Jornadas exaustivas, não recebimento de horas extras, desrespeito ao descanso semanal remunerado, pagamento de comissões que incentivam os excessos e uso de medicamentos para inibir o sono.
Essas são algumas das irregularidades constatadas nas rodovias de Goiás, Mato Grosso e São Paulo, durante operações realizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério Público do Trabalho (MPT) no que se refere às condições de trabalho de caminhoneiros e motoristas de transporte de passageiros.
As fiscalizações em Goiás se iniciaram em abril deste ano e encontraram motoristas dirigindo por mais de 20 dias sem descanso. Segundo Jacquelinne Carrijo, auditora fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Goiás (SRTE/GO), as longas jornadas de trabalho se destacaram entre as irregularidades verificadas.
Em entrevista ao programa de rádio Vozes da Liberdade, da Repórter Brasil, ela aponta os contratos de trabalho como estimuladores de excessos: de jornada, de velocidade e de cargas. "Tudo isso para que haja a entrega do produto em prazos muito curtos. E como esses trabalhadores ganham por produção, quanto mais trabalharem, mais ganharão".
Os problemas foram constatados por meio da leitura do disco dos tacógrafos (dispositivo que monitora o tempo de uso, a distância percorrida e a velocidade desenvolvida), feita inicialmente pela PRF, e também por meio de entrevistas. "Por meio da leitura das informações dos discos verificamos jornadas de 25 horas, 28 horas de trabalho contínuo, o que configuramos como jornada de trabalho exaustiva", complementa a auditora.
Quando o excesso de jornada é apontado pelo tacógrafo, os auditores fiscais lavram autos de infração para cada irregularidade apontada (falta de folga etc.) e encaminham para o empregador, que tem um prazo se posicionar. "Encaminhamos, também, os relatórios para o Ministério Público do Trabalho que toma as medidas cabíveis", explica.
Quando o disco está danificado ou foi indevidamente preenchido, as companhias empregadoras também são responsabilizadas, a fiscalização lavra auto de infração por falta de controle de jornada.
Outra irregularidade verificada pelas ações foi a falta de registro em Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS). "Os motoristas desconhecem seus direitos. Eles são como os outros trabalhadores comuns perante a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)", analisa Jacquelinne.
De acordo com a auditora, houve registro de caminhoneiros e motoristas que comem mal e dormem mal, muitas vezes dentro do próprio caminhão. "Eles sentem muitas dores no corpo pela falta de repouso adequado, falta de local adequado para recuperação das energias, exposição ao risco de morte por causa dos acidentes e dos assaltos", acrescenta.
Outros estados
O MPT em Mato Grosso, em parceria com a PRF, também realizou fiscalizações nas duas principais rodovias do estado e constatou – por meio de exames de urina – que os trabalhadores usam remédios para inibir o sono. O MPT/MT promoveu ação civil pública contra as transportadoras, para coibir o excesso de jornada. A ação ainda tramita em Brasília.
De acordo com o juiz do trabalho Paulo Barrionuevo, do Mato Grosso, o pagamento de comissões aos caminhoneiros pode ser um dos principais fatores que induz longas jornadas de trabalho. A remuneração extra é paga de forma irregular. A constatação, apurada por meio de fiscalizações, foi apresentada durante o "Simpósio sobre trabalho no transporte rodoviário", promovido pelo MPT no município de Rondonópolis (MT).
Em São Paulo, a Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região (PRT-15) ajuizou ação civil pública contra a transportadora Vesper, no final de julho de 2010, pedindo a regularização da jornada de trabalho dos seus empregados, com a obrigação de conceder descanso semanal de 24 horas consecutivas. No mérito, o MPT pede a condenação da empresa em R$ 500 mil por danos causados aos direitos dos trabalhadores.
A Vesper foi flagrada quatro vezes com problemas na jornada de trabalho dos seus empregados. A empresa não respeitou o limite de jornadas diárias e nem o intervalo mínimo de 11 horas entre uma jornada e outra.
No início de 2006, uma fiscalização do MTE verificou que a Vésper prorrogava a jornada dos trabalhadores além do limite legal de 2 horas diárias. Os intervalos entre duas jornadas concedidos pela empresa eram inferiores a 11 horas. Um ano depois, uma nova fiscalização do órgão trabalhista observou que as práticas abusivas continuaram.
Diante disso, o MPT firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Vesper, em maio de 2007. A empresa descumpriu o acordo, além de desrespeitar intervalos entre jornadas. Por conta disso, o MPT firmou um novo acordo em 2008, no qual a empresa se comprometeu a se regularizar e pagar multa pelo descumprimento do TAC anterior.
Uma nova fiscalização verificou, porém, que a transportadora continuava a abusar dos períodos de jornada, desta vez não concedendo aos seus empregados descanso semanal de 24 horas seguidas.
O MPT tentou um novo acordo com a empresa, propondo um aumento da multa diária pelo descumprimento dos acordos anteriores. Porém, a Vesper não concordou com a proposta. O procurador Fábio Massahiro Kosaka acionou a transportadora na Justiça do Trabalho. O advogado da empresa, Isidoro Augusto Rossetti, informou que a empresa já regularizou a situação após audiência, e que o problema se referia a dois funcionários do setor de manutenção que não tiveram folgas por duas semanas.
Em Minas Gerais também foram realizadas operações nas principais rodovias no início deste mês. Os resultados ainda não foram divulgados.
Confira entrevista de Jacquelinne Carrijo em áudio.
*Colaborou Rodrigo Rocha
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