Impunidade dificulta combate ao trabalho escravo no Brasil, diz órgão da ONU

 25/10/2011

A impunidade tem sido um dos maiores obstáculos no combate ao trabalho escravo no Brasil, mostra pesquisa da OIT (Organização Internacional do Trabalho) divulgada nesta terça-feira (25).

O documento, que traça o perfil das pessoas envolvidas no crime, diz que o país tem boas políticas, mas ainda falta muito para erradicar o problema.

O Código Penal estabelece de dois a oito anos de prisão, além de multa, para quem reduzir trabalhadores à condição de escravidão. Mas ninguém está na cadeia exclusivamente por esse crime, conta Luiz Antonio Machado, do projeto de Combate ao Trabalho Escravo da OIT. Ele diz quem nem sempre os inquéritos policiais são abertos e muitos empregadores não são denunciados à Justiça pelo Ministério Público Federal.

A OIT ouviu 121 trabalhadores rurais resgatados de situações análogas à escravidão, entre outubro de 2006 e julho de 2007. A amostra não permite generalizações, mas indica algumas informações sobre a situação das vítimas.

A maioria dos entrevistados (60%) já passou anteriormente por situações de trabalho escravo. No entanto, apenas 12,6% deles foram resgatados por equipes de fiscalização. Machado diz que o problema persiste e está mais perto que imaginamos.

– Quando o trabalhador é resgatado, a situação de vulnerabilidade dele não acaba. Faltam ações e políticas públicas, como as de geração de renda, de escolarização, capacitação e inserção no mercado formal. É muito difícil, por estamos falando em mudar uma realidade brasileira que é dura.

A escravidão no país começa, em alta proporção, pelo trabalho infantil: 92,6% dos entrevistados iniciaram a vida profissional antes dos 16 anos (a idade média é de 11,4 anos). Quase 40% deles disseram que a melhor forma de combater o crime é melhorar a fiscalização. Eles também sugeriram o cumprimento de leis, melhoria das condições de trabalho e o fim do trabalho do "gato" (homem que alicia os peões).

O estudo desvendou o perfil de trabalhadores escravizados, dos "gatos" e dos proprietários de terras. A maioria dos explorados são homens nordestinos, negros (pretos ou pardos), com baixa escolaridade e sem qualificação profissional. Em geral, os "gatos" têm situação econômica parecida à dos aliciados. O que os diferencia é o perfil de liderança. Já os empregadores rurais são homens brancos, membros de famílias de proprietários de terra, vindos principalmente do Sudeste. A maioria tem ensino superior completo.

Além das condições econômicas, há questões culturais que fazem com que os trabalhadores permaneçam nas fazendas onde são explorados: a submissão em relação aos donos de terras, e critérios morais ligados à honra, dignidade, respeito e reciprocidade.

Atualmente, muitos empregados são reféns de dívidas impostas pelos patrões, pela alimentação, transporte e até equipamentos de serviço. Um dos trabalhadores disse à equipe da OIT que "tem que pagar porque honestidade é acima de tudo. Uma das coisas mais feias que acho é não cumprir quando deve. Tem que trabalhar pra poder pagar (sic)".

Apenas 30% consideraram que o trabalhador pode sair do emprego em caso de dívidas. Machado afirma que eles não conhecem seus direitos e nunca tiveram condições diferentes das semelhantes à escravidão.

Com exceção de um empregador (foram ouvidos 12 ao total), todos os demais negaram a existência de trabalho escravo em suas fazendas. O proprietário que reconheceu sua parcela de culpa disse que foi "negligente". Boa parte dos entrevistados não tinha conhecimento das condições de alimentação, segurança e saúde dos seus trabalhadores temporários. Um fazendeiro chegou a dizer que "peão não precisa de muita coisa não".
Os grupos de fiscalização encontraram trabalhadores vivendo em barracos improvisados em chão de terra, com cobertura de lona preta ou de palha. Muitos dos alojamentos tinham problemas de ventilação e superlotação, não tinham banheiro ou água potável. Em geral, a alimentação fornecida era de baixa qualidade, produzida em precárias condições de higiene. Machado conta que, em alguns casos, os animais eram mais bem tratados que os seres humanos.

– Vivemos resquícios da época colonial. […] Os empregadores acham que estão fazendo um favor para o trabalhador em dar comida e alguma oportunidade.

Entre 1995 e os dias atuais, mais de 42 mil pessoas foram resgatadas do trabalho forçado no Brasil. Hoje, o país conta com grupos de repressão e fiscalização do trabalho escravo, além de planos nacionais de enfrentamento do problema, que incluem programas de prevenção e reinserção dos homens resgatados.

Desde 2003, existe a "Lista Suja", um cadastro que agrupa nomes de empregadores flagrados na exploração de trabalhadores. Eles ficam sujeitos a restrições financeiras, como impedimento de obter empréstimos.

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