Construção Civil

Para inibir descaso em obras, Campinas acena com embargo

Para a concessão do alvará de execução, a Prefeitura de Campinas (SP) exigirá que responsáveis assumam compromisso de cumprimento da Norma Regulamentadora (NR) 18, sob risco de paralisação dos empreendimentos
Por Maurício Hashizume
 19/05/2011

Campinas (SP) – Quem não cumprir normas trabalhistas que garantem os direitos básicos dos operários nos canteiros de obra da construção civil poderá ter o empreendimento embargado diretamente pela Prefeitura de Campinas (SP). É o que prevê Termo de Cooperação assinado entre a administração municipal, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que foi apresentado, nesta terça-feira (17), a representantes de empresas do setor em audiência pública convocada na esteira da série de ocorrências de trabalho análogo escravo verificadas na região, que suscitou inclusive na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Vereadores.

 
Audiência reuniu 94 representantes de empresas da área de construção civil em Campinas (MH)

Para a concessão do alvará de execução, a prefeitura passará a exigir que os responsáveis técnicos das obras assumam o compromisso de cumprimento da Norma Regulamentadora (NR) 18, que estabelece as regras que devem ser seguidas quanto ao meio ambiente de trabalho. Para auxiliar os empregadores, a Procuradoria Regional do Trabalho da 15a Região (PRT-15) já disponibilizou em seu site na internet uma tabela, em formato de checklist, com os itens que precisam ser conferidos.

O risco de embargo às construções pelo governo municipal – de maneira imediata, por via administrativa, sem muitos trâmites burocráticos – pode fazer com que os responsáveis pelas obras passem a ficar cada vez mais atentos ao cumprimento da NR 18, avalia o procurador-chefe da PRT-15, Alex Duboc Garbellini.

Nos processos licitatórios de edificações que envolvem diretamente o governo municipal, será cobrada da empresa vencedora, quando da sua contratação, a identificação do local dos alojamentos. Os procedimentos internos para a adoção das medidas previstas no Termo de Cooperação, segundo o secretário municipal de Trabalho e Renda, Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho, já estão em curso, inclusive no que refere à viabilização de possíveis embargos.

Das 110 empresas da área de construção civil que foram chamadas para a audiência pública realizada no auditório da Guarda Municipal, 94 estiveram presentes, conforme balanço da PRT-15. O evento contou com a presença do prefeito Hélio de Oliveira Santos (PDT), que lembrou que em Campinas (SP) assistiu a um incremento do setor da construção civil de avassaladores 1.200% – de 1,5 mil para mais de 19 mil empreendimentos – entre 2007 e 2011.  Em recursos para o programa do governo federal "Minha Casa, Minha Vida", o município já recebeu cerca de R$ 800 milhões.

Mas a expansão com vistas ao desenvolvimento e a realização do sonho da casa própria, advertiu o prefeito, não podem se dar com base na exploração desumana, especialmente em obras que estão sendo financiadas com recursos públicos. “Isso não pode mais ocorrer. Temos que atuar no sentido do estabelecimento do trabalho decente. E os empregadores têm de conviver com os princípios da lei”, reforçou.

Na mesma linha, o secretário de Cooperação nos Assuntos de Segurança Pública,
Carlos Henrique Pinto, destacou o papel do segmento econômico no enfrentamento da recente crise econômica global não só para a região como para todo o país. O Termo de Cooperação, adicionou, não tem o objetivo de criar obstáculos, mas de garantir direitos. Segundo ele, o cumprimento da NR 18 "não é impossível" e as exigências podem servir como um exemplo a ser replicado. "Ninguém mais pode dizer que não tem nada a ver com isso. Todo mundo está inserido no mesmo cenário".

Procuradora do trabalho Eleonora problematizou a
questão das subcontratações no setor (MH)

Além das novas rotinas administrativas que serão adotadas pela prefeitura, o Termo de Cooperação estabelece ainda a intensificação das fiscalizações e o lançamento de campanhas e discussões voltadas à sensibilização, conscientização e formação acerca do problema.

A PRT-15 registrou, no 1º quadrimestre deste ano, seis casos de trabalho degradante – um dos itens que compõem o trabalho análogo à de escravo, segundo o Art. 149 do Código Penal. "Não podemos continuar com isso. Não é algo esporádico", destacou a procuradora Eleonora Bordini Coca.

Em 2010, 31 obras escolhidas aleatoriamente foram vistoriadas pela PRT-15. Mais de 70% dos trabalhadores que estavam atuando nos canteiros eram terceirizados. O Art. 455 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), sublinhou Eleonora, fixa a solidariedade do empreiteiro principal em relação aos empregados de subcontratadas, foco dos flagrantes mais graves, e permite terceirizações, mas não por meios ilícitos.

Representantes de construtoras receberam uma Notificação Recomendatória referente ao cumprimento das normas trabalhistas vigentes. Em caso de desrespeito, o MPT anuncia que tomará as devidas providências, que podem se materializar em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou no ajuizamento de ação civil pública, quando não há acordo. A pujança do setor não deve estar separada da melhoria das condições de vida dos trabalhadores que dele fazem parte, complementou Eleonora.

Imagens e relatos que traçaram um panorama das graves situações encontradas foram exibidas, durante o evento, pelo auditor fiscal do trabalho João Batista Amâncio, da Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Campinas (SP). Ele também frisou a contradição existente entre o cenário de oportunidade de crescimento e as condições precárias oferecidas em termos de mão de obra. À Repórter Brasil, o auditor mostrou cópia do cartão de ponto de um operador de guincho que vem trabalhando cerca de 14 horas diárias, de domingo a domingo, sem descanso semanal remunerado.
 
Contradições
Os diversos 
crimes associados à exploração de trabalho escravo – aliciamento, sonegação de impostos, corrupção, uso de documentos falsos etc. – foram ainda expostos pelo delegado da Polícia Federal (PF) em Campinas (SP), Jessé Coelho Almeida, que projetou uma intensificação ainda maior do combate ao crime a partir do funcionamento efetivo da delegacia especializada em combate aos crimes de direitos humanos que, segundo ele, deverá ser instalada em breve pelo órgão em Campinas (SP), Santos (SP), Foz do Iguaçu (PR) e Maringá (PR), bem como nas capitais.

Notificação recomendatória foi entregue; checklist está disponível a todos no site da PRT-15 (MH)

Com o intuito de ilustrar a atratividade da região, Jessé se valeu de números relativos à circulação no Aeroporto de Viracopos.  Em 2010, o movimento de passageiros triplicou, alcançando 5,2 milhões. A meta dos 5 milhões de passageiros tinha sido prevista apenas para 2015. A projeção para 2025 é de 61 milhões de passageiros.

O delegado admitiu que o número de inquéritos instaurados pela PF que dizem respeito ao trabalho escravo ainda são pequenos. Em 2009, foram instaurados 136 inquéritos no Brasil inteiro, 20 deles no Estado de São Paulo. Ele defende a atuação do órgão não só para proteção dos agentes nas fiscalizações, mas como Polícia Judiciária – que inclusive está prevista no 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Em Campinas (SP), existem atualmente 3 mil inquéritos, apenas sete sobre trabalho escravo, oito referentes a aliciamento interno e seis de aliciamento para o exterior. 

A qualificação do processo produtivo mereceu considerações do procurador Áureo Makiyama Lopes, do Ministério Público Federal de São Paulo (MPF/SP). Obtido pela exploração ilegal de mão de obra, o lucro, ressaltou, torna-se ilícito. Para ele, a responsabilidade de construtoras e incorporadoras não deve se restringir à promoção e à venda dos imóveis. A construção propriamente dita não pode ser transferida para as terceirizadas, continuou o procurador, para quem a prevenção e a punição a práticas degradantes precisam caminhar juntas, lado a lado. 

A ameaça de punição com o embargo das obras, na visão de Luiz Cláudio Amoroso, diretor da regional de Campinas (SP) do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), não resolve. Ele reforça que a entidade condena os quadros desumanos encontrados – até por se tratar de uma forma de "concorrência desleal". Até por isso, o dirigente patronal sugere, por exemplo, a concessão de incentivos fiscais aos que cumprem plenamente as normas trabalhistas. Grande parte do problema, na visão de Luiz Cláudio, está na alta informalidade (em obras menores, de forma particular) e na falta de qualificação dos trabalhadores.

Os problemas, colocaram os representantes dos trabalhadores, evidenciam que é preciso valorizar as contrapartidas sociais para a garantia de direitos nos canteiros de obras. Foi sugerido que a Caixa Econômica Federal, que está por trás de parcela significativa de empreendimentos imobiliários em todo o Brasil, também seja envolvida na iniciativa em prol do trabalho decente nas obras, com vistas a melhorias no processo produtivo. E se existe falta de qualificação entre empregados, retrucaram as lideranças sindicais presentes, as situações flagradas no setor mostram que a mesma também parece estar faltando entre empregadores.

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