A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para as Formas Contemporâneas de Escravidão. Gulnara Shahinian, apresentou conclusões e recomendações ao Conselho de Direitos Humanos do organismo internacional referentes à missão realizada no Brasil de 17 a 28 de maio deste ano, nesta terça-feira (14), em Genebra, na Suíça.
Combate à escravidão exige ação contra pobreza, recomenda Gulnara (Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr) |
No documento, a relatora confirma a avaliação de que o Brasil merece elogios por reconhecer a existência do problema e por colocar em prática políticas e iniciativas concretas de combate ao trabalho escravo contemporâneo. Atenta, porém, para o fato de que "ações exemplares correm o risco de serem ofuscadas se ações urgentes não forem tomadas para quebrar o ciclo de impunidade de que gozam proprietários de terra, empresas nacionais e internacionais, e intermediários (como os contratadores de mão-de-obra, conhecidos como "gatos") que se beneficiam do trabalho escravo".
O crescimento econômico brasileiro precisa levar em conta as suas consequências como um todo e não pode "custar" direitos, reiterou Gulnara. O relatório pede ainda a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que confisca a terra onde houver trabalho escravo, e o aumento da pena mínima para o crime de submeter alguém à condição análoga à escravidão (Art. 149 do Código Penal) de dois para cinco anos de reclusão.
A armênia Gulnara ainda aponta para a necessidade de que, a despeito do que vem sendo realizado em nível federal, ações locais de combate ao trabalho escravo precisam ser incrementadas.
Para erradicar o trabalho escravo, sinalizou Gulnara, é preciso enfrentar a pobreza. "Programas [sociais] abrangentes, focados e sustentáveis devem ser implementados para assegurar que a parcela mais vulnerável ao trabalho escravo usufrua de direitos humanos fundamentais como acesso à alimentação, água, saúde e educação e para assegurar a reinserção e integração das vítimas à vida econômica e às redes de proteção social".
Enquanto punições em âmbito civil têm sido aplicadas, penas de ordem criminal precisam ser reforçadas, continua a relatora especial da ONU. "Conflitos jurisdicionais [acerca da competência estadual ou federal] e atrasos no sistema judiciário causam frequentemente limitações, atrasos e permitem que acusados acabem se aproveitando da impunidade", coloca. O relatório defende a competência da Justiça Federal para julgar o crime de trabalho escravo – previsto em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2006, mas sob risco diante de outro julgamento em curso no mesmo tribunal.
Informações sobre número de processos, sentenças judiciais e punições relacionadas aos crimes relacionados ao trabalho escravo, assim como valores de multas impostas e efetivamente recebidas, devem ser disponibilizadas para o público em geral, assinalou Gulnara.
As recomendações incluem ainda: a incorporação de conquistas como lei, a exemplo da "lista suja" do trabalho escravo (que relaciona empregadores que cometeram esse crime) e a existência do grupo móvel de fiscalização (que verifica denúncias e liberta pessoas); o fortalecimento da proteção a defensores de direitos humanos; a importância do envolvimento de empresas no Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
A relatora também destacou que o Brasil precisa assinar, ratificar e cumprir plenamente a Convenção Internacional sbre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias. O governo brasileiro, emendou, precisa aplicar o Protocolo sobre o Tráfico de Pessoas – criminalizando todas as formas de tráfico (incluindo para fins de exploração econômica) em suas leis e todos os envolvidos no crime.
Foi reconhecido o papel da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e de organizações da sociedade civil engajadas no Brasil. O governo nacional precisa, segundo a relatora, dividir o exemplo do sistema de combate ao trabalho escravo com outros países da America Latina.
A delegação brasileira no Conselho de Direitos Humanos da ONU classificou o relatório de "objetivo e balanceado", destacou casos citados de boas práticas, mas teceu algumas críticas. Disse, por exemplo, que a aprovação da PEC 438/2001 não é tarefa do governo, mas do Congresso.
*Com informações do Blog do Sakamoto