Trabalho Infantil

Adolescente sofre tentativa de homicídio após cobrar salário do patrão

Rapaz de 15 anos trabalhou em atividade de risco, não recebeu pagamento e ainda sofreu agressão e ameaças de fazendeiro em Xinguara (PA)
Por Bianca Pyl
 13/09/2012

Além de trabalhar em atividade irregular e de não receber o pagamento combinado, o adolescente Roberto*, de 15 anos, sofreu uma tentativa de homicídio em Xinguara (PA) depois de cobrar o patrão. Roberto ainda recebe ameaças e não tem proteção nenhuma do Estado.

O adolescente trabalhou por um mês na propriedade do fazendeiro José Ferreira, conhecido na região como "Zé Mucura", com aplicação de agrotóxicos – atividade proibida para pessoas com menos de 18 anos e incluída na Lista de Piores Formas de Trabalho Infantil, oficializada por decreto presidencial assinado em 2008. Pessoas com menos de 16 anos, de acordo com a legislação brasileira, Roberto só poderia trabalhar como aprendiz, sob uma série de condições.

Roberto se apresentou para receber o pagamento combinado – R$ 3 por bomba de herbicida aplicado, ao final de 30 dias –, mas ouviu do proprietário que só receberia depois de uma semana. Ao cobrar o pagamento na semana seguinte, ele ouviu de José Ferreira que não receberia nada e que "levaria uma coça" se voltasse a falar no assunto.

Roberto, que estava alojado na propriedade, decidiu ir embora. No caminho de volta para casa, dois homens o agrediram com socos e chutes e o colocaram à força em uma caminhote. "Eles disseram que iam me matar e, pela conversa, eles eram da fazenda", contou o adolescente à Repórter Brasil.

Roberto conseguiu escapar porque pulou da caminhonete e foi socorrido por um motorista que passava pela Rodovia BR-155. Ele foi levado ao hospital da cidade, onde ficou internado por uma semana, e depois procurou a Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Xinguara para denunciar o ocorrido.

O Conselho Tutelar do município de Xinguara (PA) também entrou no caso. "Nós acompanhamos a vítima até a delegacia para registrar um Boletim de Ocorrência. Os políciais chegaram a fazer uma vistoria na fazenda, mas não encontraram o dono", disse a conselheira Maria de Jesus Borges da Silva. 

Trabalho “desde novinho”

Por telefone, Roberto contou à Repórter Brasil que trabalha “desde novinho" e que não se lembra de quando usou uma enxada pela primeira vez. Ele estudou só até a 4ª série do ensino fundamental e é o caçula de quatro irmãos, que vivem todos com a mãe.

O jovem soube do trabalho na propriedade de José Ferreira por meio de um colega e foi sozinho até a fazenda, de bicicleta – percurso que dura aproximadamente duas horas. "Tinha o serviço, eu fui lá e comecei a trabalhar", contou.

Por conta da distância, Roberto ficava alojado na fazenda. Ele trabalhava das 7h às 18h e dormia na casa do vaqueiro. "Era uma casa boa. A comida também era boa, só a água que era ruim. Mas eu não tinha problema lá, podia sair se quisesse”, disse Roberto. O dono da fazenda, segundo ele, estava sempre por lá.

Ameaças

A agressão ocorreu em julho, mas o rapaz recebe ameaças até hoje, de acordo com a CPT. Desde que deixou o hospital, dois homens de moto e capacete rondam a casa de Roberto, segundo Nilson José de Souto Júnior, advogado da CPT. "Os homens chegam a ficar horas em frente à sua casa", confirma um relatório da comissão.

O adolescente relatou já ter ouvido um dos homens da moto dizendo "é aqui que mora aquele vagabundo, mais tarde voltamos para pegar ele". Acompanhado do advogado da CPT, Roberto registrou novo B.O na polícia.

Roberto também foi encaminhado para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) para receber atendimento psicológico. Ele também poderá ser incluído no Programa para Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do governo federal.

O Conselho Tutelar do município de Xinguara (PA) encaminhou um ofício para o Ministério Público Estadual (MPE) com um pedido de proteção ao jovem. A Repórter Brasil entrou em contato com o MPE, mas até o fechamento da reportagem não conseguiu um retorno sobre as providências tomadas em relação ao caso.

*nome fictício para proteger a identidade da vítima.

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