Exploração do trabalhador deve ser denunciada, segundo debate na UFG

 24/11/2010

A escravatura, tida como mola da economia agroexportadora brasileira nos tempos da Colônia e do Império, foi extinta em 1888, depois de longos anos de debate e pressão. Isso é o que nos conta a história oficial. A escravidão, em verdade, um modelo de exploração do trabalho e da condição do ser humano, nunca deixou de existir. Em pleno século XXI, há suspeitas de que 37 milhões de pessoas em todo o mundo estejam vivendo em condições precárias e subjugadas a todo tipo de dominação. No Brasil, desde 2003, quando aprovado o primeiro texto do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, 32.193 homens e mulheres foram libertados de seus empregadores que, em verdade, nunca cumpriram com as leis trabalhistas.

As correntes se foram, mas a humilhação, a miséria, o açoite e o desrespeito permanecem, no campo e na cidade. Isso é o que denunciaram entidades que reuniram seus representantes na UFG nesta quarta-feira, 24/11, no auditório Professor Luiz Palacin da Faculdade de Ciências Sociais (FCS). Realizado em forma de audiência pública, o evento foi uma iniciativa do Núcleo de Estudos sobre o Trabalho da FCS, em parceria com a Comissão Pastoral da Terra Regional Goiás (CPT/GO) e a Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Assembleia Legislativa de Goiás. Compuseram a mesa Antônio Carlos Cavalcante Rodrigues, procurador do Trabalho, Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra, e Mauro Rubem, deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia.

Conforme os organizadores da audiência, a preocupação dos presentes foi com a possibilidade de apontar "alternativas para um futuro em que a dignidade humana tenha primazia sob as relações econômicas e de poder". Isso significou, para o grupo, reconhecer, primeiramente, que o mundo ainda vive intenso antagonismo entre classes e, segundo, que a escravidão de miseráveis é pungente e alimenta, inclusive, o enriquecimento do país.

O deputado Mauro Rubem foi o primeiro a tomar a palavra e, implacável, declarou: "Podemos considerar que Goiás se desenvolve economicamente a partir de uma cadeia produtiva que prioriza o trabalho escravo". Categórico, ele narrou uma série de experiências que a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia tem com denúncias vindas tanto da zona rural, em fazendas e usinas de álcool, como na zona urbana, envolvendo confecções, permissionários de táxis e empresas da construção civil. "O problema não está longe de nós", observou.

Xavier Plassat, da CPT, também denunciou a exploração do trabalhador vinda do campo. Apresentou fotografias, depoimentos e estatísticas que denunciam a realidade, principalmente, nos setores do agronegócio e sucroalcooleiro. "Muitos indivíduos vêm dos estados da Região Norte e Nordeste com a expectativa de que vão ganhar melhor e poder sustentar a família. Têm os custos da viagem pagos e já chegam no novo trabalho devendo. Há um capataz que os controla e suas instalações, normalmente, são em barracas de lona junto ao lugar da produção", constatou.

Em Goiás, um em cada seis municípios têm denúncia de trabalho escravo. Nos últimos sete anos, 3.261 pessoas foram libertadas no estado, correspondendo a 11% do total do país. Mineiros, Campo Alegre, Catalão, Itaberaí e Inaciolândia foram alguns dos municípios em que a prática foi identificada. Dados da Organização Internacional do Trabalho, conforme apontou Plassat, indicam que as pessoas que se esforçam à exaustão, já que o trabalho é medido pela produção, custam ao empregador um valor oscilante entre US$ 70,00 e 100,00.

"Quando o trabalhador chega na CPT para formalizar a denúncia, normalmente depois de meses ou anos passando fome, apanhando, dormindo em condições precárias, devendo aos patrões e alijado da família, nós perguntamos: ´se você aguentou tanto tempo, por que resolveu denunciar agora?´. E eles nos respondem: ´porque fui tratado como animal´", narrou o representante da CPT. Plassat lembrou que o tema da escravidão contemporânea não pode ser considerado separadamente de outro assunto: o do tráfico de pessoas, realizado em escalas local e global.

O procurador Antônio Carlos Cavalcante Rodrigues, do Ministério Público do Trabalho, evidenciou as dificuldades que os órgãos da justiça têm, entre si, de fiscalizar e julgar a situação. Ainda que tenha sido criada uma "lista suja" para identificar empresas e empregadores que escravizam pessoas, os próprios órgãos dos poderes executivo e judiciário divergem quanto à postura e ao reconhecimento do tema. "Identificamos um empreiteiro-gato em Catalão, que explorava mais de 50 trabalhadores vindos da Bahia. O seu trabalho era construir casas populares por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)", exemplificou. "A usina Vale do Verdão, que também foi autuada em Rio Verde por deter de 3 a 5 mil trabalhadores, recebeu financiamento do BNDES", prosseguiu. Para o procurador, há um descompasso cujo motivo principal são os interesses do capital: "atividades de repressão e atividades de financiamento sempre foram desligadas".

Fonte: Assessoria de Comunicação UFG

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM