No MA, nenhum caso de trabalho escravo da lista suja foi concluído

 07/02/2011

Mesmo tendo sido autuado pela Polícia Federal em 2009 por manter 16 trabalhadores em condições análogas à escravidão em sua carvoaria, em Açailândia (MA), o proprietário do empreendimento, conhecido como Valdo*, continua levando jovens para trabalhar sem pagar salários ou oferecer moradia e alimentação adequadas.

É o que conta Eliomar de Oliveira, de 22 anos, que trabalhou por três meses na carvoaria como operador de motosserra e não recebeu nada dos R$ 800 mensais prometidos na contratação.

"Saí da casa do meu pai atrás de emprego e fiquei desesperado porque não estava conseguindo nada. Na carvoaria sempre precisam de muita gente. Até anunciam as vagas na rádio", conta o jovem. "Quando fui conversar sobre o emprego, o dono da carvoaria me disse que as condições de trabalho eram boas e que tinha um papel do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] que permitia cortar madeira na área".

Quando chegou à fazenda, porém, percebeu que a realidade dos trabalhadores era outra. "Dormíamos todos em um barracão, em redes, e não tínhamos banheiro. Eu banhava no rio", diz Leomar. "Trabalhávamos das 6h às 18h. Às 8h, ganhávamos um café velho com cuscuz e ao meio-dia um prato de arroz com feijão. Carne era só as quartas-feiras", conta.

Cansado da falta de salário e das humilhações do patrão, Eliomar deixou a fazenda e caminhou por quatro horas até encontrar ajuda. Ele, então, fez uma denúncia ao Ministério do Trabalho (MTE), com a ajuda da organização não-governamental Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos.

"Demorou 20 dias para a Polícia Federal chegar. Eles libertaram 16 trabalhadores e obrigaram o proprietário a pagar os salários atrasados e todos os direitos", conta. "Nessa época, a fiscalização parou a carvoaria, mas conversei com um amigo e ele contou que as coisas lá já estão do mesmo jeito de novo", conta.

Casos reincidentes, como o da carvoaria de Valdo, não são incomuns no Maranhão. Nos últimos cinco anos, nenhum dos 62 processos contra trabalho escravo do estado incluídos na Lista Suja foi concluído. Eles deveriam ter sido julgados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A denúncia sobre a lentidão nos processos foi feita no Atlas Político-Jurídico do Trabalho Escravo Contemporâneo no Maranhão, lançado na última semana pela ONG Centro de Defesa.

"O problema é resultado do modelo econômico que a elite impõe. É a relação das políticas com os interesses econômicos. Os réus, em geral, são gente articulada e incluída no poder público", afirma um dos organizadores da publicação, Nonato Masson.

O Atlas aponta que, dos demais processos de trabalho escravo no Maranhão, que não estão na Lista Suja, apenas 11 foram concluídos. Deles quatro foram condenatórios, sendo que apenas dois resultaram em prisão. Os outros dois receberam pena de prestação de serviço comunitário, aponta o Atlas.

Um dos processos foi extinguido, porque o acusado faleceu, e dois foram prescritos, sendo um arquivado e um tramitando com recurso. Em quatro casos, os réus foram absolvidos.

Das 20 fazendas que figuram na lista suja do Maranhão desde 2005, apenas 12 têm processos na justiça. O Atlas registrou apenas uma prisão em flagrante.

Ao todo, 40% dos libertos do trabalho escravo de todo país são maranhenses, segundo o Centro de Defesa. "É um reflexo da estrutura fundiária do estado e do desmatamento, que acabaram com as formas de vida tradicionais. Se não tem mais babaçu ou campo para criar búfalo, o trabalhador tem que buscar outras formas de sobreviver", avalia Masson.

Soluções

Para Masson, o problema no Maranhão requer ações fortes do poder público. "Existem protocolos de intensão do Estado para todo lado, mas na prática não se vê uma ação que tenha mudado a vida dos peões", avalia. "É preciso pensar em um seguro desemprego mais sólido e extenso e, principalmente, em grupos móveis de fiscalização. Muitas vezes fazemos denúncias e ninguém vem".

O Centro de Defesa organiza os trabalhadores libertos do trabalho escravo em cooperativas de reciclagem de carvão, madeira e papel. Além disso, auxilia a contratação deles em empresas de Açailândia, um dos principais polos industriais do Maranhão.

É o caso de Eliomar de Oliveira, que aguarda uma possibilidade de trabalho em uma nova empresa da cidade, que promete abrir 3 mil vagas. O jovem planeja também voltar à escola, abandonada na primeira série do ensino médio, e tirar a carteira de motorista. Ele tem recebido apoio do Centro de Defesa e da irmã mais velha, que mora em Belém (PA).

 

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