Justiça decreta falência da Alcopan após MPT denunciar trabalho escravo

 27/08/2012

A Justiça acatou pedido do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso e do Ministério Público Estadual e decretou, na última quinta-feira, 23/08, a falência da empresa Álcool do Pantanal Ltda. (Alcopan) e de todas aquelas que compõem o denominado Grupo Zulli. As empresas estavam em recuperação judicial desde 16/01/2009, quando foi deferido, pelo Juízo da 4ª Vara Cível de Várzea Grande, o processamento do pedido.
 
Atendendo ao requerimento dos MPs, a juíza de Direito Anglizey Solivan de Oliveira, que proferiu a decisão, também autorizou o levantamento da importância de R$ 687.185,20 para pagamento dos salários atrasados dos trabalhadores resgatados na usina Alcopan, em julho deste ano. “Com a manifestação formulada em conjunto pelo Ministério Público do Trabalho e Ministério Público do Estado de Mato Grosso, cai por terra qualquer dúvida acerca do fato de que as Recuperandas encontram-se em evidente situação falimentar”, frisou.
 
Para o procurador do Trabalho Rafael Garcia Rodrigues, subscritor da petição que pediu a falência do Grupo Zulli, a decisão é histórica no país e uma relevante conquista na luta contra o trabalho escravo. “Representa a forma combativa com que o Ministério Público do Trabalho vai enfrentar as práticas ilícitas dos maus empregadores que insistem em utilizar a Lei de Recuperação Judicial como salvo-conduto para o não cumprimento da legislação trabalhista e para a supressão das garantias constitucionais dos trabalhadores”.
 
Leia sobre a fiscalização empreendida pelo MPT que flagrou em julho mais de 20 trabalhadores em condições análogas à de escravo na unidade da empresa situada próxima à cidade de Poconé.
 
No total, 139 empregados estavam com salários atrasados. Segundo a juíza Anglizey Solivan, o fundamento para deferimento do pedido foi o mesmo que já havia sustentado liberações anteriores de valores para semelhante fim, em razão da conduta ilegal reiterada da empresa.
 
“Não há dúvidas de que o salário é a contraprestação devida pelo empregador em função do serviço prestado pelo empregado, sendo este o preço da força de trabalho que o empregado coloca à disposição do empregador, por meio do contrato de trabalho. É evidente, portanto, que o trabalhador, no momento da sua contratação, objetiva o recebimento da contraprestação do empregador, isto é, o recebimento dos salários compatíveis com a sua função, pouco importando a situação financeira da empresa, ou seja, se está ou não em recuperação judicial”, explicou.
 
A magistrada ainda citou o princípio da dignidade da pessoa humana, erigido a fundamento da República Federativa do Brasil, e que norteia a proteção ao salário em razão de sua natureza alimentar e de subsistência. “Não se pode olvidar que o direito ao salário assegura ao trabalhador outros direitos dele decorrentes, como o direito à alimentação, à saúde, moradia, lazer, dentre outros, cuja omissão contraria frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, é inadmissível qualquer justificativa para o descumprimento de obrigação fundamental de uma empresa, consistente no pagamento de trabalhadores responsáveis pela manutenção de suas atividades produtivas, atitude totalmente contrária à função social”.
 
No que tange à declaração da falência, a magistrada afirmou que, além do histórico atípico do processo, que já se arrasta há mais de três anos, pesou na decisão a situação a que os trabalhadores estavam sendo submetidos e que foi denunciada pelo MPT. “Muito embora o decreto de falência seja medida excepcional, certo é que a falta de pagamento das verbas trabalhistas revela não só a inviabilidade das Recuperandas, como também contraria os princípios norteadores do instituto da Recuperação Judicial”. E complementou: “Além, é claro, de se mostrar imoral, ante a condição subumana que vinha infligindo aos trabalhadores”.

Contraponto
Contrapondo a alegação feita pela empresa de que não dispunha de numerário para quitação de suas obrigações trabalhistas, em razão de seus bens e valores estarem bloqueados por ordem judicial, a juíza esclareceu: “Nem há que se falar que o não pagamento das verbas salariais deve-se à falta de acesso a valores existentes em conta vinculada a este processo, conforme vem declarando abertamente na mídia o procurador das Recuperandas, para justificar a inadimplência das mesmas, que, com isso, vêm sujeitando os trabalhadores à condição de miserabilidade”.
 
Para ela, a venda de produtos oriundos da atividade exercida pelas Recuperandas, mesmo que de modo irregular, deveria bastar, ao menos, para o cumprimento de obrigações essenciais e extraconcursais. “Este Juízo não pode ser conivente com tal comportamento das Recuperandas que, para mascararem sua situação falimentar, se furtam ao cumprimento de obrigações essenciais e atuais, sob a justificativa de existência de valores bloqueados. Tal situação revela o despreparo e total inaptidão para gerir seus negócios e as torna, portanto, inviáveis”, ressaltou.
 
Manobras
Em razão da aparente viabilidade econômica das empresas, requisito para que pudessem se valer do instituto da recuperação judicial de que trata a Lei 11.101, foi deferido, há mais de três anos, o pedido formulado pelo Grupo Zulli. Nesse período, foram convocadas oito Assembleias Gerais de Credores (AGC), quase todas suspensas em razão de divergências relativas ao peso dos votos de alguns credores, em especial o do Banco do Brasil, e ao Plano de Recuperação Judicial apresentado pelas Recuperandas.
 
Em 05/03/2010, ocorreu a homologação do Plano de Recuperação Judicial. No entanto, contra a decisão foram opostos recursos por alguns credores e pelo Ministério Público. No julgamento dos recursos, ocorrido em meados de novembro/2010, foi determinada a anulação da AGC que aprovou o plano, bem como a reforma da decisão judicial, de modo que fosse realizada nova assembleia para este fim somente após o julgamento de todas as impugnações.
 
Desta forma, os autos da Recuperação Judicial permaneceram paralisados até o julgamento de todas as impugnações, incluindo aquelas propostas pelo maior credor, Banco do Brasil S/A. Somente em 19/09/2011, faltando apenas o julgamento de duas impugnações para a consolida&cce
dil;ão do quadro-geral de credores, é que foram convocadas novas AGCs para 20/10/2011 e 27/10/2011. Estas assembleias também foram suspensas e, ainda, houve renúncia do então Administrador Judicial.
 
A última AGC realizada em 08/05/2012 também se deu de forma conturbada, com a juíza optando por aceitar a vontade da maioria dos credores, fixando o dia 19/06/2012 para realização de nova assembleia, e o dia 28/08/2012 como data improrrogável para votação de plano alternativo. Entretanto, em virtude de liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, elas foram novamente canceladas.
 
Segundo o relato da decisão, foi possível perceber que as empresas assumiram posturas evidentemente protelatórias no curso do processo, sempre conduzindo as assembleias para sucessivas suspensões ao apresentarem propostas inconsistentes e/ou inexequíveis. “Revelou-se que a atitude de comparecer às várias assembleias designadas sem um plano sólido, não se constituía em mera estratégia utilizada para soerguimento das sociedades empresárias, e sim em manobras feitas com o propósito escuso de mascarar sua situação falimentar e eternizar suas dívidas”, afirmou a juíza.
 
Recuperandas buscaram se beneficiar
Não é a primeira vez que o Juízo da 4ª Vara Cível defere pedido de liberação de valores para pagamento de obrigações trabalhistas contraídas pela Alcopan após o processamento da Recuperação Judicial. Ainda em 10/09/2009, e, portanto, antes da realização da primeira Assembleia Geral de Credores, foi liberada a importância de R$ 443.409,99 em favor das Recuperandas. A quantia deveria ser utilizada, primeiramente, para o pagamento dos salários/encargos trabalhistas em atraso, e, o remanescente, nas atividades de produção da safra 2009/2010.
 
Dezenove dias depois, houve mais uma autorização para levantamento de valores. Desta vez, o montante foi de R$ 1.234.000,00, a ser utilizado, exclusivamente, na atividade produtiva e no pagamento dos salários dos trabalhadores.
 
Em 2011, nos meses de janeiro e fevereiro, quando já se questionava a viabilidade econômica das empresas, diante da notícia de que não vinham cumprindo com suas obrigações trabalhistas, e após manifestação de trabalhadores em frente ao Fórum da Comarca de Várzea Grande, foi autorizado levantamento de valores para quitação das verbas trabalhistas vencidas desde outubro de 2010.
 
De acordo com a decisão judicial, tais fatos evidenciaram que, mesmo em menor escala, as Recuperandas deram continuidade às atividades de produção e colheita de cana-de-açúcar e, certamente, venda de produtos, uma vez que estavam contratando pessoas para trabalhar na usina. “Isso demonstra que as empresas buscaram ser beneficiadas com a suspensão indefinida das obrigações, bem como com liberações de valores para cumprimento de obrigações trabalhistas contraídas após o processamento da Recuperação Judicial e, portanto, extraconcursais, implicando na redução do ativo em prejuízo aos credores”, relatou a juíza.
 
Outras medidas
Com a publicação da decisão, o Administrador Judicial deverá, entre outras medidas, proceder à imediata arrecadação e avaliação dos bens, separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem, para realização do ativo.

Ante as irregularidades denunciadas pelos MPs, também foi proibida a continuidade das atividades provisórias das empresas e determinada a lacração de todos os locais e bens do Grupo.

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