Porto Alegre (RS) – Convocado muito em função da perspectiva de ampliar o diálogo e as articulações das organizações brasileiras e internacionais sobre as questões ambientais em pauta na Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20, o Fórum Social Temático realizado este ano em Porto Alegre foi um bom termômetro dos ânimos e das diferenças políticas e de visão entre os vários atores da sociedade civil, e desta com o governo.
Em um encontro realizado a portas fechadas com representantes da sociedade civil, por exemplo, a presidente Dilma Rousseff se defendeu de críticas e, questionada sobre as mudanças no Código Florestal em fase final de debate no Congresso, afirmou que o Brasil não terá mesmo um "código ambiental perfeito". A Rio + 20 acontece de 20 a 22 de junho no Rio de Janeiro.
Assembleia dos movimentos sociais realizada no encerramento do Fórum Social Temático, em Porto Alegre (RS) Foto: Verena Glass |
Grosso modo, o Fórum visibilizou posições já conhecidas – e contundentemente reafirmadas – em vários espaços e atividades do evento: para o governo, que contou com a participação de vários ministros e da presidente Dilma Rousseff, a Rio+20 é uma chance de justificar/implementar políticas compensatórias na esfera socioambiental que sejam palatáveis aos agentes econômicos internos e externos, ao mesmo tempo que deixem o Brasil razoavelmente bem aos olhos do mundo.
Já entre várias das grandes entidades ambientalistas, oscilantes entre críticas de parte, e apoiadoras de outra parte, das propostas governamentais, correu a avaliação de que os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo são formas de minimizar o inevitável avanço do capital sobre sistemas ecológicos mais frágeis, de maneira menos danosa e onde sobre algum para as populações locais. E entre as organizações mais alinhadas às lutas sociais, buscou-se avançar em consensos sobre formas de oposição à nova estratégia de mercantilização dos diversos elementos da natureza pela Economia Verde, bem como pontuar os impactos e as lutas mais emblemáticas das populações afetadas pelo neo-desenvolvimentismo capitalista.
Debate
Nos bastidores do Fórum, uma reunião fechada, ocorrida em 26 de janeiro entre representantes das organizações da sociedade civil brasileira e internacional com a presidente Dilma foi uma vitrine interessante da graduação de tons e visões neste Fórum.
Participantes carregam foto representando o mundo no Fórum Social realizado em Porto Alegre (RS). Foto: Valter Campanato/ABr |
Representando organizações urbanas e empresariais, Oded Grajew, co-criador do Fórum Social, presidente emérito do instituto Ethos e coordenador geral da Rede Nossa São Paulo, por exemplo, considerou a Rio + 20 “uma oportunidade única para o Brasil assumir uma liderança mundial, não econômica apenas, mas ética, porque está em jogo o destino da humanidade. O Brasil tem todas as condições, pelo seu governo e sociedade civil, de ser a liderança ética que possa promover as mudanças civilizatórias no mundo. Nós sabemos que as regras [da ONU] são que os acordos que vão sair são por consenso. Mas é uma oportunidade de dizer: ‘nós estamos fazendo isso’, e constranger aqueles que não está fazendo. O Brasil tem todas as condições de fazer isso”, afirmou Grajew, para quem o país ainda tem que aparar arestas, como as mudanças do Código Florestal em discussão no Congresso Nacional, para se legitimar como liderança mundial nos debates sobre sustentabilidade.
Um tom mais acima, a antropóloga Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Socioeconomicos (Inesc), afirmou abertura para “apoiar o que o governo brasileiro está fazendo de correto”, mas também apontou questões que considera “que não estão a contento, como o Código Florestal, a MP 557 das mulheres, os conflitos fundiários no caso de Pinheirinho, Belo Monte, o tema das usinas nucleares, enfim, temas que são problemáticos, que nós criticamos, porém com abertura de construir soluções que sejam compatíveis com o Estado Democrático de Direito que eu sei que nossa presidenta preza”. Com uma fala crítica ao conceito de economia verde, Pietricovsky conclui que as organizações sociais esperam “ver o Brasil liderando esta posição na Rio + 20”.
MST
O questionamento aberto a várias políticas (e à falta de outras) do governo veio, como era esperado, de João Pedro Stedile, membro da coordenação nacional do MST. Após cumprimentar a presidenta por ter ido a Porto Alegre e não à Davos, na Suiça (onde ocorreu o Fórum Econômico Mundial), João Pedro alfinetou: “Prometo não falar de reforma agrária, porque ela está paralisada, apesar de termos ainda 180 mil famílias acampadas nas beiras das estradas que precisam pelo menos de uma solução humanitária. Mas como o tema aqui é Rio + 20, nós analisamos no MST, com tudo que aprendemos na tradição de luta socialista e cristã, que a melhor pregação é o exemplo. Que o Brasil só pode liderar um processo internacional de defesa do nosso planeta, da nossa biodiversidade, se nós dermos o exemplo”.
Pontuando discordâncias com o governo, iniciou uma lista de seis tópicos com as criticas ao novo Código Florestal. “Não podemos admitir as mudanças que foram acordadas no Senado para o Código Florestal. Vamos descobrir seu correio eletrônico para que o povo brasileiro lhe escreva para pedir o veto de alguns artigos que a senhora mesmo se comprometeu [a vetar] durante a campanha, e que nós não podemos aceitar. Nós não podemos aceitar a anistia dos crimes ambientais dos latifundiários, assim como não aceitamos a redução da reserva legal, mesmo nos quatro módulos. Porque isso abre brecha para o capital internacional seguir desmatando o Cerrado e a Amazônia. A nossa política – esperamos que a senhora concorde – é do desmatamento zero”.
Após cobrar recursos para um programa de reflorestamento das propriedades da agricultura familiar e criticar aportes do banco a g
randes empresas (“o BNDES dá tanto dinheiro pra multinacional, chegou até a financiar a America Online, massa falida…”), cobrar mais apoio aos sistemas agroecológicos de produção, e cobrar a destinação de 200 mil hectares de projetos de irrigação do Ministério da Integração no Nordeste a assentamentos de reforma agrária, João Pedro passou a críticas mais contundentes.
“Quinta agenda: nós não podemos nos conformar que governos do exterior deram 700 milhões para o Fundo Amazônia e o dinheiro está lá parado no BNDES; e pela burocracia do banco, só 10% do dinheiro foi aplicado. E ainda assim, dos 23 projetos, a maioria é de governos da Amazônia, de Rondônia, do Amapá. Ora, a vocação deste dinheiro é pra recuperar a Amazônia, são projetos sociais, não é pra governo. Governo tem outros mecanismos. Por último, nós não podemos fazer uma conferência de meio ambiente se os nossos irmãos guarani-kaiowa continuam morrendo. Isso é uma dívida de honra. Nós não podemos aceitar que o agronegócio continue matando os povos indígenas, que são os verdadeiros zeladores da nossa biodiversidade e do território. Então se a senhora só resolver os problemas dos guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul já vai pro céu. Agora, se não resolver isso, não adianta falar em biodiversidade, assinar documento. E a mesma coisa com as comunidades quilombolas. Faz dois anos que o Incra não legaliza nenhuma área quilombola. É a maior dívida social que nós temos, o país foi construído com trabalho escravo, e agora não consegue reconhecer uma área? Nós temos que recuperar a legalização das terras quilombolas” (clique aqui para ler a transcrição completa da fala de João Pedro Stedile).
Sem rodeios
Como é de seu feitio, a presidente Dilma não buscou subterfúgios para responder aos questionamentos, alguns dos quais, feitos pelos representantes internacionais (o sociólogo português Boaventura dos Santos Souza, o sociólogo venezuelano Edgardo Lander, e a socióloga e feminista uruguaia Lílian Celiberti), denunciaram um “quê” de neocolonialismo na política externa brasileira, e uma tendência de volta ao neoliberalismo na política interna (clique aqui para ler a transcrição completa da fala da presidente Dilma).
Seguem aqui alguns dos posicionamentos da presidente, por tópicos:
Projeto de governo
“Eu queria dizer pra vocês que eu represento um projeto que está sendo levado a cabo desde a eleição do presidente Lula. Este é um projeto que tem alguns desafios e uma grande missão, que é ter um país em que a desigualdade social não seja tão avassaladora como foi desde a sua formação. (…) Essa é uma ambição que explica um pouco o que é a nossa diferença em relação a visões que vocês e a ONU chamam de economia verde. Pra nós não há possibilidade de desenvolvimento sustentável sem redução da desigualdade social. (…) Num país desigual como esse, você tem que crescer a mais para poder distribuir renda. Porque senhores, nós tratamos de questões práticas. Eu tenho que distribuir renda. Tem 190 milhões [de pessoas] que nós não podemos deixar na situação que estão. (…) Trata-se de fazer, de fato, com que este país tenha capacidade de ter um nível de desenvolvimento que lhe permita distribuir riqueza”.
Reforma agrária
“Eu concordo com o Stedile que é necessário a gente retomar a reforma agrária num ritmo eficaz. Agora, Stedile, eu quero te dizer uma coisa: eu não vou aceitar que o nível dos assentamentos seja o que é. Quando nós tratarmos do Brasil sem Miséria, eu quero assentamentos decentes neste país. (…) Eu quero produtores, eu quero pessoas vivendo da sua renda. Porque nós sabemos que nós temos, da época do neoliberalismo, uma reforma agrária que deixa extremamente a desejar”.
Mudanças climáticas
“Eu queria dizer pra vocês o seguinte: esse país foi um dos poucos que foi sério na questão da mudança do clima. Eu estive em Copenhague, eu sei como era a discussão entre os Estados. Se a China não está comprometida com tanto, bastiões da defesa ambiental não fazem reduções de 30% da emissão de gases de efeito estufa. Fazem 20%, senão perdem competitividade. Nós assumimos a redução voluntária de 36 a 39%. Nós somos um dos poucos países que não tem matriz energética fóssil. Todos eles [países desenvolvidos] têm problemas. Vendem aos países africanos, por exemplo, que é importante ter energia solar. Energia solar é caríssima. Fazer isso num país africano é crime. Vendem porque suas empresas controlam a energia solar ou eólica, quando alguns deles podem perfeitamente explorar a hidroeletricidade”.
Código Florestal
“Acho que nós temos tido sim uma política ambiental. Nós temos de resolver todas as contradições do Código Florestal. (…) Acredito que nós vamos ter de construir uma solução consensual. Não será, adianto pra vocês aqui, o sonho dos ruralistas. Não será também um código ambiental perfeito. Tem ruralista e tem ruralista; como tem pequeno agricultor que tem horror ao Código Florestal. Principalmente no nosso Sul Maravilha. No Sul Maravilha, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde tem o maior número de agricultores familiares, há um movimento forte pra impedir que tenhamos reserva legal em uma pequena propriedade. Vocês sabem disso. Nós vamos ter clareza disso”.
Rio + 20
“Eu considero essencial na Rio + 20 discutir um outro paradigma nos seguintes termos: eu não acredito que dê pra ser dentro do Fórum governamental um outro paradigma anti-capitalista. Não dura cinco segundos. (…) Então vocês discutam os novos paradigmas, se vocês quiserem, anti-capitalistas. Agora, nenhum país fará isso. Nenhum país. Nem-um-único! Porque não pode fazer isso. Não pode porque nós temos uma coisa terrível: todos os governantes temos o compromisso de entregar a coisa amanhã. Não é daqui há 10 anos. O meu governo tem que entregar amanhã, tem que ter eficiência sim. (…) Hoje, quando nós conseguimos constituir uma nova classe média, nós temos obrigação de ser eficiente. E não é tecnocrata, é política”.
É isso…
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;Finalizando, agradeço a atenção de vocês e quero dizer o seguinte: é normal que as visões sejam diferentes. Vocês são movimentos sociais e eu sou governo. Tem que ser assim mesmo, tá certo assim”.
Especial – Fórum Social Temático
Íntegra da fala da presidente Dilma Rousseff em encontro com movimento sociais
Íntegra da fala de João Pedro Stedile, do MST, em reunião no Fórum Social