TRABALHO URBANO DEGRADANTE, 1º PAINEL DO CONGRESSO, DESPERTA GRANDE INTERESSE DO PÚBLICO

 28/06/2012

"Aspectos do Trabalho Urbano Degradante", título do primeiro painel do 12º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15ª, foi aberto pelo ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, impactando de cara o público de quase mil pessoas que lotou o auditório do Royal Palm Plaza Resort Campinas. O ministro enfatizou o caráter "amplo e contemporâneo" do tema e "sua importância, exigindo a atenção do Poder Público, da academia e da sociedade civil em geral".

O primeiro convidado a palestrar, Luís Alexandre de Faria, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego e coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo Urbano da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, apresentou um painel histórico recente do trabalho degradante, análogo ao escravo, desde quando se começou a falar sobre o assunto, em 1975, com a Comissão Pastoral da Terra, passando pelo caso emblemático de José Pereira, em 1985, e a criação dos Grupos Especiais Móveis pelo Ministério do Trabalho, sediados em Brasília, com atuação em todo o território brasileiro no combate aos casos de trabalho degradante e escravo. Em 2011, com a publicação da Instrução Normativa 91/2011, consolidaram-se as práticas dos Grupos Especiais Móveis, especialmente na responsabilização das empresas e na proteção dos trabalhadores.

O caso de José Pereira, segundo o palestrante, um trabalhador rural que fugiu da fazenda onde trabalhava por sofrer maus-tratos e que quase perdeu a vida numa emboscada preparada por seu empregador, correu mundo e despertou a atenção da Organização dos Estados Americanos (OEA). A partir desse fato, segundo Faria, o Brasil foi denunciado como um país onde ainda se praticava o trabalho escravo. Com a criação dos Grupos Especiais Móveis, a inspeção do trabalho, feita por membros do MPT, da Polícia Federal e de outros representantes do Poder Público, todos voluntários, o combate ao trabalho escravo ganhou mais efetividade.

Se no início os Grupos Especiais Móveis enfrentavam muita interferência política no exercício de suas atividades, hoje, a atuação desses grupos está mais consolidada. Os 44 mil trabalhadores resgatados das condições subumanas em que se encontravam, desde 1995, quando os grupos começaram seu trabalho, comprovam e reforçam a importância de uma mudança de cultura social e jurídica no combate da escravidão e do trabalho degradante no País.

O palestrante Luís Alexandre de Faria ressaltou que, em linhas gerais, o trabalho degradante é todo aquele cuja jornada é exaustiva e que impede, basicamente, "a recomposição das forças físicas do trabalhador e, também, a possibilidade de vida em sociedade". Mas salientou que não basta incluir numa "lista negra" as empresas que se valem conscientemente ou não do trabalho degradante. Segundo Faria, a prática do nomear e envergonhar, baseada no "name and shame", é apenas uma das medidas visadas pelos grupos especiais, e que revelam à sociedade (e nesse aspecto a imprensa desempenha papel fundamental) quem é quem na exploração do trabalho escravo.

As medidas
Além da lista suja, em que são incluídas as empresas que exploram o serviço degradante, o palestrante destacou outras quatro medidas perseguidas pelos Grupos Especiais Móveis.

A primeira delas é o resgate ou eliminação imediata das condições degradantes. Faria lembrou que nem sempre é possível simplesmente eliminar as condições degradantes. Muitas vezes, o saneamento do meio ambiente de trabalho é feito de modo que se evite ao máximo o "trauma do trabalhador". Faria ressaltou que, muitas vezes, esses trabalhadores, muitos estrangeiros traficados e vivendo irregularmente no país, desconhecem as leis locais e acreditam que, para manter o emprego, devem se sujeitar às condições degradantes de trabalho.

A atuação dos grupos, depois do primeiro impacto do "estouro do cativeiro", visa à proteção do trabalhador. Nesse momento, passa-se para a segunda medida, que é a terminação da atividade laboral, o que implica, muitas vezes, a rescisão do contrato de trabalho na modalidade indireta, com a assinatura da carteira de trabalho, o cálculo salários e verbas e regularização, dentro do possível, das condições do trabalho. Faria afirmou que nesses casos, "a questão de soberania nacional não é o mais importante", e não se cogita de se confirmar se o trabalhador se encontra legalmente no País ou se tem visto para trabalhar.

A terceira medida é o trabalho em rede. Nesse aspecto, o palestrante lembrou que, no estado de São Paulo, onde ele atua, é fundamental a participação da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo, do MPT da 15ª e até da Receita Federal. Com isso, é possível monitorar, antes mesmo de a denúncia aparecer, as atividades da construção civil e de vestuário, onde mais se registram casos de trabalho degradante e exploração de mão de obra escrava. Faria ressaltou que a denúncia "só ocorre quando o trabalhador não tem mais força para aguentar".

A quarta medida diz respeito às sanções administrativas, e para isso, a Justiça do Trabalho representa "uma importante retaguarda", afirmou Faria.

Histórias verdadeiras e degradantes

Na segunda parte de sua exposição, Luís Alexandre de Faria apresentou e comentou diversos vídeos e fotos feitos pelos Grupos Especiais Móveis, em que diversas empresas foram flagradas na prática de incentivadora direta ou indiretamente do trabalho degradante. Dentre essas, Faria mostrou o caso da All Logística, que manteve num trecho da Mata Atlântica, 50 trabalhadores em condições degradantes, sem comida, alguns até doentes. Outro caso relatado por Faria foi o das Pernambucanas, que apesar de ela negar que confeccionasse roupas, comprovou-se que a empresa mantinha pelo menos 17 usinas de costura que produziram num determinado período 141 mil peças para a marca Wrangler, sem contar com um único empregado contratado.

Outro caso emblemático no combate ao trabalho degradante, segundo Faria, foi o da rede de lojas Marisa, que uma vez denunciada, apesar de ainda negar na Justiça seu envolvimento com o trabalho degradante, revolucionou suas práticas contratuais e se tornou exemplo no País, retirando dois mil trabalhadores "dos subterrâneos" do trabalho degradante.

Por último, Faria lembrou o caso "Zara", em que ficou comprovado que o fluxo de ordens de trabalho vinham diretamente da Espanha, atingindo até as camadas mais inferiores da produção, nas unidades de costura.

Um olhar filosófico

A segunda parte da palestra, apresentada pelo professor Alysson Leandro Barbate Mascaro, traçou um panorama jurídico e filosófico do trabalho degradante no
Brasil. Segundo Barbate, "o tema trabalho degradante ainda está sendo construído no direito do trabalho do Brasil e do mundo", e "o problema não se esgota apenas num país".

O palestrante ressaltou que a cultura do direito do trabalho e de seus profissionais deve desvendar quais são as fronteiras da ordem jurídica, e que o tema requer a sensibilização dos juízes, uma vez que o trabalho degradante é um espaço ainda não sedimentado na legislação.

Uma segunda razão para se tratar o assunto, segundo Barbate, "é a questão social de alta tragédia" que representa o trabalho degradante, o que para o palestrante significa "uma involução das relações de trabalho no mundo". O professor, que também é mestre e doutor em Direito Político e Econômico, salientou que no mundo dos países desenvolvidos, os trabalhadores vêm perdendo cada vez mais os seus direitos do trabalho. Barbate afirmou que há uns 15 anos, o cântico do neoliberalismo anunciava o fim do direito do trabalho no país, e que as relações de trabalho nada mais seriam do que meras relações civis de contrato. "O fato é que a relação de trabalho é desigual, e essa especificidade é a sua razão de ser", afirmou Barbate. Para o professor, o Brasil tem resistido.

Confira matéria no link http://www.trt15.jus.br/noticias/noticias/not_20120628_02.html

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