O aumento da terceirização no Brasil preocupa o Ministério Público do Trabalho. O orgão promoveu na semana passada um fórum em São Paulo para discutir a questão, com a participação de acadêmicos, juízes e demais atores da sociedade civil envolvidos com questões relacionadas à segurança e saúde do trabalho. O procurador-geral do Trabalho Luís Antônio Camargo de Melo defende que o momento é crucial para evitar retrocessos (veja abaixo vídeo com os principais argumentos do procurador-geral).
O procurador-geral Luís Antônio Camargo de Melo, |
“Os trabalhadores sofrem uma ofensiva do empresariado, que tem seus representantes no poder legislativo, temos algumas propostas tramitando no Congresso Nacional que tem por objetivo retirar direitos garantidos na constituição. Uma delas é aquela que pretende definir e regular por lei a terceirização”, explica, referindo-se ao Projeto de Lei (PL) 4.330, de 2004, do deputado Sandro Mabel (PL-GO). O procurador-geral defende que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e a Constituição Federal são instrumentos que já garantem os direitos aos trabalhadores e devem ser valorizados.
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“Acusada por muitos de ser anacrônica e responsável por não haver um volume maior de crescimento e progresso, a nossa legislação tem um escopo de proteção ao trabalhador muito avançada. O Direito do Trabalho é iminentemente protetivo e surge para estabelecer um equilíbrio jurídico entre patrão e empregado”, afirma.
Terceirização
Existem cerca de 8 milhões trabalhadores terceirizados e 31 mil empresas terceirizadas, segundo o MPT. Os setores que mais terceirizam são os da saúde, da construção civil e bancário. Entre os problemas decorrentes da terceirização estão o aumento do número de acidentes de trabalho e a dificuldade de o empregado conseguir pleitear seus direitos na Justiça. “Por ser empregado de uma empresa e prestar serviço em outro local, isso gera uma série de problemas e complicações, por exemplo, dificuldade em identificar sua entidade sindical”, detalha Luís Camargo. Quem presta serviço em um banco mas não é empregado direto não será regido pelas normas conquistadas pelo sindicato dos bancários. “Esse empregado é considerado de segunda categoria, cria-se uma dísparidade. Muitas vezes esse trabalhador desempenha a mesma função que os empregados diretos”.
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No encontro, intitulado “Seminário sobre terceirização e precarização nas relações de trabalho”, realizado na quinta-feira (13) na Procuradoria Regional do Trabalho da 2 Região (PRT-2), também foram destacados outros problemas e impactos da terceirização. O professor doutor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais Márcio Túlio Viana, um dos palestrantes, destacou que muitas empresas adotam a prática como forma de externalizar custos e minimizar riscos. “A empresa cobra responsabilidade e tenta se desresponsabilizar. Ela pode reagir de forma rápida em relação ao mercado, se tiver uma crise, por exemplo”, diz, ressaltando que a situação é mais grave quando empresas optam terceirizar funções internas.
“O processo de ‘coisificação’ do trabalhador começa quando a empresa decide quem irá contratar, o corpo é escolhido de acordo com as características exigidas pela empresa contratante da terceirizada”, explica, ressaltando que o trabalhador terceirizado não se reconhece como semelhante do trabalhador contratado diretamente. “Ele é uma subespécie de trabalhador, trabalhador de segunda categoria, flutuante, oscilante. Por isso não se unem para reivindicar seus direitos”, avalia.
Ainda segundo dados do MPT, o empregado terceirizado costuma ter baixa escolaridade, ser migrante ou filho de migrante. O problema afeta sobretudo mulheres. “Estas características marcam uma discriminação de gênero e refletem a deficiência educacional no Brasil. Ninguém é terceirizado por opção, mas sim porque é a única forma que sobrou para trabalhar, sem perspectiva de evolução”, analisa Jorge Luís Souto Maior, juiz do Trabalho da 15 Região e livre-docente da Universidade de São Paulo, outro dos participantes.
Ele contou histórias de direitos não respeitados como a da ascensorista de um Tribunal de São Paulo que há oito anos não tirava férias porque, a cada ano, a empresa prestadora mudava, assim como seu contrato de trabalho. “A perspectiva do terceirizado é muito dura, invisibilizado, no sentido de estarem há anos em um mesmo lugar e as pessoas nem se darem conta dele”, avalia. Outra dificuldade é em relação a verbas rescisórias. E em alguns casos, as empresas somem sem pagar nada aos trabalhadores. “As empresas terceirizadas não tem capital suficiente para o quadro de funcionários que têm, o proprietário não tem condições de assumir os encargos trabalhistas”, explica o juiz.
Artimanhas legais
O juiz relata ainda que empresas terceirizadas fazem rodízio dos trabalhadores que exercem as funções de vigilantes e ajudante geral para dificultar o vínculo empregatício. “Essas pessoas trabalham cinco dias seguidos e folgam um, que não necessariamente é o domingo. Estão cada dia em um lugar”, conta.
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Ele cita também situações em que o empregado presta serviço em São Paulo, mas recebe menos do que o mínimo paulista de salário porque a empresa terceirizada é do Paraná. “Isso dificulta se o empregado quiser fazer uma reclamação trabalhista, ele nem sabe a quem recorrer, não conhece seu patrão”. E aponta que grandes empresas que terceirizam, quando processadas, conseguem mandados de seguranças e recorrem de sentenças, cujos valores em muitos casos são irrisórios. “Recorrer para não pagar verbas rescisórias, que tem o caráter da urgência, recurso utilizado para alimentação, com custo menor do que o processo em sim é muito comum.”
O raciocínio de que a terceirização gera emprego é perverso, defende o magistrado. “Não vislumbro possibilidade de terceirização lícita em contraposição ao ilícito, que por si é degradante, segregadora, transforma a pessoa em coisa. Precisamos, por meio do direito destruir este fenômeno e não aprofundar e justificar a existência deste fenômeno. Considero um absurdo a existência de terceirização no setor público”.
Veja vídeo com posicionamento do procurador-geral do Trabalho, Luís Antônio Camargo de Melo, sobre terceirização: