Um panorama da situação do trabalho escravo no mundo foi apresentado pelo americano e sociólogo Kevin Bales – especialista internacional na questão do trabalho escravo contemporâneo, durante o IV Seminário Internacional do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. O encontro foi realizado na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília nesta quinta-feira, 19.
De acordo com Kevin Bales, que também é fundador da ONG Free the Slaves Americano, atualmente são 27 milhões de trabalhadores escravos no mundo gerando 40 bilhões de dólares por ano, o que, segundo ele, é muito pouco para a economia global, ou seja, é muita escravidão para pouca geração de dinheiro para a realidade mundial. “Geralmente o trabalho escravo beneficia somente economias locais. É um paradoxo porque, apesar de envolver o cerceamento de direitos humanos de milhares de pessoas, gera poucos recursos para a economia”, constata o estudioso.
Segundo o sociólogo a escravidão é colocada na ponta da economia global e a boa notícia é que como o trabalho escravo está na ponta da economia, pode ser empurrada, extirpada de vez para fora.
Para o sociólogo são necessários 10,8 bilhões de dólares para erradicar e reintegrar os trabalhadores escravizados no mundo. É a metade do que eles produzem todos os anos na economia global e a mesma quantia que o Brasil investe na Telebrás.
Ele fez uma comparação com o custo do trabalho escravo ao longo da história e constatou estar cada vez mais fácil comprar um ser humano. “Caiu muito o preço, atualmente um trabalhador pode ser comprado por até 50 dólares”, informou Bales. O estudioso disse que encontrou famílias na índia compradas a 10 dólares, por fazendeiros.
O trabalho escravo nas minas do Congo, na África, e sua correlação com os nossos celulares foram mostrados por Bales. Ele disse que grupos armados que atuam na guerra civil naquele país estão se transformando em máfias para disputar o domínio da produção desses minerais utilizados na fabricação de celulares e laptops.
Para Bales a situação é uma das mais preocupantes entre os casos de trabalho escravo. “Geralmente os trabalhadores que fazem a extração desses minérios são vitimados pela poeira. Eles não agüentam mais que 18 meses nesse tipo de trabalho, pois o pó emanado da extração dos minérios gera doenças pulmonares e os levam a óbito”, informou.
A devastação de florestas na África e no Brasil, para a produção de carvão vegetal, e na Ásia, para a produção de camarões, utilizando trabalho escravo, também foi citada. Em Bangladesh, na Ásia, por exemplo, o estudioso disse que crianças são seqüestradas e agredidas para trabalhar nas florestas no processamento de camarão para ser vendido congelado. Elas sofrem de febre e diarréias. Muitas relataram a Kevin Bales que viram seus amigos serem devorados por tigres.
Combate
Iniciativas internacionais que estão sendo executadas para combater este tipo de crime no mundo foram destacadas pelo americano. Ele citou os EUA como exemplo com o Pacto do Cacau, em que grandes e pequenas empresas se uniram para erradicar o trabalho escravo de sua cadeia produtiva. Essas empresas também investem, por ano, 4 milhões de dólares na África para combater o trabalho escravo na fabricação do chocolate.
A atuação da rede de supermercados Walmart no Brasil foi elogiada como exemplo de liderança no setor privado, no combate ao trabalho escravo, o que chamou de lei da transparência. O Walmart não compra e não comercializa produtos que tenham trabalho degradante em sua cadeia de produção. Também é um dos signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que congrega empresas comprometidas em cortar relações com o trabalho escravo.
Lançado no dia 19 de maio de 2005 em Brasília (DF), o Pacto Nacional reúne atualmente cerca de 185 signatários, que movimentam, ao todo, algo em torno de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. O Pacto é uma iniciativa do Instituto Ethos, da OIT e da Repórter Brasil, que tem dezenas de signatários, entre eles, o SINAIT.
Brasil – O combate ao trabalho escravo no Brasil foi elogiado por Kevin Bales que disse estar muito satisfeito em compartilhar suas experiências com ativistas brasileiros. “O mundo tem muito ainda a aprender com o Brasil e vice versa”.
Segundo o estudioso, o pacto nacional brasileiro é pioneiro na história da erradicação do trabalho escravo. Em um de seus livros o sociólogo dá exemplos de como o Brasil está fazendo para combater o trabalho escravo.
Bales aproveitou a ocasião para lançar um desafio: Segundo ele não há um país que não tenha tido um dia sem trabalho escravo em sua história. Se o Brasil quiser ser o primeiro país a dizer não à escravidão seria uma grande conquista a ser seguida por outros países.
Ele lembrou que os EUA tentaram combater o trabalho escravo com algo parecido com a iniciativa brasileira, mas que não vingou. A diferença é que não envolvia o confisco de terras, só de bens imóveis e carros. Disse isso fazendo referência à PEC 438/01, que prevê a expropriação e o confisco de terras em que for encontrado trabalho escravo.