Ministro Lelio Bentes destaca relatório da Repórter Brasil sobre trabalho infantil como ferramenta para mudanças

 17/05/2013
Um dos fundadores do Fórum Nacional para a Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti), que desde 1994 reúne representantes do poder público, trabalhadores, empregadores, entidades da sociedades civil e organizações internacionais, o ministro Lelio Bentes Corrêa, do Tribunal Superior do Trabalho, classificou o relatório “Brasil Livre de Trabalho Infantil: o debate sobre as estratégias para eliminar a exploração de crianças e adolescentes”, da ONG Repórter Brasil, como excelente ferramenta para promover mudanças.  Trata-se de um estudo detalhado sobre a exploração de crianças e adolescentes no país, com o objetivo fortalecer o debate sobre como aprimorar o combate e erradicar tal prática. O lançamento se deu no Congresso Nacional, este mês. Clique aqui para baixar o relatório.

Para ministro, que é o coordenador da Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho (CETI), o estudo é importante porque traz, além de informações atualizadas, um exame profundo das raízes do fenômeno e um diagnóstico preciso das dificuldades encontradas no combate à prática. Ele ressalta que desde a década de 90 houve avanços significativos no combate ao trabalho infantil no Brasil e na América Latina, onde o fenômeno foi praticamente reduzido à metade desde 1992. Porém, ressalta, há atualmente certa estagnação na taxa de decréscimo.

De acordo com o ministro Lelio, em certas faixas etárias, como dos 10 aos 13 anos, por exemplo, houve até um leve crescimento. Isso demonstra, de acordo com ele, que, embora muito bem sucedidas num primeiro momento, as estratégias adotadas até aqui não se revelam eficazes diante de novos fenômenos, “como a migração de um grande número de famílias do campo para a cidade, por conta do desenvolvimento econômico do país, a realização de grandes obras e o crescimento do setor informal”, explica.

“Tínhamos um panorama de trabalho infantil rural, em sua maioria. Hoje, há situações de características mais urbanas”, afirma. “Então, é preciso rever as estratégias e adaptá-las à nova realidade, já que estamos lidando com o mesmo fenômeno, mas com características diferentes, inclusive com trabalho infantil em formas bastante aviltantes” – entre elas atividades ilícitas tais como tráfico de drogas e a exploração sexual. “São atividades que exigem abordagem diferente, um trabalho que relacione repressão aos exploradores e um forte investimento em conscientização e educação, para que essas crianças que se encontram em situações de vulnerabilidade estejam mais protegidas”, ressalta o ministro.

Ele lembra que, em virtude do destaque que teve nas últimas décadas no combate ao trabalho das crianças e adolescentes, o Brasil vai receber, em outubro, a III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, que deve reunir representantes de governos, empregadores, trabalhadores e organizações da sociedade civil dos 185 países membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O encontro internacional deve ser um espaço de reafirmação das metas de erradicação do trabalho infantil assumidas pelos países e de discussão de estratégias para alcançar esse objetivo.

Um dos eixos de discussão, explica o ministro Lelio, é a participação do Poder Judiciário e do Ministério Público no combate ao trabalho infantil. O TST faz parte da comissão organizadora do evento, que é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social.

O papel do Judiciário

Um dos especialistas entrevistados para elaboração do relatório da Repórter Brasil, o ministro Lelio afirma que uma das dificuldades a serem superadas é a falta de coordenação dos esforços do Estado, que muitas vezes desencadeia programas a cargo de ministérios distintos, carentes de coordenação e rumo político.

Para ele, o esforço do Estado não deve ser só do Executivo. “O Judiciário tem importante papel, não apenas no julgamento dos casos do trabalho infantil, que é proibido pela Constituição, mas acima de tudo na dimensão cidadã, como formador de opinião”.

No seu entender, o Judiciário tem responsabilidades e deve esclarecer a sociedade sobre os riscos que o trabalho infantil acarreta, em termos de saúde e perda de perspectivas de futuro. Deve, ainda, estar disposto a colaborar com a sociedade a fim de que os esforços de erradicação sejam bem sucedidos.

Nesse sentido, foi criada em 2012, no âmbito do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), a Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho, para coordenar as ações, projetos e medidas a serem desenvolvidas pela Justiça do Trabalho em prol da erradicação do trabalho infantil no Brasil e da proteção ao trabalho decente do adolescente. Com a CETI, explica o ministro Lelio Bentes, a Justiça do Trabalho se engajou oficialmente na luta pela erradicação do trabalho infantil, buscando cumprir o compromisso assumido pelo Brasil diante da comunidade internacional, de extinguir as piores formas de trabalho infantil até 2015, e quaisquer formas até 2020.

A Comissão conta com dez integrantes, sendo dois ministros do TST (além de Lelio Bentes, a ministra Kátia Magalhães Arruda) e magistrados de diversas regiões do país. Todos com o espírito de “disseminar a cultura de erradicação do trabalho infantil dentro do poder judiciário trabalhista”, explica o coordenador da Comissão. Para isso, a Justiça do Trabalho reivindica para si a competência para emissão de autorizações excepcionais para trabalho de crianças e adolescentes em situações não previstas pela legislação.

A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, asseguraram a proteção integral à população infanto-juvenil. É proibido qualquer tipo de trabalho até os 16 anos. A exceção é para atividades remuneradas na condição de aprendiz, permitida entre 14 e 16 anos, com formação técnico-profissional, frequência à escola, carteira assinada e direitos trabalhistas garantidos. Até os 18 anos, são proibidos os trabalhos insalubres, perigosos ou noturnos.

As autorizações excepcionais para o trabalho de crianças e adolescentes se dão na área do trabalho artístico. Isto porque, em 2001, o Brasil ratificou a Convenção 138 sobre a Idade Mínima de Admissão no Emprego, da OIT. A Convenção 138 admite o trabalho artístico como uma das atividades a serem exercidas por crianças e adolescentes, uma exceção, mediante autorização judicial.

Atualmente, porém, essas autorizações têm sido concedidas pela Justiça Estadual para que menores de 16 anos ingressem precocemente no mercado de trabalho, independentemente do setor – medida considerada inconstitucional por muitos que atuam no tema. Só em 2011, foram registrados no cadastro de emprego formal da iniciativa privada brasileira 3.134 casos de crianças e adolescentes trabalhando com autorização prévia da Justiça, de acordo com dados citados no relatório “Brasil livre do trabalho infantil”.

Assim sendo, o trabalho infantil institucionalizado preocupa tanto quanto o informal, e as autorizações concedidas por Varas da Justiça Estadual provocam polêmica no Judiciário.  De acordo com depoimento do ministro Lelio ao relatório da Repórter Brasil, “já chegaram ao conhecimento público casos de autorização para trabalho em lixões, situação que obviamente se revela nociva à criança e ao jovem”. Casos de crianças a partir de dez anos em outras atividades insalubres e perigosas, como na pavimentação de ruas, em fábricas de fertilizantes, em olarias, na construção civil e em oficinas mecânicas, também foram registrados.

“Para fazermos frente a essas atribuições, temos que estar bem preparados, conscientes do papel do poder Judiciário no processo”, ressalta o coordenador da CETI. Para ele, se existe uma Justiça especializada, ninguém melhor do que o juiz do Trabalho para identificar as situações em que o trabalho em atividades artísticas “será efetivamente a expressão legítima de um direito, ou se está pretendendo uma autorização para uma exploração econômica disfarçada”.

Em função disso, um dos princípios da Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho é que as autorizações para o trabalho da criança e do adolescente sejam concedidas pela JT.

(Marta Crisóstomo)

Texto originalmente publicado na página do TST

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