A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Pará (Fetagri) protocolaram nesta segunda-feira (18) representação no Ministério Público Federal (MPF) solicitando que o órgão investigue a atuação de Edson Bonetti, superintendente do Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária (Incra) de Marabá, na homologação do assentamento de José Rodrigues Moreira. O beneficiário de um lote de reforma agrária é acusado de ser o mandante do assassinato do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, ocorrido em maio de 2011.
A disputa sobre o lote, localizado no Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna (PA), teria sido o motivo que teria levado Moreira a encomendar o assassinato. O processo de assentamento, homologado em 14 de dezembro do ano passado – segundo documento oficial obtido pelas organizações no final de fevereiro deste ano –, está em nome de Antonia Nery de Souza, mulher do suspeito.
Não foi equívoco, não foi displicência, o superintendente tinha total conhecimento da situação. O Incra tem de responder. Está na condição de investigado |
De acordo com o ofício, que detalha os acontecimentos envolvendo a morte do casal e a compra irregular da terra, “os fatos ora narrados configuram atos de improbidade administrativa, infrações preliminares previstas na lei 8.112/90 e crimes contra a Administração Pública praticados por agentes públicos com participação de particulares”. “Não foi equívoco, não foi displicência, o superintendente tinha total conhecimento da situação. O Incra tem de responder. Está na condição de investigado”, diz José Batista Afonso, coordenador da CPT de Marabá. De acordo com ele, após o crime ocorreram diversos encontros entre os dois, ocasiões em que Batista reivindicava a retomada do lote por parte da autarquia. “Bonetti dava sempre a mesma justificativa, de que isso somente seria possível por meio de decisão judicial.”
Antes mesmo de receber a representação das organizações, o MPF de Marabá instaurou um Inquérito Civil Público para tratar do caso. No dia 12, o próprio Bonetti entregou ao órgão toda a documentação relacionada ao assentamento de Antonia. “A documentação já está sendo analisada, mas ainda não formamos um juízo a seu respeito. Não sei quando iremos formá-lo. Talvez, para tanto, seja necessário ter acesso a mais informações”, afirmou à Repórter Brasil a procuradora da República Luana Vargas Macedo. Segundo ela, se for o caso de retomada do lote, a princípio a ação judicial deve ser iniciativa do Incra. “Em casos muito graves, emblemáticos, o MPF atua em parceria com o Incra no ajuizamento desse tipo de ação. Mas ainda não posso dizer se isso ocorrerá no presente caso, já que precisamos analisar com mais profundidade as informações fornecidas.”
Explicações
Em nota à imprensa divulgada no começo de março, o Incra afirmou que o processo administrativo de assentamento de Antonia Nery não estava concluído, portanto ela ainda não era reconhecida oficialmente como beneficiária. De acordo com o comunicado, a Superintendência Regional do Incra de Marabá identificou a situação de impedimento do cônjuge – o que impossibilitaria, assim, a concessão do lote – e, em 20 de fevereiro, encaminhou o processo à Procuradoria Federeal Especializada para que esta entrasse com uma ação judicial de retomada do imóvel. Além disso, diz o texto, o Incra avaliaria se todos os processos referentes a lotes do Assentamento Praialta-Piranheira estariam “dentro dos parâmetros legais e normativos vigentes”.
Em carta enviada à procuradora Luana Vargas Macedo no dia 12, Bonetti explica que em junho de 2011, após processo de revisão ocupacional do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta-Piranheira, a equipe técnica do Incra responsável solicitou documentação a Antonia Nery para que fosse avaliada sua elegibilidade como beneficiária de reforma agrária. Em 3 de maio de 2012, após a ideentificação da situação de impedimento de José Rodrigues Moreira, o processo administrativo foi enviado à Procuradoria Regional do Incra para o ajuizamento de ação de retomada do lote. Duas semanas depois, a Procuradoria devolveu o processo para “adequação de sua instrução”, ou seja, seu correto preenchimento e anexação de documentação que comprovasse tal impedimento.
De acordo com a carta do superintendente do Incra de Marabá ao MPF, foi então que, “por equívoco – de acordo com a Instrução Normativa 71/2012, os interessados só poderiam ser homologados e incluidos em relação de beneficiários por ordem do Superintendente – , foi realizada indevidamente a homologação da sra. Antonia Nery, sendo esta incluída em relação de beneficiários do Sipra [Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária]”. Segundo Bonetti, a irregularidade foi detectada em 19 de fevereiro deste ano, sendo imediatamente desfeita.
Aviso
Em maio de 2012, as organizações haviam enviado ao superintendente do Incra de Marabá documentação referente às investigações policiais sobre a morte de José Cláudio e Maria – e cujas conclusões apontavam Moreira como mandante. Na carta que acompanhava os documentos, as entidades alertavam para uma iniciativa da autarquia que visava trocar os lotes ocupados pelo suspeito por outros localizados em outro assentamento. O texto lembrava que a terra de 144 hectares havia sido comprada ilegalmente – lotes de reforma agrária não podem ser comercializados – em 2010, por R$ 100 mil, e que, desde então, Moreira tentava expulsar três famílias que, com o apoio do casal de extrativistas, viviam em metade da área.
Desde maio de 2012, Bonetti dizia que entraria na Justiça para retomar os lotes. Segundo ele, era isso que precisava. Só que não entrou na Justiça; pelo contrário, assentou |
“Sem ordem judicial, [José Rodrigues Moreira] conseguiu levar uma equipe de policiais de Nova Ipixuna até o local e despejar ilegalmente as famílias”, diz a carta. Segundo as entidades, os moradores retornaram a seus lotes com a ajuda de José Cláudio. “Fato que levou José Rodrigues a planejar a morte de José Cláudio”, afirmam. Ainda de acordo com o texto, após o assassinato do casal, o suposto mandante fugiu do local mas enviou parentes para manter o terreno ocupado. “Pessoas estranhas passaram andar nas proximidades da casa das três famílias que ocupavam metade da área. Com medo, sem o apoio dentro do assentamento, as famílias decidiram abandonar os lotes.” Em seguida, os familiares de Moreira passaram a ocupar todo lote.
“O Incra estava negociando com ele, através de um irmão, a cessão de outros lotes em outros assentamentos, com casa já construída, e, além disso, com garantia de liberação de créditos. Fizemos a carta, anexamos as investigações da polícia que comprovam que ele tinha comprado o lote e protocolamos esses documentos. O Incra não deu resposta”, conta Batista à Repórter Brasil. “Desde maio de 2012, Bonetti dizia que entraria na Justiça para retomar os lotes. Segundo ele, era isso [os documentos] que precisava. Só que não entrou na Justiça; pelo contrário, assentou [Moreira].”
Castanheiras
Os lotes em disputa estão localizados em uma área de floresta primária com grande incidência de castanheiras, cupuaçus e açaís. O Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta-Piranheira, como o nome diz, portanto, estava reservado para a prática de atividades extrativistas. De acordo com nota assinada pela CPT de Marabá, Fetagri Regional Sudeste e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Ipixuna, logo após comprar os terrenos José Rodrigues Moreira levou ao local 130 cabeças de gado. O passo seguinte seria derrubar a floresta para formar uma pastagem, dizem as entidades.
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Por considerarem tanto a compra da terra quanto a criação de gado ilegais, José Cláudio e Maria, conhecidos ativistas em defesa da Amazônia, apoiavam a permanência das três famílias em metade da área. Segundo a investigação policial, foi esse apoio que levou Moreira a planejar a morte dos dois. O casal de extrativistas foi assassinado em 24 de maio de 2011 – José Cláudio teve parte de sua orelha direita cortada, como prova do “serviço” realizado.
O suposto mandante, além de seu irmão Lindonjonson Silva Rocha e de Alberto Lopes do Nascimento, acusados de terem executado o crime, irão a julgamento no dia 3 de abril. “Há provas claras, muito evidentes. Não há como negar que os três acusados sejam mandante e autores. Estamos tranquilos em relação ao julgamento”, diz José Batista.
Na representação protocolada no MPF de Marabá, a CPT e a Fetagri pedem que se garanta também o “resguardo da segurança pessoal de todos aqueles que denunciaram tais fatos e que encontram-se diretamente ameçados”. De acordo com as organizações, a retomada do lote pelo Incra pode levar Moreira a encomendar a morte de quem denunciou a irregularidade. Segundo o ofício, quem mais corre risco de assassinato é Laísa Sampaio, irmã de Maria do Espírito Santo, e lideranças do CPT, Fetagri e STR de Nova Ipixuna. Laísa, por exemplo, vem sendo vítima de constantes ameaças desde a morte do casal de extrativistas.
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