por Roldão Arruda
Aos poucos, sem alarde e mesmo enfrentando resistência no meio do funcionalismo e dos movimentos de sem-terra, o governo está levando adiante um extenso projeto de reforma na estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Se concretizada, será a mudança mais profunda na instituição desde sua criação, em 1970, em pleno regime militar.
Uma das principais características da mudança é a descentralização das atividades. As prefeituras, que sempre foram postas à margem da reforma agrária e, por isso mesmo, sempre tenderam a tratar os assentamentos federais como enclaves em seus territórios, estão sendo mobilizadas pela primeira vez.
Por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – Equipamentos, municípios com até 50 mil habitantes vão receber motoniveladoras, retroescavadeiras e outras máquinas destinadas à melhoria das vias de acesso aos assentamentos da reforma. No caso das prefeituras que fecharem parcerias como Incra, comprometendo-se também a comprar parte da produção das famílias assentadas, o governo federal vai retribuir com o fornecimento de combustível.
Em entrevista ao Estado, o presidente do Incra, Carlos Guedes, observou que a medida vai permitir respostas mais rápidas às demandas dos assentamentos, além de garantir uma redução de quase 70% dos gastos.
O Incra também está transferindo para outras instituições públicas as tarefas de construir casas e levar água e energia elétrica às famílias assentadas. Em 2013, o Programa Minha Casa, Minha Vida, gerido pelo Ministério das Cidades, passará a ser operado dentro dos assentamentos, com um volume de crédito maior do que o ofertado pelo Incra. A meta é financiar a construção de 70 mil novas moradias e a reforma de outras 118 mil em dois anos.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário, ao qual está subordinado o Incra, também fechou há pouco um acordo com o Ministério da Integração Nacional, que permitirá levar água a 30 mil famílias assentadas no semiárido nordestino. Quanto à extensão da rede de energia elétrica, a tarefa agora cabe ao Ministério de Minas e Energia, por meio do Programa Luz para Todos.
Uma das atividades mais politizadas e polêmicas do Incra, que é a seleção das famílias a serem beneficiadas pelo programa de reforma agrária, também será transferida. De acordo com um documento de três páginas que circula em Brasília, com um sucinto perfil do que deverá ser o Incra, as famílias serão selecionadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social, de acordo com dados do Cadastro Único – o mesmo utilizado para os programas federais de transferência de renda, como o Bolsa Família.
Polêmica
Do conjunto de mudanças já iniciadas e que ainda virão, a mais polêmica refere-se à mudança do foco principal de ação. Mesmo não admitindo abertamente, para evitar atritos com o Movimento dos Sem-Terra (MST), o governo da presidente Dilma Rousseff irá se preocupar cada vez mais com a melhoria dos assentamentos existentes do que com a criação de novos.
Os dados acumulados até aqui já sinalizam claramente a mudança. O governo atual foi o que menos assentou famílias nos últimos 16 anos, segundo números do próprio Incra, apresentados recentemente em reportagem do Estado. Um outro levantamento, produzido pelo Núcleo Agrário do PT e divulgado pelo MST, revela que Dilma só ganha do presidente Fernando Collor de Mello em números de decretos de desapropriação de terras para a reforma.
Esses números não causam comoção no governo. Confrontado com as tabelas, Guedes tem dito que a meta não é criar assentamentos, mas sim assentamentos com qualidade, integrados a diferentes políticas de governo, com as famílias bem instaladas e capazes de produzir alimentos. A meta é por abaixo a ideia de que assentamento seria sinônimo de favela rural.
Com a descentralização de algumas atividades, a direção do Incra acredita que pode se concentrar em atividades voltadas para a produção. Planeja reduzir a burocracia para acesso ao microcrédito, melhorar o nível de assistência técnica e favorecer a compra da produção. Segundo Guedes, o número de famílias vinculadas ao Programa de Aquisição de Alimentos deve triplicar na próxima safra, passando de 15 mil para 45 mil famílias.