para as refeições, entre outras infrações. Empregados da Diamante já haviam entrado em greve no ano anterior exigindo melhores condições.
Nas safras de 2007 e 2008, trabalhadores da Usina Gasa, em Andradina (SP), também entraram em greve por melhores condições de trabalho. O sindicato dos trabalhadores informou que grevistas foram demitidos após as manifestações, violando o direito constitucional à greve.
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