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Fazenda com escravos é controlada por família de Daniel Dantas

Cinco pessoas, incluindo um adolescente, foram resgatadas em área isolada em condições degradantes. Documento comprova ligação de irmã e ex-cunhado de banqueiro com Agropecuária Santa Bárbara.

A irmã do banqueiro Daniel Dantas, Verônica Dantas, seu ex-cunhado, Carlos Bernardo Torres Rodenburg, e o ex-diretor do Grupo Opportunity, Rodrigo Otávio de Paula, são os responsáveis pela fazenda onde foram libertadas 5 pessoas em situação análoga à de escravos no Pará. Entre os resgatados estava um adolescente de 16 anos que construía cercas manuseando instrumentos cortantes, tarefa que consta na lista de piores formas de trabalho infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A libertação foi realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Rodoviária Federal em fevereiro deste ano. A participação dos três na direção da Agropecuária Santa Bárbara, empresa que administra terras na região, foi confirmada em documento protocolado por advogados do grupo no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, em 28 de março, após exigência da Justiça.

Trabalhadores viviam em barraco dentro da fazenda de 500 mil hectares da família Dantas. Fotos: Divulgação/MTE

O flagrante da exploração dos trabalhadores e das condições degradante a qual eles eram submetidos foi documentado com fotos e depoimentos colhidos na ocasião pelas autoridades. Apesar de concordarem em pagar as indenizações relativas ao dano provocado aos trabalhadores, os advogados e representantes da Santa Bárbara fizeram questão de classificar o pagamento como "a título de liberalidade", recusando-se a receber a denúncia de trabalho escravo e tentando desqualificar o resgate.

Para a coordenadora da fiscalização, a auditora fiscal Márcia Albernaz de Miranda, trata-se de uma estratégia para evitar que o grupo Santa Bárbara entre para o cadastro de empresas flagradas com trabalho escravo, a Lista Suja, e sofra restrições comerciais de compradores que fazem parte do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. A JBS-Friboi, que costuma comprar gado na região, é integrante do acordo de combate ao trabalho escravo e teria que cortar relações com o grupo se este for incluído na relação, por exemplo.

Condições degradantes
"A operação foi filmada e gravada do início ao fim. Não adianta eles quererem dizer que não era trabalho escravo. Os trabalhadores estavam presos àquela situação, não tinham condição de sair de lá, estavam a muitos quilômetros de distância da cidade mais próxima, que é São Félix do Xingu (PA). E, nessa época, com estradas intransitáveis, eles não tinham a menor possibilidade de sair do local", afirma o procurador do Trabalho José Manoel Machado, que participou da fiscalização. "Além disso, estavam submetidos a condições que atentavam contra a dignidade humana. Eles viviam em moradia coletiva, sendo que um dos casais tinha uma criança de dois anos e nove meses exposta a estas mesmas condições. Eram barracos de madeira sem a menor proteção", completa.

Bebê de dois anos vivia na moradia coletiva do grupo e também estava submetido a condições degradantes

A moradia coletiva era constituída de apenas três cômodos, nos quais habitavam dois casais e mais três trabalhadores. As autoridades tiveram o cuidado de incluir entre os resgatados apenas os que efetivamente trabalhavam, e não todos os que habitavam o local. A habitação era feita de madeira retirada da mata virgem sem nenhum tratamento ou vedação, com presença constante de insetos, inclusive peçonhentos. O local não dispunha de instalações sanitárias e a água utilizada pelo grupo era a mesma consumida pelo gado na região.

O adolescente resgatado trabalhava como ajudante de cerqueiro, manuseando instrumentos cortantes, e também auxiliando na entrega de marmitas em frentes de trabalho de moto. Quando foi encontrado pela fiscalização, ele portava uma espingarda calibre 20, que utilizava para se proteger dos animais da região. Segundo as autoridades, em depoimento, um dos resgatados relatou que a administração da fazenda sabia que o adolescente trabalhava, e que, em certa ocasião, ao passar dando um rasante com um avião em uma das áreas em que era levantada uma cerca, um gerente não só viu o rapaz cavando e erguendo toras, como, mais tarde, questionou os demais se "só ele trabalhava". 

Adolescente foi encontrado pela fiscalização andando de moto com uma espingarda calibre 12 nas costas

Com exceção do adolescente, todos os resgatados eram registrados pela empresa. A equipe de fiscalização visitou também outras frentes de trabalho e encontrou problemas, mas não trabalho escravo. Em comunicado, os representantes da Santa Bárbara questionam a denúncia e, como estratégia para desqualificar a libertação, afirmam ter declarações públicas registradas em cartório dos resgatados negando o que foi dito nos depoimentos. 

Barraco não tinha portas ou janelas

O empreendimento
Estima-se que o conjunto de fazendas administrado pela Agropecuária Santa Bárbara na região envolva cerca de 500 mil cabeças de gado espalhadas por cerca de 500 mil hectares, uma área 10 vezes maior do que a de municípios como Porto Alegre (RS), por exemplo*. A pecuária extensiva conta com ampla infraestrutura, incluindo pistas de pouso e postos de gasolina dentro das fazendas. "O empreendimento tem envergadura, dinamismo. A situação que encontramos não era aquela em que o proprietário vive em precariedade tanto quanto os outros trabalhadores. Na sede da fazenda, os administradores e veterinários vivem bem", afirma o procurador José Manoel.

Ele conta que foi difícil mensurar o terreno, bem como identificar os reais proprietários. Tanto o MPT quanto o MTE reclamam da falta de informações precisas sobre o tamanho e o controle da empresa. Ao formalizar a denúncia de trabalho escravo, as autoridades consideraram os três diretores como os possíveis responsáveis, utilizaram como base documentos reunidos no processo aberto pelo Ministério Público Federal referente ao desmatamento de 51 mil hectares de Floresta Amazônica.

 

 
 Água que era utilizada e consumida pelos trabalhadores era a mesma que servia ao gado

A participação do banqueiro Daniel Dantas não é direta no empreendimento e nem clara, mas a Justiça já considerou, anteriormente, sua ligação com as terras. Em julho de 2009, 27 fazendas na região foram confiscadas no processo decorrente da Operação Satiagraha, que resultou no seu indiciamento, de sua irmã Verônica, do diretor Carlos e de mais 9 pessoas. A família obteve decisões favoráveis na Justiça e conseguiu reaver as propriedades. 

A confusão sobre a posse não é de hoje. Segundo denúncia de 2008, o conjunto de fazendas controlado pela Santa Bárbara é formado por áreas que eram públicas e estavam cedidas para a família Mutran para colonização e extrativismo. Elas não poderiam ser vendidas sem autorização do Governo do Pará, que chegou a reclamar sua retomada, mas agora negocia a cessão definitiva. O valor pedido levou a Comissão Pastoral da Terra a denunciar a operação, afirmando que terras públicas estavam sendo vendidas a preço de "banana".

Responsabilização civil e criminal
A exigência de que os responsáveis pela administração da Santa Bárbara fossem identificados foi feita pelo juiz Abeidar dos Santos Soares Júnior após a primeira audiência entre representantes da empresa e o MPT em 22 de março. No documento protocolado em 28 de março, apesar de indicar os diretores responsáveis, os advogados não especificaram quem são os reais proprietários da Agropecuária Santa Bárbara.

 Rasgos na calça de
um dos resgatados

Questionada sobre a posse da fazenda pela Repórter Brasil, a assessoria de imprensa do grupo limitou-se a informar que a Agropecuária Santa Bárbara pertence à "Araucária Participações S/A e Alcobaça Consultoria e Participações Ltda". Sobre quem está por trás dos dois fundos, a assessoria informa apenas que eles "reúnem investidores pessoas físicas e jurídicas", cujos nomes "não estão disponíveis". A assessoria confirma que "acionistas do Opportunity têm participação" e que Carlos Rodenburg é um dos acionistas, além de diretor-presidente.

A confirmação é importante porque, além de serem responsabilizados na esfera administrativa, os culpados pela situação encontrada podem também responder criminalmente. Trabalho escravo é crime previsto no artigo 149 do Código Penal e pode resultar em cadeia, com agravante quando a exploração envolve adolescentes.

O processo criminal depende do Ministério Público Federal que, até o momento, não recebeu os autos relativos ao flagrante. O MTE, que deve fazer a comunicação, diz que isso acontecerá em breve. O processo na Justiça do Trabalho terá andamento em nova audiência marcada para 10 de maio. Na primeira, de acordo com Bruna Bonfante, a procuradora do Trabalho de Marabá, que ficou responsável pelo andamento do processo, os representantes da Santa Bárbara apresentaram 81 laudas de contestação e um calhamaço de documentos, além de tentarem desmerecer de todas as formas o trabalho da equipe móvel.


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13 Comentários

  1. Márcia

    Se possível, gostaria de corrigir meu nome na matéria que é com Z:
    Márcia Albernaz de Miranda. Grata pelo trabalho de repostagem.

  2. Daniel Santini

    Márcia, corrigido. Desculpe pelo equivoco e muito obrigado pelo alerta e pela atenção. Saudações, Santini

  3. Luciana

    Desumano demais.Pervrso, cruel, criminoso, revoltante. A democracia que convive com trabalho escravo. Os escravocratas continuam felizes e poderosos.

  4. Edivelton Tadeu Mendes

    Neste Brasil modernoso, o que mais propera é a industria do crime, mas o Judiciário, faz mole ou seja nada sabe.Será?

  5. Antonio gomes

    Agora todos sabem como é que essa gente fica rica. O rio quer está na foto, também está degradado. Onde está a mata ciliar, chamem o IBAMA. Esse é o Brasil dos poderosos. Espero que o Ministério Público do Trabalho aja com rigor.

  6. Francisco Tadeu

    Esse Banqueiro Sr. Dantas(proprietário)da fazenda, junto com a sua irmã, não é o mesmo que a pouco tempo atrás, mantinha negócios com certos políticos de Brasília? Espero que o (PSDB) e muito menos o (PT) não mantenham algum tipo de negócios, com esse cidadão e seu grupo. Há! só uma pergunta o Dr. Tomás Bastos não tem esse cidadão(Sr. Dantas) como cliente?

    Francisco Tadeu – Avaré – São Paulo.

  7. cleomar luiz

    Crime contra a humanidade e contra a natureza. O rio está com sua mata ciliar completamente devastada. A erosão acabando como barranco.

  8. Ana Lúcia

    Essa gente me deixa nauseada… E o que me deixa louca de raiva é saber que eles jamais serão presos!!

  9. Claudio Marcelo Cunha da Silva

    Quanta burrice, uma pessoa tão rica comete uma barbaridade dessa… não dar valor a mão de obra que tanto o ajuda… Deus da assas a quem não sabe voar!!!

  10. Marcos

    Não é só a fazenda que eles controlam!!controlam, políticos, agentes florestais, Juizes, policiais… e nunca serão punidos. Mas, um governo que tem um ministro que diz que "o aumento na verbas para educação pode quebrar o estado", fica dificil se mudar alguma coisa, posto que, a educação de qualidade, é a única forma de transformar esse país.

  11. Paulo Sendos

    O ministério do Trabalho joga prá platéia, já que sua atuação é pífia, nesta área. Sua atuação eficaz e na fiscalização do FGTS. É um ministério dominado por sindicalistas e politicos corruptos mais funcionários coniventes e incompetentes.

  12. jose eder correa

    estive no para conversei com pessoas que moram proximo ao grupo de fazenda
    destes senhores,e fui informado que na verdade o legitimo proprietario de quase
    todas fazendas daquela regiao,sao do snr.lulinha filho do ex.presidente lula,que ate
    um dia desses era metalurgico.da lhe PT……………..

  13. Henrique Macedo

    Por que no Brasil quem pratica este tipo de escravidão .ou até usa terras para plantação de drogas ou rota de trafico ou armas,não perdem o direito de propiredade, assim como aquele que não paga seus impostos não paga o governo fecha confisca.

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