Três vidas soterradas pelo descaso

 23/07/2011

NEGLIGÊNCIA MATA TRÊS EM OBRA NA UNB

Fiscal da UnB diz ter determinado a suspensão da obra no campus, mas construtora ignorou o aviso. Menos de 24 horas depois, a terra cedeu matando os operários

De acordo com a Universidade de Brasília, empresa desrespeitou regras de segurança e ignorou alertas para que o trabalho fosse paralisado na véspera do acidente. Neste ano, 11 trabalhadores da construção civil perderam a vida

Um festival de irregularidades, a negligência de técnicos e a falta de segurança no canteiro de obras tiraram a vida de três operários que trabalhavam na construção do Instituto da Criança e do Adolescente (ICA), uma unidade pediátrica do Hospital Universitário de Brasília (HUB), que fica no câmpus Darcy Ribeiro, da UnB. Os trabalhadores foram soterrados às 10h43 de ontem, enquanto faziam a escavação e a limpeza do buraco para instalação de manilhas de concreto do sistema de esgoto. A vala de seis metros de profundidade não possuía qualquer escoramento e a terra fofa deslizou sobre os funcionários.

O pedreiro Lourival Leite de Moraes, 46 anos, o auxiliar de pedreiro Nelson Holanda da Silva, 37, e o carpinteiro Raimundo José da Silva, 24, trabalhavam há quatro meses para a Construtora Anhanguera, empresa com sede em Goiânia (GO). Todos foram retirados da abertura sem vida – a operação de busca e resgate dos corpos durou quatro horas – e encaminhados para o Instituto Médico Legal (IML). As famílias só poderão fazer o reconhecimento dos corpos a partir das 10h de hoje. Desde o início do ano, 11 pessoas morreram em canteiros de obras no Distrito Federal, quase o dobro do total de vítimas de todo o ano passado (leia mais na página 19).

A tragédia poderia ter sido evitada se os mecanismos de segurança necessários para a escavação tivessem sido respeitados. Lourival, Nelson e Raimundo trabalhavam em um buraco sem escoramento para a areia fofa. Segundo o fiscal do Centro de Planejamento (Ceplan) da Universidade de Brasília, Josafá Alves Cordeiro, responsável por vistoriar as atividades, a obra foi interditada na última quarta feira, às 15h, por excessos de irregularidades no canteiro. Ou seja, menos de 24h antes da tragédia.

"Saí da construção às 17h (de quarta-feira). De acordo com o relato dos operários, quando deixei o local, os trabalhos foram retomados até as 22h. Hoje (ontem), quando cheguei e vi que tinham continuado, fiz algumas fotos e iria anexar a um relatório para o Ceplan", afirmou. De acordo com o decano de Assuntos Comunitários da UnB, Eduardo Raupp, o fiscal solicitou a interdição dos trabalhos verbalmente na última quarta – uma condição prevista em contrato – e entregou uma documentação por escrito ao engenheiro responsável pela construção.

Responsabilidades
A UnB também abriu uma sindicância para apurar o que ocorreu. O decano de Administração, Pedro Murrieta, explicou que a comissão será formada por engenheiros da universidade, da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) e do Conselho Regional de Engenharia (CRE-DF). Para o reitor da instituição, José Geraldo de Sousa Junior, a empresa é culpada pela tragédia, pois não respeitou a medida que paralisou a obra. "Até aqui, pelo que vimos e ouvimos, a fiscalização identificou o problema com causalidade direta e, se é isso que ocorreu, a responsabilidade decorre desse fato. Se esses dados estão procedentes, certamente a empresa é que deve responder por isso", afirmou.

Em entrevista ao Correio, por telefone, o advogado da Construtora Anhanguera, Otávio Carneiro, desmentiu que a empreiteira tenha recebido qualquer comunicado da UnB. "Conversei com o engenheiro e o mestre de obras e me afirmaram que não receberam nenhum comunicado de irregularidades e muito menos que a obra fosse paralisada. Infelizmente, a UnB não age da maneira correta", acusou. Ainda segundo Carneiro, os engenheiros afirmaram que, no momento do deslizamento, não havia irregularidades que poderiam contribuir direta ou indiretamente para o acidente.

Na avaliação do diretor de Fiscalização do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil e Mobiliário (STICM), Milton Alves de Oliveira, outras irregularidades podem ser observadas no canteiro de obras do ICA. Segundo ele, os andaimes não possuem corrimão para os operários se apoiarem, não existe rodapé de 20cm e muito menos cabo guia para evitar que os trabalhadores caiam.

Oliveira disse ainda que problemas na construção da unidade hospitalar foram denunciados à Superintendência Regional do Trabalho em março, mas nada foi feito. "Todo acidente deve e pode ser evitado, desde que os empresários apliquem recursos na segurança e na saúde do trabalhador. E isso significa treinamento e acompanhamento nos canteiros, com técnicos e fiscais", disse o diretor.

Antonio Temóteo, Lucas Tolentino, Flávia Maia, Kelly Almeida
22/07/2011

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