O Ministério Público Federal no Tocantins apresentou à Justiça Federal denúncia contra Carlos Alberto Kerbes e Roberto Carlos Kerbes por redução de trabalhadores a condição análoga à de escravo na Fazenda Neen Agropecuária e Florestadora Ltda, localizada na zona rural de Araguacema, onde é cultivada a espécie florestal nim. Segundo a denúncia, Carlos Alberto é o proprietário da fazenda e seu irmão Roberto Carlos é o administrador. Também conhecido como Beto, foi ele o responsável pelo aliciamento de oito trabalhadores que foram submetidos a condições degradantes de trabalho e moradia nos anos de 2009 e 2010. Entre eles havia dois menores de 18 anos.
Os trabalhadores exerciam atividades de plantio, adubação, irrigação e pulverização de veneno. Em março de 2010, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho visitou a fazenda, onde constatou as situações degradantes de trabalho. Irregularidades como alojamentos sem condições mínimas de segurança e saúde, jornadas de trabalho exaustivas, não fornecimento dos equipamentos de proteção individual, fornecimento de água imprópria ao consumo humano, falta de instalações sanitárias, armazenamento de agrotóxicos dentro do alojamento, violência física e psicológica e utilização de armas de fogo seriam parte do cotidiano na fazenda.
Os trabalhadores não tinham filtro e bebiam água coletada diretamente de uma cisterna que não possuía tampo que vedasse a entrada de insetos e animais de pequeno porte. Em decorrência desses problemas, muitas vezes eram obrigados a consumir água de um açude próximo ao alojamento, formado de um pequeno córrego que corta diversas propriedades rurais vizinhas, servindo de bebedouro aos bovinos. Os agrotóxicos utilizados nas plantações eram armazenados em um quarto do alojamento dos trabalhadores, juntamente com adubo e os sacos de arroz que eram utilizados na alimentação.
De acordo com o relatório de fiscalização, o gerente mantinha na fazenda diversas armas de fogo, as quais utilizava para disparos intimidatórios em direção aos trabalhadores. Além da coação moral, o administrador agrediu fisicamente um trabalhador, ameaçando-o para que não contasse a ninguém o fato ocorrido. Conforme autos de apreensão da Polícia Federal, além de munição compatível foram apreendidas uma espingarda calibre 32, com numeração raspada, uma mira óptica para acoplagem em armas, uma espingarda calibre 22, uma carabina calibre 38 e um rifle calibre 22 semi automático com numeração raspada. Perícia policial comprovou que as armas e munições estavam em condições de efetuar disparos.
Carlos Alberto é o beneficiário da exploração a que foram submetidos os oito trabalhadores, e responsável pela direção das atividades. Roberto Carlos atuou como aliciador e contratante da mão-de-obra, fez as combinações, a fiscalização do trabalho e efetivou os pagamentos. Ambos estão estão incursos por oito vezes no artigo 149 do Código Penal. Roberto, por possuir armas de fogo, duas com numeração raspada, uma mira óptica para e várias munições, todos em desacordo com as disposições legais e regulamentares, também encontra-se incurso nos tipos penais previstos no artigo 12 e artigo 16, parágrafo único IV, da Lei nº 10.826/2003.
Escravidão contemporânea
A configuração do trabalho escravo não exige especificamente que um ser humano seja submetido à propriedade de outro, como nos tempos de escravidão. O trabalho escravo contemporâneo tem conceito complexo e para sua configuração, suficiente que existam na relação de trabalho alguns elementos que afrontem a dignidade dos cidadãos. Atualmente, o trabalho escravo está escondido por trás de trabalhos urbanos e rurais que aprisionam muitos trabalhadores nas correntes da violência física e moral, nas situações de trabalho exaustivo, nas instalações em alojamentos degradantes, rebaixando os trabalhadores para uma condição semelhante à daqueles que viviam em regime de escravidão. (Da Ascom/MPF)