Chacina de Unaí

Juíza transfere processo para cidade onde crime ocorreu

Juíza Raquel Vasconcelos Alves de Lima transfere decisão para cidade em que Antéro Mânica, um dos réus, foi eleito prefeito duas vezes. Caso completa nove anos sem julgamento dia 28
Por Stefano Wrobleski
 25/01/2013

A juíza da 9ª Vara Federal de Belo Horizonte Raquel Vasconcelos Alves de Lima declarou-se incompetente para julgar o assassinato de três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ocorrido em 28 de janeiro de 2004, em Unaí, em Minas Gerais. O episódio, que ficou conhecido como Chacina de Unaí, completa nove anos sem julgamento nesta segunda-feira. Em homenagem às vítimas, todo 28 de janeiro é celebrado como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

Apesar de estar com o processo em mãos desde maio de 2011 e haver garantido ao CNJ que o julgamento seria marcado em fevereiro desse ano, a juíza decidiu transferir o caso para a Vara Federal de Unaí, cidade em que  Antério Mânica, apontado pelo inquérito da Polícia Federal (PF) como um dos responsáveis pela crime, foi eleito prefeito com 76% dos votos e reeleito em 2008.

Rosângela Rassy, presidenta do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sinait)
Rosângela Rassy: “É lamentável que a juíza leve um ano e meio para entender que o lugar de julgamento é em Unaí” (Foto: Renato Araújo/ Agência Brasil)

Para Rosângela Rassy, presidenta do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sinait), os réus têm interesse que o julgamento ocorra em Unaí porque “é uma cidade pequena, em que um dos principais acusados era prefeito e ele domina a cidade”. Para ela, realizar um juri popular nesse contexto é “desfavorável”.

“É lamentável que, transcorridos nove anos, no momento em que tudo está pronto para o juri, a juíza leve um ano e meio para dizer que ela se julga incompetente, por entender que o lugar de julgamento é em Unaí”, avalia Rosângela. Segundo ela, a Procuradoria Geral da República informou ao sindicato que vai recorrer da decisão porque a considera inconstitucional.

A Vara Federal de Unaí foi criada em 2010. Antes disso, os réus tentaram diversas vezes transferir o processo para a Vara Federal de Patos de Minas, município que fica a 300km de Unaí.

A Chacina de Unaí
Na manhã de 28 de janeiro de 2004, Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages, auditores fiscais do MTE, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira foram assassinados em meio a uma fiscalização no noroeste de Minas Gerais, na região de Unaí. Quando estavam a caminho de Bonfinópolis, três homens pararam o carro e desceram para pedir informações aos fiscais, quando anunciaram um assalto. Sem perceber que era uma emboscada, os fiscais e o motorista foram assassinados com tiros a queima-roupa depois de entregar alguns de seus pertences. Foi a primeira vez em que fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego foram mortos em serviço.

Auditores fiscais em ato público por mais segurança
Em fevereiro de 2004, após o assassinato de três fiscais do MTE e de um motorista, auditores realizaram ato público em Unaí (MG) exigindo mais segurança (Foto: Sinait)

Nelson José da Silva, um dos fiscais, era bastante conhecido na região, onde já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em multas por infrações encontradas na fazenda dos irmãos Norberto e Antério Mânica. Os Mânica possuem uma das maiores produções de feijão do mundo e sua fazenda havia sido inspecionada pelo menos sete vezes entre 1995 e 2004 resultando em 30 autos de infração relativos a irregularidades, como manter trabalhadores em condições degradantes na propriedade.

As informações são resultado de investigação da PF concluída seis meses depois, no segundo semestre de 2004. Com elas, a PF e o Ministério Público do Trabalho ofereceram à Justiça a denúncia que aponta os irmãos Mânica como mandantes dos assassinatos. Eles teriam contratado Francisco Élder Pinheiro que, por sua vez, entregou o serviço aos pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda. Além desses, outros três homens também foram denunciados por atuar como intermediários do crime: Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e Alberto de Castro.

Todos os nove réus foram presos preventivamente à época, mas só os três pistoleiros permanecem presos à espera do julgamento. Francisco também esteve preso até o ano passado, mas teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em novembro de 2012 e faleceu no último dia 7 de janeiro. Humberto, um dos intermediários indiciado por formação de quadrilha e favorecimento pessoal, foi solto em 2009 a pedido do Ministério Público Federal (MPF) já que esses crimes haviam prescrito.

Já Antério Mânica teve seu processo desmembrado ao ter sido eleito e reeleito prefeito de Unaí em 2004 e 2008, o que lhe garantiu foro privilegiado. A pedido do MPF, ele será julgado somente depois dos demais. À Repórter Brasil ele declarou em 2007 aguardar “ansioso” pelo julgamento.

Confira abaixo a linha do tempo do caso:

Protestos
Como parte da Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, o Sinait e a Associação dos Auditores-Fiscais do Trabalho de Minas Gerais (AAFIT-MG) organizaram um protesto pelo julgamento da Chacina de Unaí em Belo Horizonte para esta segunda, 28 de janeiro, às 14h. Confira mais detalhes e a programação completa da semana aqui.

Leia também
Especial – Chacina de Unaí (2007)
TST condena família Mânica por trabalho degradante (2007)
Artigo – Polícia destrincha o crime dos fiscais de Unaí, mas ainda falta o mandante (2004)
Artigo – 4 mortes, 6 meses (2004)

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