Sindicatos de trabalhadores rurais e o Ministério Público do Trabalho (MPT) contestam na Justiça o fato de usinas sucroalcooleiras não pagarem horas-extras de deslocamento (horas in itinere) a mais de 25 mil empregados no Mato Grosso do Sul. A prática estabelecida no estado levou a abertura de uma Ação Civil Pública contra a associação de empresas do setor. De início, o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT-24) decidiu em favor dos usineiros, mas o MPT pretende recorrer. Ao mesmo tempo que a disputa na Justiça prossegue, representantes das empresas e lideranças sindicais se reúnem nesta semana para discutir a questão, tendo como base também ações judiciais.
De acordo com cálculos da Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região (PRT-24) baseados em consulta aos trabalhadores, o percurso para ir e voltar do serviço leva em média 2h45 diários. Para o procurador Paulo Douglas Almeida de Morais, esse problema não é apenas de ordem econômica, mas também social porque é um direito aviltado. "Esse tempo de percurso, que não é remunerado, acaba alijando do trabalhador, por exemplo, o convívio familiar e a possibilidade de estudar. Bom lembrar que estamos falando de 25 mil famílias”, pondera o membro do MPT, em entrevista à Repórter Brasil.
No salário de uma pessoa que recebe R$ 800,00, essa quantia não-paga representa um déficit de R$ 422,18 mensais, conforme as contas do MPT. A soma do não-recebimento dessas horas-extras resulta em uma quantia de mais R$ 350 milhões anuais que os empregados da região deixam de receber. A atividade sucroalcooleira é uma das que mais recebe financiamentos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), coordenado por Brasília (DF).
R$ 350 milhões |
em direitos trabalhistas |
R$ 714 milhões |
é o que o Governo Federal destinou para o setor em todo o Brasil só em 2011 |
R$ 8,75 bilhões |
o BNDES pretende destinar às usinas nos próximos quatro anos |
Até o ano de 2010, as empresas do ramo acumularam um total de R$ 1,046 bilhões. Este é o valor investido pelo Executivo federal, por meio do PAC, na ampliação e implantação de usinas produtoras de álcool e açúcar não só no Mato Grosso do Sul, mas em todo o país.
Só no ano passado, os investimentos chegaram à quantia de R$ 714 milhões. Além dos recursos do PAC, em 2011, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou financiamento, dividido em quatro anos, de R$ 35 bilhões ao setor.
Ao fundo, usina que produz álcool a partir da cana no Mato Grosso do Sul (Foto: Verena Glass) |
“As usinas têm dificuldade de calcular o tempo in itinere porque cada usina tem um valor de hora, devido à localização”, argumenta Paulo Aurélio, gerente da Associação dos Produtores de Bioenergia do Mato Grosso do Sul (Biosul-MS). Ele defende que apenas 13% dos funcionários do setor, os que trabalham na área rural, têm direito ao pagamento do tempo in itinere, mas aponta como um empecilho para o cálculo o fato de eles não terem ponto fixo de trabalho e executarem uma tarefa itinerante. Como o corte e a colheita da cana se dão em diferentes áreas, o cálculo do valor por cada dia de expediente é impossível de ser feito, defende o representante das empresas.
Ele diz ainda que os outros 87% dos empregados do setor, os que trabalham na área industrial, não têm direito às horas-extras relativas ao deslocamento por terem pontos de trabalho fixo. “Se a empresa pagar todo o tempo in itinere, vai ter que retirar os benefícios que dá”, afirma o gerente, referindo-se à permuta que as usinas do estado fazem com os trabalhadores. Na prática, as usinas negociam o tempo in itinere em troca de vale-transporte, plano de saúde, seguro de vida ou outros benefícios.
Essa diferenciação de duas categorias (rurais e industriários) feitas pelos usineiros do estado é contestada pelos sindicatos. As empresas consideram que existem dois tipos de mão-de-obra e, portanto, diferentes obrigações trabalhistas e unidades sindicais. “O pagamento integral das horas in itinere é unânime em toda a categoria da área agrícola. Estamos até entrando com uma ação [na Justiça] para mudar essa representação, que só acontece no setor sucroalcooleiro”, coloca Marisa Lima, advogada da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Mato Grosso do Sul (Fetagri-MS).
“A lei determina que o setor sucroalcooleiro pague as horas in itinere, tanto que a própria 4ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-24) pediu uma assembleia somente para tratar essa questão com muitos trabalhadores que não sabiam desse direito”, continua Marisa. Ela cita ainda a Lei 4.870/1965, que regulamenta a produção de cana-de-açúcar no Brasil e tem um capítulo específico indicando as obrigações dos produtores com a assistência social aos empregados do setor, sejam industriários ou rurais.
Trator recolhe colheita de plantação de cana-de-açúcar em fazenda no Estado (Foto: Verena Glass) |
Disputa de jurisdição
“Pela legislação, as empresas do ramo têm obrigação de aplicar um percentual do faturamento em medidas de assistência social a qualquer trabalhador sucroalcooleiro”, explica, de um lado, Paulo Douglas. A lei estabelece, entre outros compromissos, a “assistência médica, hospitalar e farmacêutica”. “Isso obriga as usinas do setor a, por exemplo, fornecerem obrigatoriamente o Plano de Saúde. Então, esses benefícios não retiram o pagamento das horas in itinere”, acrescenta o procurador do trabalho.
De outro, o gerente da Biosul-MS, Paulo Aurélio, declara que a aplicação dessa lei ainda é incerta, porque segue em questionamento na Justiça. “Em alguns casos, as empresas alegaram um conflito de competência no caso, se era de cunho econômico ou trabalhista, já que as usinas eram obrigadas a pagar os benefícios quando o preço da produção ainda era tabelado pelo governo federal. Aqui no Mato Grosso do Sul, o procurador entendeu que isso era uma questão de obrigação trabalhista”, comenta. Em julho de 2011, o MPT entrou com uma Ação Civil Pública no TRT-MS denunciando o não-pagamento das horas in itinere. O processo tramitou durante um ano na Justiça do Trabalho até, contudo, ser “extinto por ausência das condições da ação” no começo desse mês. O MPT pretende recorrer da decisão.
Um dos responsáveis pelo documento que colocou como ré a Biosul-MS, Paulo Douglas sustenta que todas as usinas do Estado apresentam o problema, ou seja, não computam a jornada in itinere. De acordo com ele, não caberia abrir, portanto, uma nova ação para cada empresa instalada no Estado. "A 4ª Vara do Trabalho de Campo Grande [capital do Mato Grosso do Sul] extinguiu a ação por entender que o sindicato patronal não poderia responder pelas obrigações devidas pelas usinas por ele representadas. O MPT discorda deste entendimento e preparará o recurso necessário”.
Além disso, pelo menos 15 sindicatos de trabalhadores rurais (STRs) locais que atuam no Estado entraram com Ações Civis Coletivas na Justiça contra as usinas sul-mato-grossenses para conseguir o pagamento integral das horas-extras. Uma nova rodada de negociação entre os empregados e as empresas da categoria está marcada para esta semana. O TRT-MS, portanto, está na iminência de decidir sobre vários dissídios coletivos —alguns em que o processo já se estende há mais de nove meses.
Parte desses casos pode servir de jurisprudência para decidir sobre horas in itinere em todo o Mato Grosso do Sul. A possibilidade de novas decisões da Justiça que favoreçam as empresas sucroalcooleiras preocupa o MPT. “Na prática, caso o Tribunal decida assim, será perpetuada essa violação de direitos dos trabalhadores”, avalia o procurador do trabalho.
Máquina separa e processa bagaço de cana durante a colheita da produção (Foto: Verena Glass) |
Registro in itinere
Apesar dessa incerteza jurídica, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) estabelece algumas normas para o cálculo do tempo in itinere. A Portaria 1.510 do MTE trata da questão, enquanto a nota técnica nº304/2010 da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) complementa o tema. O registro das horas-extras, que a Biosul-MS aponta como dificuldade, poderia, então, acontecer através de um Registrador Eletrônico de Ponto (REP) móvel — uma espécie de catraca que seria afixada na entrada dos veículos de transporte fornecidos pelas usinas aos empregados e registraria o tempo de deslocamento deles até o local de trabalho e de lá de volta para casa.
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REP que calcula tempo de viagem (Foto: PlayPress Ass. de Imp./Flickr) |
“Ainda existe dúvidas quanto ao uso do equipamento. E, enquanto existir dúvidas, as usinas vão continuar negociando [a permuta das horas por benefícios]. Não fazemos nada que a lei não determina e, enquanto a gente puder negociar, vamos continuar negociando”, responde Paulo Aurélio à Repórter Brasil sobre o uso do REP móvel. “Se a gente já negociou as horas in itinere, como é que vamos calcular esse tempo?”, completa.
“Nenhuma das usinas faz o pagamento integral das horas in itinere. Nas negociações, demonstramos aquilo que é de direito das usinas e aquilo que é de direito dos trabalhadores”, diz Marisa, da Fetagri-MS. Ela aponta também que muitas empresas estão dificultando a ação dos sindicatos de trabalhadores porque estão tentando firmar com cada empregado individualmente uma decisão que deveria ser da classe inteira. “As usinas querem fechar acordos na base, mas aí nós [do sindicato] perdemos força na Justiça”.
A advogada da federação de trabalhadores assinala que as usinas de cana-de-açúcar pretendem, com isso, enfraquecer a representação sindical perante o TRT-24, de modo a induzir a Justiça a priorizar a decisão individual de cada trabalhador contra a decisão coletiva da classe. “Para ser uma decisão da categoria, tem que ser uma decisão tomada em assembleia. Você precisa consultar os trabalhadores que você representa”, coloca.
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Qual a consequência de elevar cada vez mais os gastos com os trabalhadores? Que os reajustes sejam repassados para o consumidor final! Ou seja cada vez ganha-se mais, porem o poder de gasto continua o mesmo. Ganha-se mais e gasta-se ainda mais!!! Ou vão me dizer que não tem saudade do álcool a 0,99 o litro…
Estes empresários do agronegócio, gostam muito de empréstimos do governo – dinheiro do PAC, que é dinheiro do trabalhador -, mas, detestam pagar suas obrigações trabalhistas. Esse é o Brasil das commodities, que mantem crescimento do PIB, devastando florestas, produzindo trabalho escravo, não pagando obrigações trabalhistas, inriquecendo empresários rurais e produzindo miséria no campo. Motivo que leva o trabalhador a ir para as cidades viver em favelas.
Já que a empresa sucoalcooleira não pode paqar os trabalhadores,o governo federal suspende o financiamento que lhe é concedido pelo pac.O justo pelo justo,igualdade de direitos e deveres….