Pesquisa

Cotidiano de vigilantes é marcado por pressão física e psicológica

Pesquisa realizada em Minas Gerais aponta que vigilantes de transporte de valores chegam a enfrentar jornadas de até 18 horas, sem intervalos adequados, fazem refeições e até urinam em garrafas dentro de carro-forte
Por Bárbara Vidal
 04/10/2010

Vigilantes de transporte de valores enfrentam jornadas de até 18 horas, sem intervalos regulamentares, e chegam até a ter de fazer refeições e urinar em garrafas de plástico dentro do carro-forte. E o acompanhamento psicológico indicado aos trabalhadores do setor de segurança que passam por traumas (como assaltos e assédio moral), previsto em convenções coletivas, não vem sendo cumprido pelos empregadores.

As constatações fazem parte de levantamento concluído em julho deste ano por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) acerca do cotidiano dos vigilantes no estado mineiro.

“Boa parte dos vigilantes [de transporte de valores] não tem assegurado as condições compatíveis para poderem se alimentar”, afirmou o professor Carlos Eduardo Carrusca Vieira, que coordena estudos relacionados à Psicologia do Trabalho na PUC Minas. Em entrevista ao programa Vozes da Liberdade, ele explicou que a ausência de pausas e a extensa jornada têm a ver com a inserção de novas tarefas na rotina diária dos trabalhadores.

Dentro desse quadro, foram identificadas alterações no metabolismo e enfermidades – como problemas nos rins e perda ou ganho de peso. Grande parte dos que responderam à pesquisa também manifestou sentir dores no pescoço e nos membros inferiores, além de varizes.

Somada à permanência em pé (muitas vezes durante todo o expediente de 12 horas, a despeito das supostas 36 horas de descanso após cada turno), os empregados do setor costumam usar coturnos que não são, segundo a pesquisa, os mais adequados para a atividade. Vigilantes disseram, conforme observa Carlos, que os coturnos parecem ferraduras.

O estudo dos trabalhadores do setor começou com o acompanhamento, ao longo de dois anos, de um grupo de 202 seguranças e vigilantes (de transporte de valores e também do segmento de eventos, indústrias, instituições de ensino e bancos). Diante dos elementos colhidos por meio da verificação do cotidiano do trabalho, os pesquisadores promoveram a segunda parte da pesquisa, com base em um questionário respondido por 1.232 pessoas.

Além dos reflexos na saúde física, a forma de organização do trabalho de seguranças e vigilantes também contribui para o desgaste mental. Depois de episódios de violência (como assaltos, por exemplo), muitos ficam sem receber a assistência psicológica prometida nas convenções coletivas assinadas pelos empregadores. A falta de acompanhamento explica a ocorrência de casos de Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT), assim denominada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os resultados da pesquisa sobre trabalho, saúde e adoecimento dos vigilantes foram compilados em publicação lançada no II Seminário Estadual sobre Condições de Trabalho e Saúde dos Vigilantes e Trabalhadores de Empresas de Segurança e Vigilância do Estado de Minas Gerais, com apoio da Procuradoria Regional do Trabalho da 3a Região (PRT-3).

Relatório
Paralelamente à pesquisa da UFMG e PUC Minas, o centro regional da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) em Minas Gerais realizou outro trabalho mais abrangente com os trabalhadores do setor de vigilância, em parceria com o Sindicato dos Empregados em Empresas de Segurança e Vigilância do Estado de Minas Gerais (SEESE-MG) e com o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Embasada em 5.076 questionários, a pesquisa promoveu um “mapeamento socioeconômico sobre as condições de trabalho e saúde dos vigilantes do estado, como uma visão geral deste profissional”, segundo a chefe do centro regional da Fundacentro, Marta Freitas.

Nada menos que 85% dos pesquisados disseram sentir dor nas pernas. Mais de 35% disseram ainda ter realizado algum tipo de tratamento de saúde. Cerca de 30% dos trabalhadores do setor possuem renda de, no máximo, R$ 760,00. A desigualdade racial também salta aos olhos: enquanto um trabalhador branco tem renda média de R$ 917,99, o mesmo profissional negro recebe em média R$ 871,61, o que equivale a um valor 5,05% menor.

Nas mineradoras, cerca de um quarto dos entrevistados declararam que sentem seus empregos ameaçados. Três de cada quatro vigilantes e seguranças afirmaram ainda que fazem hora-extra, na maioria dos casos (25%), para cobrir a ausência de outro funcionário.

A prospecção das respostas foi concentrada na região metropolitana de Belo Horizonte (56,23%). Em segundo lugar, veio o Triângulo Mineiro (13,91%). Os critérios utilizados para a coleta de dados dos trabalhadores de cada município foram a população, o Produto Interno Bruto (PIB) e a quantidade de trabalhadores e estabelecimentos nos ramos de extração mineral, bancos, indústria, comércio, hospitais e ensino.

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