Representantes da empresa espanhola Inditex, dona da grife de moda Zara, assinaram na tarde desta segunda-feira (19), um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) (leia o documento em PDF) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) por conta dos flagrantes, no Estado de São Paulo, de trabalho escravo na cadeia produtiva das peças de roupa da marca internacional.
O acordo final prevê o desembolso, por parte da empresa, de apenas 17% (R$ 3,4 milhões) do valor de indenização por dano moral coletivo (R$ 20 milhões) que havia sido inicialmente proposto pelo MPT. Além disso, o próprio termo "reparação por dano moral coletivo", presente na primeira versão do TAC, foi substituído por "investimentos sociais". Na prática, o documento se baseia em medidas que o grupo empresarial decidiu assumir daqui para frente, mas não estabelece um vínculo direto com os casos de escravidão contemporânea verificados pela fiscalização trabalhista.
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Flagrante de trabalho escravo em oficina que produzia peças para a Zara (Foto: Bianca Pyl) |
De acordo com Luiz Fabre, procurador do trabalho responsável pela negociação, o MPT concordou em abrir mão de 83% (R$ 16,6 milhões) da proposta inicial diante da concordância da Zara em assumir a responsabilidade jurídica pelas condições de trabalho praticadas no conjunto de sua cadeia de produção daqui em diante. Para ele, esse item, que motivara a resistência da empresa quando foi apresentada, significa um precedente importante para o combate à escravidão no setor textil, ou seja, um "ganho jurídico para a sociedade".
Além disso, o procurador declarou ter levado em conta os valores pagos por agentes envolvidos em casos semelhantes, além da “espontaneidade e boa vontade da empresa em assumir um compromisso sério”. Também pesou na decisão, segundo o membro da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região (PRT-2), o fato de que a quantia atende os projetos previstos no TAC .
“Não usar o termo dano moral coletivo no TAC foi por conta da boa fé da empresa. Consentimos pelo não reconhecimento de culpa, que cabe ao Judiciário. Mas, a partir de agora, se for flagrado trabalho escravo na cadeia produtiva, a Zara será responsabilizada”, destaca Luiz. Ele acredita que, mais do que o temor relacionado à uma disputa judicial a partir de uma ação civil pública, o que motivou a empresa, que é considerada a companhia mais valiosa do mundo no setor têxtil, a assinar o acordo foi a pressão dos consumidores que reagiram diante da repercussão do caso na imprensa.
Sobre a ausência de menção a danos morais no acordo estabelecido, a assessoria de imprensa da Zara reafirma a tese de que não tinha conhecimento do uso de trabalho escravo até então e, por isso, as oficinas contratadas foram responsabilizadas. Alega ainda que, assim que a denúncia foi feita, todas as providências foram tomadas imediatamente.
O episódio, ainda segundo a assessoria, serviu para que o monitoramento da cadeia fosse aprimorado. O grupo promete tomar providências diretas em casos como este no futuro e espera influenciar já outras empresas do setor.
Subcontratações
Outra diferença substancial entre a proposta inicial e o TAC que foi assinado diz respeito às subcontratações. O primeiro texto proibia as "quarteirizações" e "quinteirizações", que tende a fragilizar e precarizar as relações de trabalho, com relação ao "objeto principal do serviço contratado". As referências a punições para as subcontratações não estão mais presentes no TAC assinado. Os subcontratados são inclusive incorporados como "terceiros".
Apesar das diferenças entre o que foi originalmente proposto e o que acabou sendo de fato acertado, integrantes do poder público que participaram da negociação apontam avanços. De acordo com Luís Alexandre Faria, auditor fiscal da Superintendência regional do Trabalho e Emprego (SRTE/SP) que coordenou a operação que encontrou trabalho escravo em duas oficinas que produziam peças da Zara na capital paulista, o TAC pode ser considerado um divisor de águas por prever medidas de responsabilização direta. "Este é o único caso em que a empresa assume de fato toda a sua cadeia produtiva”, diz.
A Zara se comprometeu a realizar inspeções mais rigorosas em fornecedores e terceiros. Caso problemas sejam encontrados, a empresa se comprometeu em tomar providências para saná-los por meio de um plano de ação e em notificar as autoridades sobre o fato. Caso o flagrante seja realizado diretamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou pelo MPT, a empresa terá que arcar imediatamente com uma multa de R$ 50 mil.
Os moldes do monitoramento da cadeia produtiva, na análise de Luís Alexandre, seguem as bases do que já vem sendo defendido pelo Programa de Combate ao Trabalho Escravo Urbano da SRTE/SP.
Parte dos R$ 3,4 milhões de "investimento social" – e não de reparo por danos morais coletivos –
será destinada a um fundo de emergência, administrado pela Pastoral do Migrante e pelo Centro de Apoio ao Migrante (Cami), para auxiliar vítimas de trabalho escravo. A verba também será usada para equipar a SRTE/SP e viabilizar outras ações previstas no acordo.
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