O Consórcio Construtor Viracopos, responsável pelas obras de ampliação do aeroporto de Campinas (SP), assinou na última sexta-feira (17) Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) comprometendo-se a pagar R$2,1 milhões em indenizações pela morte de um trabalhador no canteiro de obras.
O acidente ocorreu em 22 de março, enquanto o operário fazia acertos em um plano inclinado que limita uma área mais funda das obras do aeroporto. A área não possuía apoios laterais para evitar desabamentos, conforme exigido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o que fez com que ela desabasse, soterrando o trabalhador. Além disso, o terreno estava molhado por causa das fortes chuvas que haviam atingido a região nos dias anteriores, mas retroescavadeiras estavam em atividade no entorno.
Presidente responde a processo por escravidão
O diretor presidente da Aeroportos Brasil Viracopos, Luiz Alberto Küster, enfrenta um processo movido pelo Ministério Público Federal (MPF) que o acusa de infringir o artigo 149 do código penal por manter trabalhadores em condições análogas às de escravos. Questionada, a concessionária respondeu que o processo data de 2001, quando Luiz era diretor de obras da empresa Inepar. O empresário foi enquadrado por trabalho escravo através de uma denúncia por condições degradantes em alojamento de uma obra da empresa em Macaé (RJ). Os funcionários libertados haviam sido contratados por uma empresa terceirizada, mas o MPF aponta que a Inepar tinha responsabilidade solidária pelo crime. |
O quadro levou o MPT a concluir que houve negligência do consórcio, o que motivou a indenização por danos morais individuais e coletivos. O acordo também estabelece que o consórcio tem responsabilidade solidária com relação às empresas terceirizadas que atuam nas obras e obriga que uma equipe de segurança faça análises preliminares de risco em qualquer atividade na obra e, no caso de constatação de riscos, todas as atividades relacionadas devem ser suspensas. Em nota, o consórcio disse que “reafirma seu compromisso de garantir a segurança de seus colaboradores e de continuar a seguir rigorosamente as leis trabalhistas” e mantém o prazo de conclusão das obras para maio de 2014, dois meses antes da Copa do Mundo.
Menos de quarenta dias depois, em 30 de abril, um segundo acidente deixou 14 trabalhadores feridos depois que uma laje desabou. O MPT e o MTE estão analisando o caso para verificar se houve responsabilidade trabalhista por parte do consórcio, que já foi autuado pelo MTE por dificultar as fiscalizações. De acordo com Márcia Marques, auditora fiscal do órgão, “os advogados do consórcio não nos deixaram entrevistar os trabalhadores da Jauru [empresa terceirizada responsável pelos trabalhadores] sozinhos”. Depois do segundo acidente, os operários paralisaram a obra por seis dias por melhores condições de trabalho.
Esse foi o segundo TAC assinado pelo consórcio responsável pelas obras de ampliação do primeiro aeroporto brasileiro concedido à iniciativa privada. Em setembro de 2012, depois de receber 43 autos de infração do MTE, a empresa criou um protocolo de trabalho com o MPT e o MTE para realizar vistorias periódicas nas obras de ampliação do aeroporto. Desde então, procuradores e auditores fiscais do trabalho passaram a realizar visitas a cada 30 ou 45 dias para verificar o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho.
Cidade Singer
Além das questões trabalhistas, há outros problemas relacionados à obra. Em fevereiro, a Aeroportos Brasil Viracopos, concessionária responsável pela administração do aeroporto, demoliu construções no bairro Cidade Singer, que tem 150 casas. De acordo com os moradores, não houve negociação prévia para a derrubada de casas que estavam em construção. Já segundo a concessionária, “somente as áreas não ocupadas e pertencentes à União foram devidamente cercadas e uma placa com aviso foi instalada”. O objetivo da ação, diz, “é garantir que não ocorram novas ocupações”. A ação teve apoio da Polícia Federal e da Polícia Militar.
Os moradores levaram o caso ao Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de Campinas, que produziu um relatório reconhecendo que violações foram cometidas pelo consórcio. De acordo com Pedro Mariante, presidente do conselho, o relatório foi encaminhado nessa segunda-feira (20) a diversas autoridades com o objetivo de obter reparações aos moradores. “Embora a Aeroportos Brasil Viracopos tenham alegado que essa intervenção não era para atingir as famílias lá residentes, mas proteger as áreas vazias, nós não entendemos que isso seja legítimo e discordamos veementemente do procedimento adotado nesse caso”, disse.
Como justificativa para realizar a ação, a concessionária alega que as áreas cercadas pertencem ao aeroporto, de acordo com o Decreto Estadual nº 14.031/79, que declara de utilidade pública a região no entorno para a realização de obras de ampliação. De acordo com Augusto Gandolfo, advogado que dá suporte aos moradores, essa informação é “tecnicamente incorreta”, já que não trata da desapropriação da área. “Posteriormente, houve a desapropriação dos terrenos, que foi paga aos proprietários originais, mas nunca houve a transferência de titularidade”, diz. Em decisão recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo emitiu liminar garantindo que a concessionária detém a posse da área.
A Repórter Brasil solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU) as decisões do órgão quanto à titularidade dos terrenos que rodeiam o aeroporto e seus demais bens. O assunto é tema de discussões no plenário do TCU desde pelo menos 1998, quando foi formado um grupo de trabalho que concluiu que o aeroporto pertencia à União e que as obras executadas pelo Governo do Estado de São Paulo poderiam ser repassadas à União, mas existe uma grande dificuldade em quantificar os bens para que a posse seja regularizada.
Um acórdão de 1998 explica que a região foi primeiro desapropriada em 1946 pela Prefeitura de Campinas para a construção de um aeroclube, adquirido pelo Governo do Estado dois anos depois. O aeroclube passou por reformas e, em 1960, foi transformado no Aeroporto Internacional de Viracopos. Diversos acordos entre a União e o Estado foram firmados até 1977, o que levou o tribunal a levantar dúvidas sobre a propriedade. Naquele ano, o aeroporto passou a ser administrado pelo Governo Federal até ser concedido à iniciativa privada em 2012. Já em 2006, outra decisão determinou o levantamento completo sobre a posse de todos os bens, mas o trabalho ainda não terminou e o TCU não tem uma decisão final sobre o assunto.