A Chacina de Unaí, como ficou conhecido o assassinato de três auditores e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego durante ação de fiscalização em 28 de janeiro de 2004, será julgada em Belo Horizonte. Nesta quarta-feira, 10, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou procedente reclamação do Ministério Público Federal questionando a decisão da juíza substituta da 9ª Vara da Justiça Federal Raquel Vasconcelos Alves de Lima de transferir em janeiro o caso para a Vara Federal de Unaí, criada em 2010. O ministro relator do STJ Jorge Mussi considerou que a decisão da juíza foi contra decisões anteriores que haviam confirmado o julgamento do caso na capital. O relator destaca que a criação de nova vara com jurisdição sobre o município onde se deu a infração penal não implica em incompetência do juízo em que se iniciou a ação penal.
A tentativa de transferir o julgamento foi criticada na época como uma manobra para retardar o processo e influenciar no resultado. Unaí é a cidade em que Antério Mânica, apontado pelo inquérito da Polícia Federal (PF) como um dos responsáveis pela crime, foi eleito prefeito com 76% dos votos e reeleito em 2008. Quando a juíza determinou a mudança de local, a presidenta do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sinait), Rosângela Rassy afirmou à Repórter Brasil que os réus têm interesse na mudança porque “é uma cidade pequena, em que um dos principais acusados era prefeito e ele domina a cidade”. Para ela, realizar um juri popular nesse contexto é “desfavorável”.
A ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário, também defendeu na ocasião, em entrevista à Rádio Nacional, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a importância de o julgamento ser realizado em Belo Horizonte. “Em Unaí há um poder político estruturado que acreditamos ter a intenção de operar pressões pela não condenação dos réus indiciados pela Polícia Federal como responsáveis por essa matança”, afirmou.
O crime aconteceu há mais de nove anos e ainda não foi julgado. Antes de anunciar a mudança para Unaí, a juíza havia garantido ao corregedor-geral da Justiça, Jefferson Kravchychyn, que marcaria a data do julgamento em um mês. Em vez disso, declarou-se incompetente para julgar o caso e determinou a transferência de tribunal, decisão cassada pelo STJ nesta quarta-feira (10). Em função de sua demora, o caso tem sido apontado como exemplo de impunidade no Brasil e passou a ser acompanhado pela Corregedoria Nacional de Justiça, após ofício enviado pela subprocuradora-geral da República e coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal, Raquel Dodge, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Linha do tempo:
A Chacina de Unaí
Na manhã de 28 de janeiro de 2004, Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages, auditores fiscais do MTE, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira foram assassinados em meio a uma fiscalização no noroeste de Minas Gerais, na região de Unaí. Quando estavam a caminho de Bonfinópolis, três homens pararam o carro e desceram para pedir informações aos fiscais, quando anunciaram um assalto. Sem perceber que era uma emboscada, os fiscais e o motorista foram assassinados com tiros a queima-roupa depois de entregar alguns de seus pertences. Foi a primeira vez em que fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego foram mortos em serviço.
Nelson José da Silva, um dos fiscais, era bastante conhecido na região, onde já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em multas por infrações encontradas na fazenda dos irmãos Norberto e Antério Mânica. Os Mânica possuem uma das maiores produções de feijão do mundo e sua fazenda havia sido inspecionada pelo menos sete vezes entre 1995 e 2004 resultando em 30 autos de infração relativos a irregularidades, como manter trabalhadores em condições degradantes na propriedade.
As informações são resultado de investigação da PF concluída seis meses depois, no segundo semestre de 2004. Com elas, a PF e o Ministério Público do Trabalho ofereceram à Justiça a denúncia que aponta os irmãos Mânica como mandantes dos assassinatos. Eles teriam contratado Francisco Élder Pinheiro que, por sua vez, entregou o serviço aos pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda. Além desses, outros três homens também foram denunciados por atuar como intermediários do crime: Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e Alberto de Castro.
Todos os nove réus foram presos preventivamente à época, mas só os três pistoleiros permanecem presos à espera do julgamento. Francisco também esteve preso até o ano passado, mas teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em novembro de 2012 e faleceu no último dia 7 de janeiro. Humberto, um dos intermediários indiciado por formação de quadrilha e favorecimento pessoal, foi solto em 2009 a pedido do Ministério Público Federal (MPF) já que esses crimes haviam prescrito.
Já Antério Mânica teve seu processo desmembrado ao ter sido eleito e reeleito prefeito de Unaí em 2004 e 2008, o que lhe garantiu foro privilegiado. A pedido do MPF, ele será julgado somente depois dos demais. À Repórter Brasil ele declarou em 2007 aguardar “ansioso” pelo julgamento.
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* com informações do Blog do Sakamoto