Diante dos ataques à campanha Carne Legal – lançada pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF/PA) com apoio do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e da Repórter Brasil (saiba mais aqui) –, representantes e entidades da sociedade civil divulgaram o documento abaixo.
CARTA DE APOIO À CAMPANHA CARNE LEGAL
No início de junho deste ano o Ministério Público Federal (MPF), com o apoio do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e da organização Repórter Brasil, lançou uma campanha de orientação aos consumidores. A ação, batizada de Carne Legal, defende que optar pela compra de produtos bovinos de procedência regularizada é uma das formas mais eficazes para combater o desmatamento, o trabalho escravo e outros crimes no campo.
Como uma base de dados para o consumidor, foi lançado um site pelo qual é possível saber quais as empresas – entre frigoríficos, curtumes e outros – se comprometeram com o MPF a só vender itens cuja produção respeitou a legislação vigente. Em uma palavra, trata-se de transparência.
É um primeiro passo, o início da caminhada que necessariamente deve chegar à implementação de um sistema que certifique e garanta a origem da carne e de outros produtos bovinos.
A Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) não quer esse mapeamento. A presidente da entidade, Kátia Abreu, ajuizou ação contra a campanha, alegando que a iniciativa não tem fundamento porque é impossível para a população certificar-se da origem da carne que consome. Ela reconhece que o problema existe e, em vez de ajudar a resolvê-lo, prefere atacar quem apontou um caminho.
Se a falta de informações sobre a legalidade desses produtos é evidente, o mínimo a ser feito é não denegrir quem se dispôs a encarar a questão.
Para a presidente da CNA, a campanha é baseada em dados não comprováveis. No Brasil real, que parece não ser o da CNA, segundo dados do Programa de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (Prodes), realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 700 mil quilômetros quadrados da cobertura florestal da Amazônia foram desmatados nos últimos 40 anos (para termos uma idéia do tamanho do problema: o Estado de São Paulo tem 248 mil quilômetros quadrados), o que equivale a cerca de 15% da área total da floresta.
De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), aproximadamente 80% das áreas desmatadas são destinadas à pecuária. Só no intervalo de 1996 a 2006 a área ocupada pelo pasto na Amazônia legal duplicou, chegando a 550 mil quilômetros quadrados (informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE).
Para abrir as porteiras para os bois, muitas vezes trabalho escravo é usado no desmatamento de áreas que se tornarão pastos. Mais de 50% dos empregadores presentes no cadastro do Ministério do Trabalho e Emprego que relaciona empregadores flagrados com mão-de-obra escrava, conhecido como a "lista suja", criavam gado em suas propriedades.
Já sabemos: Kátia Abreu vai novamente tapar o sol com a peneira e negar a validade desses dados, que podem facilmente ser comprovados. E esse ataque covarde à campanha Carne Legal é só mais uma etapa da feroz batalha desempenhada pela presidente da CNA contra a legislação ambiental, em especial contra o Código Florestal, batalha que levou organizações ambientais a elegê-la Miss Desmatamento.
A violência da CNA contra a campanha Carne Legal só comprova que ela tocou no ponto fraco da parcela dos pecuaristas que desmata e escraviza: se o consumidor puder tirar do mercado os ilegais, ele o fará. Se o consumidor puder optar por comprar produtos que não estimulem o crime, inevitavelmente práticas como o desmatamento, o trabalho escravo e a invasão de terras públicas não terão mais sustentação econômica.
Assim, é preciso dar continuidade à campanha. Não aceitamos que essa discussão seja camuflada. São as vidas de trabalhadores rurais escravizados e a garantia de um meio ambiente sustentável para a nossa e para as futuras gerações que estão em jogo.
Reivindicando nosso direito à transparência, a instrumentos que nos permitam mudar essa realidade criminosa que se perpetua no campo brasileiro, registramos publicamente nosso apoio à campanha Carne Legal e a seus idealizadores, e nosso repúdio aos que tentam censurá-la.
Subscrevem esta carta:
Candido Cunha, agrônomo, Incra, PA
Carlos Ansarah, agrônomo, Incra, PA
Carlos Tautz, jornalistas, Ibase, RJ
Comissão Pastoral da Terra (CPT) Nacional, GO
Comissão Pastoral da Terra (CPT) Pará, PA
Esplar Centro de Pesquisa e Assessoria, CE
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), RJ
Instituto Observatório Social
Joao Alfredo Telles Melo, advogado, vereador pelo Psol, CE
Justiça Global, RJ
Karen Suassuna, WWF, DF
Padre Edilberto Sena, Frente em Defesa da Amazônia, PA
Rede Brasil Sobre Instituições Financeiras Multilaterais, DF
Tarcísio Feitosa, ganhador do Prêmio Goldman Environmetal Prize 2006, PA
Tatiana Carvalho, agrônoma, WWF, DF
Toni Venturi, cineasta, SP