A cassação foi cassada. Nesta semana, publicamos aqui neste mesmo espaço (confira post logo abaixo) que o presidente e corregedor do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10), desembargador Ricardo Alencar Machado, cassou a liminar que suspendeu operação que libertava 827 trabalhadores submetidos à escravidão nas lavouras de cana-de-açúcar da usina Infinity Agrícola S/A, em Naviraí (MS). Com isso, o grupo móvel de fiscalização retornou ao referido local com o objetivo de dar continuidade ao processo de resgate e garantia de direitos do conjunto de cortadores explorados – formado por 285 indígenas e 542 migrantes de Minas Gerais e da Região Nordeste.
Pois bem, nesta quinta-feira (21), o ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), João Oreste Dalazen, decidiu novamente acatar os argumentos apresentados pela companhia sucroalcooleira flagrada e suspender atos da fiscalização trabalhista.
Foram restabelecidos, consequentemente, os efeitos da liminar em mandado de segurança – concedida inicialmente pela juíza Marly Lopes da Costa de Góes Nogueira, da 20ª Vara do Trabalho (DF), em 5 de julho – que havia sido cassada pelo presidente do TRT-10.
Por meio de uma reclamação correicional contra o desembargador Ricardo Alencar Machado, João Oreste Dalazen determinou que sejam novamente suspensas tanto a interdição das frentes de trabalho como a rescisão indireta dos contratos dos 827 resgatados até o trânsito em julgado do mérito da contenda.
Para justificar a cassação da cassação, o ministro reiterou as teses acolhidas na primeira instância. A primeira delas é a de que auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) “exorbitaram de seus poderes, o que inquinaria [“contaminaria”] de ilegalidade o ato, por desvio de poder“, com base no entendimento de que apenas os Superintendentes Regionais de Trabalho e Emprego têm a prerrogativa de interditar estabelecimento. Aos auditores fiscais, caberia apenas sugerir esse tipo de medida.
A segunda argumentação reproduzida pelo presidente do TST é a de que a cassação não levou em consideração os riscos de “lesão grave à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas“, isto é, a extensão dos possíveis prejuízos.
A primeira liminar foi concedida com a intenção de “impedir a consumação de lesão de difícil reparação“, reiterou João Oreste Dalazen. Entre as argumentações lançadas à Justiça do Trabalho, a Infinity – que é reincidente no trabalho escravo, diga-se – alegou estar somando um prejuízo da ordem de R$ 15 milhões semanais.
De acordo com o ministro do TST, a interdição de atividades e a inclusão na “lista suja” do trabalho escravo (que só ocorre no final do processo administrativo e não imediatamente após o flagrante, como sugere a empresa e parece aceitar o ministro) impediriam o cumprimento das “obrigações estabelecidas no plano de recuperação judicial” da Infinity, que tramita na 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo (SP). O empreendimento milionário em questão foi assumido em 2010 pelo Grupo Bertin*, detentor da maior parte das ações do negócio. As sanções “em plena fase de colheita da cana-de-açúcar“, avaliou, seriam um agravante adicional.
Chama especialmente atenção a defesa feita pelo presidente do TST no sentido de que a interrupção do processo de libertações de escravidão contemporânea consiste em benefício para as próprias vítimas. A interdição lavrada pelo MTE, analisou João Oreste Dalazen, “contém determinações capazes de gerar imediatas e indesejáveis consequências sociais e econômicas ao empregador e, também, aos empregados“. A recuperação judicial, continuou argumentando, “tem por escopo não apenas ‘salvar’ a empresa, mas, igualmente, preservar os empregos por ela gerados”.
“Nesse aspecto, inquestionável que haveria nefasta consequência também para os trabalhadores o restabelecimento da eficácia do termo de interdição, uma vez que perderiam seus empregos“, prosseguiu. Para o ministro, “o acolhimento de tal pleito [cassação da liminar que suspendeu os a interdição e os resgates], a prevalecer, poderá acarretar dano de difícil reparação à ora requerente e aos seus empregados“.
Detalhe: Informadas pela fiscalização de que o processo de rescisão dos contratos de trabalho foi novamente suspenso, as centenas de trabalhadores manifestaram decepção e descontentamento. Os empregados da Infinity esperavam receber o quanto antes a integralidade dos direitos trabalhistas devidos e retornar a seus respectivos lares. Uma vez desligados da usina, ficariam livres para buscar outro emprego sob condições mais dignas, sem ter de “pedir as contas”. As vítimas de escravidão têm ainda direito de receber o Seguro Desemprego do Trabalhador Resgatado, por três meses, e podem também ser compensados financeiramente por indenizações de dano moral individual.
Três outras liminares
Além da reclamação correicional do TST, outras três liminares em mandado de segurança, todas do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT-24), foram concedidas em favor da Infinity Agrícola S/A. As três foram firmadas por magistrados que atuam na capital do Mato Grosso do Sul, também nesta mesma quinta-feira (21).
O juiz João Marcelo Balsanelli, da 6ª Vara de Trabalho de Campo Grande (MS), assina duas delas. Numa, ele autoriza a reativação do corte manual de cana-de-açúcar em todas as frentes de trabalho e deslegitima as rescisões de contrato dos trabalhadores. Noutra, ele derruba as interdições de três caldeiras a vapor, instaladas na planta industrial da empresa, que também foram interditadas pelo MTE por grave e iminente risco.
Na primeira peça, o magistrado identifica “clara contradição no ato dos fiscais do trabalho, com o devido respeito, consubstanciando a fumaça do bom direito“.
“Ora, os fiscais ao mesmo tempo em que notificam a impetrante para sanar as deficiências encontradas, determinam a rescisão de todos os contratos de trabalho“, realça João Marcelo Balsanelli. “Essa incongruência leva ao resultado prático de não permitir que haja a correção das deficiências encontradas, pois de que vale corrigir o que está errado se não há mais empregados para dar continuidade à atividade empresarial?“, indaga o juiz do trabalho.
Ele chega a ser categórico quanto aos efeitos da operação do grupo móvel para o negócio. “A fiscalização, dada a extensão dos efeitos da interdição, significa o fechamento da empresa impetrante e rescisão de todos os contratos de trabalho dos seus empregados“, prevê, no texto de uma das liminares. Na outra (referente às caldeiras), estima que a paralisação “acabará por comprometer sua atividade empresarial [da Infinity Agrícola S/A] e o processo de Recuperação Judicial por que está passando“.
Nas duas, o juiz repete o mesmo raciocínio. “O zelo e cuidado dos fiscais do trabalho devem ser destacados, mas não se pode deixar de levar em consideração que a manutenção da renda do trabalhador e consequente fonte de subsistência, ocupam espaço que vem logo após a preocupação com a sua integridade física“. Mas se a “preocupação com a integridade física” deve ser prioritária em relação à manutenção do emprego, as vítimas de trabalho escravo não deveriam mesmo ser resgatadas?
A quarta liminar contra a fiscalização e a favor da usina foi expedida juíza Dalma Diamante Gouveia, da 7ª Vara do Trabalho de Campo Grande (MS). Ela também se pronuncia no sentido de vedar as interdições e as rescisões de trabalho dos resgatados.
“Primeira questão a ser pontuada é que, ao fazer a fiscalização e a autuação da empresa/impetrante não poderiam os Auditores Fiscais olvidar o fato de que a impetrante está em Recuperação Judicial e os objetivos do Plano traçado para viabilizar a superação da crise. Entretanto, ao que se observa, foram tomadas pelos Auditores Fiscais medidas drásticas que estão inviabilizando o procedimento da recuperação da empresa, podendo conduzi-la a um estado falimentar“, avalia.
“Isso conduz à incongruente situação de, com a pretensão de oferecer proteção aos trabalhadores, o ato combatido acaba por retirar-lhes toda a guarida e com a prejudicialidade da sobrevivência do empregador. Estar-se-á desempregando quase mil trabalhadores, não por ato da empresa, mas sim da autoridade impetrada”, complementa a juíza, que também questiona a competência dos auditores fiscais do trabalho para rescindir contratos e exigir o pagamento imediato de verbas rescisórias.
“Sob o fundamento de proteger trabalhadores, a medida deixaria à míngua 827 famílias, criando um sério problema social na Região de Naviraí, que poderia ser evitado através de medidas preventivas gradativas pelo próprio órgão fiscalizador”, conclui a juíza do trabalho, seguindo linha de argumentação semelhante à do presidente do TST.
*Informação modificada na tarde desta terça-feira (26). O Grupo Bertin – e não o JBS Friboi, como foi informado incorretamente na versão inicialmente publicada – detém o controle da Infinity Bio-Energy, que está à frente da Infinity Agrícola S/A.