Crack vira moeda de troca em fornos clandestinos

 27/07/2011

Não há números oficiais, mas estimativas apontam a existência de pelo menos 3.000 fornos clandestinos no chamado triângulo do carvão, constituído pelos estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia. A atividade não para nem nos finais de semana e, circulando pelas estradas de chão, é fácil flagrar o corte da madeira, o transporte e os fornos em funcionamento.

Difícil é se aproximar dos trabalhadores. Na maioria das vezes, quando alguém chega nos locais onde funcionam os fornos, eles fogem. Em Conceição da Barra, a reportagem encontrou uma área onde as pessoas que trabalham na produção do carvão dormem. No local, havia um trator e uma barraca com objetos pessoais como calçados e roupas. As condições eram precárias e poderiam ser relacionadas ao trabalho escravo. Uma espuma era utilizada como colchão e o cheiro era muito forte.

Apesar das más condições de instalação e da exploração, as pessoas temem perder os empregos e fogem quando a equipe de reportagem se aproxima. Os trabalhadores foram embora e deixaram os fornos queimando.

Com uma câmera escondida, a equipe da TV Vitória visitou outra carvoaria e, fingindo ser compradores, conversaram com o único trabalhador que estava no local em um dia de domingo. Sem saber que estava sendo gravado, o funcionário mostrou o lugar em que vive. Um quarto sujo, com algumas camas velhas. Para comer, somente feijão e um resto de carne, pendurado em um arame, sem qualquer higiene. Durante a conversa, ele contou como é o trabalho e quanto ganha na carvoaria.

– O trabalho é de domingo a domingo. Toda hora estou lá porque não pode deixar por conta. Um forno dá seis metros e cada metro custa R$ 7. No total dá 35 reais e com o desconto de R$25, sobram R$ 10.

Fazendo as contas, é fácil perceber a exploração. Para cada metro de carvão, o trabalhador recebe R$ 7. Cada forno produz, em média, cinco metros cúbicos de carvão por semana. No total, seriam R$ 35 por semana. Essa mesma quantidade de carvão é vendida pelo dono da carvoaria por R$ 600. Apesar da enorme margem de lucro, o patrão ainda desconta uma parte do que deveria ser pago ao trabalhador.

– Não sei porque, mas ele desconta.

A conversa com o funcionário revela algo ainda mais surpreendente. O crack já virou moeda de troca no submundo do carvão como forma de pagamento às garotas de programa. De acordo com o trabalhador, o preço é R$ 10 ou uma pedra de crack.

– Tem todo tipo de mulher. Pode ser dinheiro também, mas elas só pedem mesmo para comprar pedra.

A informação é confirmada pela polícia. O delegado Jordano Leite, do núcleo de Repressão às Organizações Criminosas, explica que os caminhões que buscam o carvão costumam transportar drogas e armas.

– Nós detectamos algumas situações que configuram o tráfico de drogas. Laranjas de empresas que recebem dinheiro de forma consciente para utilizar crack.

Um oficial da Policia Militar da Bahia também já flagrou o tráfico de drogas em caminhões de carvão.

– Em contrapartida na compra do carvão, pode ser que a droga esteja sendo utilizada para o pagamento de parte do carvão levado. Inclusive, em uma operação há cerca de uma semana, nós fizemos uma apreensão de grande quantidade de cocaína e maconha dentro de um caminhão de transporte de carvão.

Mais crimes
Roubo de veículos e equipamentos também são constantes assim como a exploração do trabalho infantil e o trabalho escravo. De acordo com o delegado, as equipes da polícia encontraram, várias vezes, exploração de trabalho infantil no local.

Na esteira da máfia do carvão, os crimes se multiplicam. O esquema é comandado por empresários do Espírito Santo. Um carvoeiro, que atua em Teixeira de Freitas, no sul da Bahia, Ediclei Nacimento, aceitou falar com a reportagem. Ele contou quem realmente ganha dinheiro na máfia do carvão.

– Na verdade é o atravessador, porque o que a gente ganha dá mal para sobreviver. O atravessador leva o carvão para Minas Gerais e para o Espírito Santo.

No início de julho, 36 pessoas foram presas, mas a teia criminosa continua operando. Segundo a polícia, somente as siderúrgicas capixabas que participam do esquema consomem cerca de 40 mil m³ de carvão ilegal. A quantidade equivale a mais de 200 mil toras de eucalipto. Em Minas Gerais, o consumo pode ser ainda maior. A madeira roubada no Espírito Santo e Bahia é transportada com notas fiscais frias, emitidas por empresas de fachada.

O detalhe é que, não importa de onde venha o carvão, as notas fiscais são sempre emitidas por empresas da Bahia. A fraude gera créditos de ICMS para as siderúrgicas. Em dez anos, o esquema já causou um rombo de R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Mas os prejuízos vão muito além. Somente as indústrias de celulose perdem, por ano, cerca de R$ 50 milhões com o roubo de madeira.
Para a polícia, todo o valor sonegado entra nas siderúrgicas.

– Todo esse carvão produzido com madeira roubada e através de exploração infantil, crimes ambientais e corrupção de funcionários públicos, tudo isso se destina às siderúrgicas.

A máfia do carvão continua fazendo vítimas. O grupo também é suspeito de praticar assassinatos. Com um rol de crimes tão vasto, como é possível atuar a tanto tempo? Com tanto dinheiro, não foi difícil corromper autoridades

Uma operação conjunta de órgãos federais e estaduais de Minas Gerais e da Bahia realizada na terça-feira (26), resultou na prisão de 40 pessoas envolvidas na máfia do carvão, sendo 17 delas em Minas e 23 na Bahia. Entre os presos estão dois empresários do ramo de siderurgia.

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