Três trabalhadores foram libertados de condição análoga à escravidão de uma área "grilada" que pertence ao poder público em Jacareacanga (PA), município que fica na divisa do Pará com o Mato Grosso. A alimentação era escassa, não havia água potável e nem alojamentos.
As vítimas estavam na fazenda há aproximadamente três meses. De acordo com Amarildo Borges de Oliveira, auditor fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE-MT) que coordenou a ação, trata-se de caso de reincidência. "Ficou comprovado que, no ano anterior, o proprietário já havia utilizado o mesmo tipo de mão de obra", confirmou.
Os libertados dormiam em um barraco coberto com lona, sem portas ou proteções laterais. O alimento se resumia a arroz, feijão e carne de má qualidade, pois não havia formas de armazenamento adequado. Também não havia banheiros disponíveis. A água que consumiam não recebia nenhum tratamento e vinha de um riacho próximo ao barraco. Equipamentos de proteção individual (EPIs) não eram fornecidos. Durante a jornada de trabalho – que variava entre 8h e 10h diárias -, eles manuseavam motosserras para o desmatamento da floresta amazônica.
A terra grilada, que ainda não possuía nome nem sede construída, estava sendo preparada para a formação de pasto para o gado bovino. Apesar de localizada em Jacareacanga (PA), a cidade mais próxima do local da fiscalização é Paranaíta (MT), que fica a cerca de 150 km da fazenda.
A fiscalização não caracterizou aliciamento porque os trabalhadores moravam em Paranaíta (MT), assim como o empregador, Mauro Zanette. De acordo com Amarildo, "a intenção do ´fazendeiro´ era efetuar a derrubada para depois construir casas e delimitar a posse das terras públicas". Quando a fiscalização chegou ao local, 490 hectares da floresta estavam no chão, mas o objetivo final do grileiro era derrubar, ao todo, de 652 hectares.
Isolamento geográfico
A fiscalização descobriu que, antes de chegar ao local para libertar essas três pessoas, a mesma fazenda mantinha oito trabalhadores que, segundo Amarildo, eram "todos contratados pelo mesmo ´gato´ (aliciador para empreitadas) e prestavam serviço aos fazendeiros da região". Nenhum deles tinha dívidas, mas um estava com o salário atrasado.
A restrição da liberdade de ir e vir se dava pelo isolamento geográfico – comum quando se trata do Pará. Para chegar ao local de trabalho no meio da floresta amazônica, os trabalhadores tinham que atravessar dois rios (Teles Pires e São Benedito) em balsas que pertenciam aos próprios grileiros. "Só era possível sair do local com a ajuda e consentimento do empregador e/ou do intermediador de mão de obra, o ´gato´", emenda Amarildo.
Mesmo tendo sido flagrado no passado, o empregador não assinara nenhum Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). As motosserras foram apreendidas pelos fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que participaram da fiscalização do grupo móvel, que se estendeu de 20 de setembro a 1º de outubro. Além do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ibama, participaram ainda a Polícia Federal (PF) e agentes da Força Nacional. Foram lavrados 11 autos de infração.
Mauro Zanette, apontado como responsável pela situação encontrada, foi procurado pela Repórter Brasil, mas não foi encontrado.
Garimpo
Outra fiscalização realizada pelo mesmo grupo (entre os dias 25 de outubro a 5 de novembro deste ano) libertou mais seis trabalhadores em duas propriedades de garimpo: a Fazenda Beira Rio e a Fazenda Recanto, ambas no município de Novo Mundo (MT) – a 800 km da capital mato-grossense Cuiabá (MT) e também próximo à divisa com o Pará.
Em ambas as propriedades, as vítimas atuavam na extração de ouro. Eles jateavam água nos barrancos com pequenos motores, explica Amarildo. O trabalho era insalubre, pois os empregados encontrados no local permaneciam grande parte da jornada de trabalho, que se estendia por 10h diárias, dentro do barro. Não era fornecido nenhum tipo de EPI.
As seis pessoas libertadas estavam entre um e oito meses nos garimpos. Sem alojamentos, elas dormiam sob um barraco coberto com lona, sem portas ou proteções laterais, nas mesmas condições que os libertados de Jacareacanga (PA). A comida era por conta dos empregadores, mas não havia sanitários e a água consumida era retirada de um rio próximo.
Também ficou constatado que, 60 dias antes da fiscalização, 25 pessoas trabalhavam nos garimpos da Beira Rio e da Recanto. Os salários estavam sendo pagos em dia e não havia dívida. No entanto, ficou caracterizado o isolamento geográfico: o local ficava há 40 km do município mais próximo, Novo Mundo (MT), e não havia transporte público nem privado no local. "Para sair de lá, só de carona ou a pé", descreveu Amarildo, que disse que as vítimas vinham dos mesmos municípios do local de trabalho.
A Beira Rio pertence a Edmar Koller Heller e Geraldo Aires de Souza Nunes é o suposto proprietário da Recanto. Ao todo, foram lavrados 11 autos de infração para cada empregador. Edmar foi procurado pela Repórter Brasil, mas não foi encontrado até o fechamento desta matéria.
De acordo com o Ministério Público Federal no Mato Grosso (MPF/MT), Geraldo adquiriu a Fazenda Recanto de forma ilegal, pois era uma área destinada à reforma agrária. Segundo denúncia dos procuradores, ele mantinha a posse da área por meio de constantes ameaças e violências. O MPF/MT chegou a pedir a prisão preventiva de Geraldo e a condenação do suposto "proprietário" pela ocupação irregular de terras públicas, ameaça e estelionato. Geraldo foi preso no dia 20 de agosto em Sinop (MT), após oferecer risco à vida dos moradores do Acampamento União Recanto.
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