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No Tapajós, complexo de hidrelétricas ameaça indígenas e ribeirinhos

Depois de Belo Monte, Governo Federal concentra esforços para licenciar cinco usinas na Amazônia, plano que deve afetar área rica em biodiversidade

Itaituba (PA) – Após a Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, o próximo megaprojeto de engenharia do Governo Federal na Amazônia é o Complexo Tapajós, um conjunto de cinco usinas hidrelétricas que, se concretizado, deve alterar completamente a bacia do Rio Tapajós, afetando pelo menos 1.979 quilômetros quadrados (197.200 hectares), uma área maior do que a da cidade de São Paulo. Alguns dos trechos que devem ser alagados não só concentram populações ribeirinhas e indígenas como também são ricos em biodiversidade e belezas naturais. O impacto estimado é o que vem sendo divulgado pelas Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás), empresa de capital aberto controlada pelo Governo que está à frente do projeto. Mas pode ser maior, considerando o delicado equilíbrio de cheias nos regimes de seca e chuva que predominam na região norte do Brasil.


Trecho do Rio Tapajós que deve ser alagado. Fotos: Marcelo Assumpção /Cicloamazônia

A Repórter Brasil* percorreu de ponta a ponta o Parque Nacional da Amazônia, unidade de conservação que pode afundar se os planos do governo forem levados adiante, navegou por trechos em que o Rio Tapajós deve ser alterado e visitou os municípios de Jacareacanga, Itaituba e Santarém, onde moradores locais têm manifestado receio em relação às mudanças em curso. A principal usina prevista no complexo é a de São Luiz do Tapajós, barragem planejada entre os municípios de Jacareacanga e Itaituba, que por si só, deve alagar 722,25 quilômetros quadrados. É mais do que os 510 quilômetros quadrados de área alagada pela Usina de Belo Monte. Se concluída, São Luiz do Tapajós terá capacidade, segundo a Eletrobrás, de gerar 6.133 megawatts (MW), tornando-se a quarta principal usina do país, atrás apenas de Itaipu, Belo Monte e Tucuruí.


Biodiversidade no Parque Nacional da Amazônia

Perto da base escolhida para a instalação da barragem, existe um fluxo constante de pescadores, ribeirinhos e famílias inteiras de índios Mundurukus subindo e descendo o rio em barcos de rabeta, de motor de popa e em rápidas voadeiras, muitos protegidos do sol forte com sombrinhas e chapéu de palha. A água do Tapajós é transparente, bastante diferente do marrom barroso da maioria dos rios da Amazônia, e sua cor varia entre verde claro e azul. É possível ver os peixes de longe e as garças voam atentas, arriscando mergulhos de tempos em tempos. Nas margens, além de faixas continuas de floresta preservada, é possível avistar centenas de praias de areia clara fininha, intercaladas por pequenas aldeias e vilarejos espalhados. Dá para ouvir gritos de animais e cantos de pássaros constantemente.

Dentro do Parque Nacional da Amazônia, é fácil ver macacos, antas, cotias e onças no trecho em que é cortado pela Rodovia Transamazônica, a BR-230. A própria estrada pode ficar embaixo d´água se os planos do governo forem seguidos. Nos igarapés que cortam a mata, é possível avistar jacarés. O impacto estimado da usina seria tamanho que, em julho, a chefe da unidade administrada pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), fez críticas públicas ao projeto em entrevista ao jornal Valor, lembrando que foram catalogadas na região centenas de espécies de aves, peixes e animais em extinção. 


Borboletas no trecho da Transamazônica que deve ficar debaixo d´água

Mobilização
Não só nas áreas que devem ser alagadas o clima é de preocupação. Em diversos outros pontos do rio é fácil encontrar ribeirinhos inquietos. “Nós estamos abaixo de onde deve ser a barragem, mas se o rio secar, se o regime de cheias for alterado, também seremos prejudicados”, avalia Pedro da Gama Pantoja, de 61 anos que há 37 vive com a esposa Conceição na comunidade de Jamaraqua, dentro da Floresta Nacional Tapajós.


Pedro e Conceição, ribeirinhos
que vivem em reserva dentro
da Floresta Nacional Tapajós

Trata-se de uma reserva composta por mata preservada e vilas de ribeirinhos, localizada entre o futuro canteiro de obras e a comunidade de Alter do Chão, destino turístico que atrai milhares de pessoas todos os anos. “Vivemos da pesca, do turismo e do extrativismo. Se alterarem o regime de cheias, como vão ficar as praias? E os peixes? Não queremos esta usina”.  

“Não vamos ficar quietos, não vamos aceitar que as usinas sejam impostas como Belo Monte foi”, avisa o padre Edilberto Moura Sena, coordenador da Rádio Rural, emissora que transmite informações para toda a região. A partir de Santarém, ele mantém contatos regulares com representantes das comunidades afetadas ao longo de todo o rio e integra o Movimento Tapajós Vivo, um dos principais espaços de resistência ao complexo. “Os Munduruku são um povo guerreiro e não vão aceitar ‘espelhinhos’ em troca das terras em que sempre viveram”.

Recentemente, representantes da Aldeia Munduruku Sauré impediram que técnicos das empresas realizassem estudos nas suas terras. O episódio fez com que a Fundação Nacional do Índio (Funai) marcasse uma reunião e, no último dia 17, tentasse intermediar a questão. Frente à recusa dos indígenas de colaborar sem mais informações sobre os projetos, a representante da Funai Martha Medeiros teria ameaçado acionar a Força Nacional, segundo informou Mel Mendes, integrante do Movimento Tapajós Vivo, em entrevista à Rádio Rural. Ela esteve presente no encontro. 

Além do Movimento Tapajós Vivo, outras frentes de resistência se formam. Em 20 e 21 de outubro, representantes de diferentes vilarejos da região se reuniram na Comunidade Pimentel com apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da organização não-governamental Terra de Direitos para debater os impactos do complexo


Alter do Chão, um dos principais destinos turísticos do Norte, também pode ser afetado

Na Justiça
Mesmo com as críticas e alertas de ambientalistas, o trabalho de licenciamento da Usina São Luiz do Tapajós já começou. O Governo Federal pretende realizar o leilão para a construção em 2013, mas, para isso, precisa que todos os estudos sobre impactos socioambientais estejam concluídos. Para viabilizar o complexo, o Planalto conseguiu aprovar Medida Provisória 558/2012, que altera o limite de oito unidades de conservação que seriam afetadas pelo projeto. A iniciativa foi questionada pelo Ministério Público Federal em Brasília, que impetrou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)


Jamaraqua, uma das praias do Tapajós

Não é a única confusão jurídica em curso. Como indígenas e ribeirinhos que serão afetados pela obra não foram informados e consultados, o Ministério Público Federal entrou com uma Ação Civil Pública em 25 de setembro pedindo liminar para que o processo de licenciamento seja imediatamente interrompido. Leia a íntegra da ação

Juntas, as cinco usinas poderiam gerar 10.682 MW; o potencial energético do conjunto e a necessidade de garantir abastecimento na próxima década são os principais argumentos do Governo Federal. Por enquanto, apenas a Usina São Luiz do Tapajós e Jatobá constam entre os projetos do Plano de Aceleração de Crescimento. A primeira tem custo previsto de mais de R$ 18,1 bilhões, dos quais R$ 3,6 bilhões a serem gastos entre 2011 e 2014. A segunda, de R$ 5,1 bilhões, dos quais R$ 1 bilhão a ser gasto entre 2011 e 2014.


Rio Tapajós é cercado por milhares de quilômetros de mata preservada

Para minimizar os impactos ambiental e social das obras as empreiteiras prometem organizar canteiros-plataformas, com empregados se revezando no local, tal qual em plataformas de petróleo em alto mar, sem a constituição de núcleos urbanos. O diretor de engenharia da Eletrobrás, Valter Cardeal, chegou a falar em usinas “sustentáveis” ao defender o projeto este ano durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.

* Esta reportagem é parte da Expedição Cicloamazônia, projeto de Daniel Santini, Marcelo Assumpção e Valdinei Calvento, apoiado pela Repórter Brasil. Saiba mais em cicloamazônia.org


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15 Comentários

  1. jorge

    De um lado vai trazer recursos financeiros para a populaçao e municipios da região. De outro lado,vai trazer muitos prejuizos para fauna e flora,para isso tem que ter um estudo bem aprofundado para não afetar as nossas riquesa do vale tapajos.

  2. edivaldo marçal bueno

    muinto inportante para a populaçao de itaituba,

  3. Rafael

    Eu estou a favor da construção da Hidreletrica, pois com isso irá trazer recursos para a população de Itaituba, cheguei em alguns dias em Itaituba, e percebi que vai beneficiar muitos cidadões Itaitubense, a cidade precisa de um giro de capital mais aprofundado, assim Itaituba terá um olhar diferenciado no Brasil.Sou a favor sim!!!

  4. jonatã gomes de souza

    a nosso complexo tem que acontecer, por causa de babacas que querem ser ambientalista não querem que aconteça que seja para acontecer sim.

  5. Délia

    Acredito que mais babaca é você que só olha para seu umbigo. Se a construção é realmente necessária, ela precisa ter a frente desse trabalho, pessoas com responsabilidade e que pensem não só nos beneficio que trará, mas se vale apena correr os riscos que os prejuízos trarão para toda a população do Norte.
    percebe-se que empresários de outros Estados são os mais interessados e por pura ambição, não pensam no amanhã. muitos participaram da destruição de seus estados e querem acabar com o que temos de mais precioso que é a biodiversidade existente em nosso Estado.

  6. daniel

    barragem nenhuma nem queimadas vão afetar tanto o meio ambiente como os produto tóxicos que jogado nas lavouras e pastagens do meu brasil usam os ribeirinhos para ganhar força nos protestos contra o desenvolvimento do pais estes pobres coitados vivem uma vida sem lazer

  7. josias manhuaryari munduruku

    tivemos em Brasilia protocolamos a Presidenta da Republica Dilma Rousseff ou ministro da divogacia geral da união Luiz Inacio Adans e ao Sr° presidente do tribunal regional federal 1° região tambem fizemos protestos contra pecks 215, na camrara dos deputados.
    so a comissão do padre tom da presidete da camara dos depudados e receberam os indigenas apoiando. e tambem tivemos em forum social mundial internacional dos direitos humanos, fizemos protestos contra discurso da Presidenta Dilma, sobre demarcação dajekapap e complexo tapajos.

  8. Julia

    É necessario conhecer a nossa realidade, afim de buscarmos armas para combater tão grande antihumanismo…

  9. Nathalia Haber

    SOCORRRROOO… DIREITOS HUMANOS!!!!!!!
    Quanto egoísmo, ganancia, ilegalidade e ignorância!
    Ninguem tem o direito de acabar com vidas … estamos falando de pessoas, animais, floresta, historia, tradições, ect.
    Quem apoia essa sujeira tem que VIVER para ser digno de respirar o ar que a mata mantem puro e que TODOS NOS TEMOS DIREITO, pena que alguns não evoluíram a ponto de perceber isso!

    que recursos são esses que matam a região e seu povo nativo??
    que lazer e esse que tanto te engrandece??

  10. marcos rogerio dos santos

    Será que Jacareacanga e Itaituba não serão prejudicados profundamente, pois a história do povo, do lugar serão afetados assim como a sua geografia.
    Não é suficiente a produção de energia de TUCURUÍ?
    O maior mercado consumidor de energia não esta na região NORTE e SIM na região CENTRO-SUL, a qual região destina-se a produção energética de SÃO LUIZ DE TAPAJOS e BELOMONTE?
    por tantos por quês, seria no mínimo de bom tom um estudo aprofundado do custo beneficio
    DESENVOLVIMENTO SIM, porém extremamente PLANEJADO, ai invés de hidreletricas não seria mais viavél investir em um grande parque de energia solar, pois a radiação solar é abundante na região, há pouca amplitude térmica, assim os impactos seriam menores, as placas fotovoltaicas poderiam ser instaladas nas copas de árvaores de grande porte como castanheiras.

  11. severino neto

    Observem o que está acontecendo aquí em Rondonia com as implantações de Jiraus e Santpo Antonio e é por que ainda nem foram concluídas , Mas aqueles que antes eram a favor da implantação ja se posicionam contra com o início dos impactos; Toda a população é traida . Por isso é preciso nuita precaução, melhor seria se deixasse tanto a população de ribeirinhos, quanto as indígenas quietas. como também a Natureza pois ela também se revolta e com ela pagam todos .

  12. mayara

    Isso tudo é um absurdo, esse PAC sei lá o que, é usado de maneira absurda, não estão dando o devido valor as comunidades locais, a população indígena as especies em extinção. O complexo do Tapajós é de grande importância para toda a humanidade, trata-lo dessa forma é um grande desrespeito as futuras gerações, não vivemos só de hidrelétricas, isso tudo é incrivelmente agressivo e nocivo. Isso agora, e depois disso tudo pronto, vão legalizar as madeireiras que são responsáveis pela destruição do resto. Em 10 anos, vai ter uma população doente e um governo projetando ações de sustentabilidade e preservação do resto. Absurdo.

  13. fabiano lima

    esta hidreletrica é importante para a região e o pais. O volume de água gerado aumenta o volume de peixes(como em tucurui). Havendo assim mais peixes para os pescadores da região… e como toda barragem, tem um plano de reflorestamento. os indios não deviam nem reclamar, pois não tem nada a perder. vão ser idenizados e ainda ganham terra nova. que alias ja são deles. Sou a favor sim nossa região so tem a ganhar !!!

  14. Danielson luiz Webler

    Com todo capital empregado ,mal distribuído, com tanto lixo
    nas cidades .Que é uma grande alternativa energética. com menos custos de linhas de transmissão ,não sai o projeto de reciclagem de lixo sem coletas seletivas, sem fumaça, transformando o gás metano em energia ,queimando os detritos , com idro-filtragem, transformando tudo em adubo orgânico. Tenho trabalhado mais de dez anos pesquisando.
    para construir a usina de reciclagem e compostagem mas tudo emperra na burocracia e nas mãos dos políticos. Que apoiam privilegiados que não tem criatividade nem respeito com o meio ambiente emporcalhando o mundo que DEUS nos deu, por pura inrespon
    sabilidade.

  15. marcio ramos

    Cm a construção da usina terá muitos benefício sim, mas como sempre, bom para o homem. olhando para o lado ambiental terá muitos desastres, como desmatamento, enchente, fim da biodiversidade, do local onde será alagado, deslocamento das comunidades indígenas ribeirinhas, e garimpeiros. se formos pela lógica nao ficaremos a favor dessas hidrelétricas, é momento de cuidarmos do meio ambiente, não de destrui-los mais ainda…

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