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Carvoaria que abastece siderúrgica repete escravidão

Grupo móvel de fiscalização encontra 11 pessoas em condições análogas à escravidão em carvoaria do município de Abel Figueredo (PA) que fornece indiretamente à empresa Companhia Siderúrgica do Pará S/A (Cosipar)

Localizada no município de Abel Figueiredo (PA) e fornecedora indireta da Companhia Siderúrgica do Pará S/A (Cosipar), a carvoaria L.N. do Nascimento Garcia foi flagrada novamente com trabalho escravo. Desta vez, 11 pessoas – entre elas, quatro adolescentes e uma mulher – foram libertadas pelo grupo móvel de fiscalização no último mês de agosto. A mesma carvoaria já havia sido flagrada com os mesmos problemas em 2009.

O cenário encontrado foi de condições degradantes que desrespeitam a dignidade humana – com ausência de registro em carteira, salários não pagos, longas jornadas, falta de equipamentos de proteção individuais (EPIs) e alojamentos precários (sem banheiros nem chuveiros). 

Os carvoeiros não utilizavam EPIs, como máscaras, botas e roupas adequadas para altas temperaturas. A ausência de proteção adequada fazia com que os trabalhadores inalassem fumaça tóxica da queima do carvão, estando assim, sujeitos a graves problemas respiratórios.

Das 11 vítimas, somente três tinham a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada pelo empregador. A jornada dos trabalhadores chegava até a 10h diárias, mas a pessoa encarregada de vigiar os fornos enfrentava uma jornada maior, apesar de intermitente, de acordo com o auditor fiscal do trabalho Klinger Moreira, do grupo móvel de fiscalização.

Parte dos trabalhadores que não vivia no alojamento local estava morando em Abel Figueiredo (PA), que fica a uma distância de cerca de 100 km de Marabá (PA) – onde estão instaladas diversas "guseiras" (como são chamadas as unidades de produção de ferro-gusa) que compõem o Pólo Siderúrgico do Carajás, na divisa dos estados do Pará, Tocantins e Maranhão.  

De acordo com Klinger, houve uma mudança no sistema de produção do carvão vegetal, que não só aquece os altos fornos das siderúrgicas, como faz parte da própria composição do ferro-gusa. Antes, segundo ele, era comum a construção e estabelecimento de carvoarias maiores com cerca de 100 a 150 fornos; atualmente, o grupo móvel vem se deparando com carvoarias médias (com aproximadamente 50 fornos, sendo que cada empregado fica responsável por 11 fornos, o que precariza ainda mais as condições de trabalho) e pequenas (com não muito mais do que cinco fornos que, pelo porte, poderiam ser uma atividade econômica familiar para subsistência).

"Os donos de carvoarias pequenas são muito pobres e exploram os que são mais miseráveis que eles", define Klinger, que coordenou a operação. O carvão produzido pelas pequenas carvoarias é vendido muitas vezes de forma informal a donos de caminhão, que pagam pouco e geralmente também são donos de carvoarias de médio porte, com a situação mais legalizada. Em geral, são estes últimos que mantêm contrato com as siderúrgicas. Por isso, acrescenta o auditor fiscal, também não é muito simples detectar a ligação entre as pequenas carvoarias e as grandes siderúrgicas. 

No caso da L.N. do Nascimento Garcia, foi possível estabelecer vínculo com a Cosipar por causa de uma fiscalização que também encontrou trabalho escravo na mesma carvoaria no ano passado. Na realidade, a produção da pequena carvoaria era "incluída" nas notas fiscais das carvoarias médias que, essas, sim, eram parceiras comerciais legalizadas da Cosipar. Naquela ocasião, a Cosipar foi autuada pela situação verificada na área da L.N. do Nascimento Garcia e inclusive arcou com o pagamento das verbas rescisórias, danos morais individuais e danos coletivos dos empregados.

Desta vez, a Cosipar também se comprometeu a pagar as verbas rescisórias (R$ 65,7 mil) aos trabalhadores, inclusive porque tinha recursos pendentes com a própria fornecedora L. N.. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Cosipar, que declarou que apresentaria a posição da empresa sobre o ocorrido até quarta-feira (27), mas nenhuma sinalização foi enviada até o fechamento desta matéria.

Segundo a fiscalização, o proprietário da carvoaria, por seu turno, se recusou a pagar multas ou indenizações, além de não ter assumido a assinatura de qualquer Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Assim como vários donos de pequenas carvoarias, os donos da L. N. não se apresentaram. "Eles não conversam com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com o Ministério Público do Trabalho (MPT), com ninguém. Quando a fiscalização chega, eles desaparecem", descreve Klinger.

Histórico
A Cosipar já foi responsabilizada por outros casos de trabalho escravo em carvoarias e já chegou a fazer parte da "lista suja" do trabalho escravo anos atrás. Em 2009, a siderúrgica foi desvinculada do Instituto Carvão Cidadão (ICC), por ter descumprido o estatuto da entidade e acabou excluída do Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Dois anos antes, a mineradora Vale rescindiu o contrato de fornecimento de ferro com a Cosipar depois de analisar documentação encaminhada pelas guseiras referente ao cumprimento das legislações ambiental e trabalhista. Antes, no mesmo ano, a Cosipar foi autuada por atuar sem licença ambiental e teve parte de sua produção de carvão vegetal apreendida em uma inspeção do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em 2005, a empresa fez acordo judicial e aceitou pagar R$ 1 milhão por danos morais para encerrar caso de escravidão ocorrido na Fazenda Califórnia – pertencente a Wilson Ferreira Rocha, que também fez parte da "lista suja" e foi inclusive condenado em sentença da Vara Federal de Marabá -, em Goianésia (PA), fornecedora exclusiva da Cosipar.

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4 Comentários

  1. Valdemar Lopes Herbstrith

    Pelo que foi noticiado NÃO adianta nada colocar esta empresa (pessoas) na “lista suja”, multar administrativamente. O ideal, como medida pedagógica, seria a PERDA TOTAL de todas as propriedades e repassado para os trabalhadores explorados. Assim, ficaria configurado a administração de uma SOCIEDADE SUSTENTÁVEL e NÃO de desenvolvimento sustentável que motiva a bandidagem em busca do lucro fácil.

  2. Susana Resende da Silva

    Com certeza são muitas as conivências nestas situações extremadas de condições similares a escravidão,tanto quanto nas mais sutis, assim a miséria moral muito mais “miserável” que a material prevalece, como se fosse impossível repudiar, combater, punir tais comportamentos.
    Sem experimentarmos sentimento de profunda revolta ante a menor atitude exploradora ao próximo não teremos energia para interromper esse ciclo antropofágico.

  3. fernando

    eh lamentavel, que isso ainda esteja ocorrendo, precisamos estruturar cada vez mais os orgaos fiscalizadores, pois o carvao vegetal eh nescessario a vida humana, so precisa organizar os meios.

  4. Luiz Motta

    A Vale voltou a fornecer minério pra a guseira que compra esse carao?