Após forte pressão das maiores centrais sindicais do país, a votação do Projeto de Lei 4330/2004 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, prevista para acontecer nesta quarta-feira (14), foi adiada para o início de setembro. Até lá, continuarão as negociações entre trabalhadores, empresários, parlamentares e governo federal sobre o texto. Na prática, o projeto, que pretende regulamentar as terceirizações, permite que as empresas contratem prestadoras até para a execução de atividades-fim, ou seja, sua atividade principal. Na tarde dessa terça-feira (13), as centrais iniciaram uma vigília no Congresso Nacional contra o PL 4330 e alguns militantes ocuparam a sala onde funciona a CCJ. Em seguida, foi anunciado um acordo entre os líderes do partido para não pôr a proposta em votação.
Atualmente, é a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que regula a prática no país. Segundo esta, a terceirização só é permitida para atividades-meio. Como ilustração, pode-se citar o exemplo de um banco: todos os serviços financeiros são considerados atividades-fim; serviços como vigilância e limpeza são considerados atividades-meio.
Esse PL é de interesse do patronato. Os empresários é que financiam os deputados que os apoiam. Querem legalizar as terceirizações, para que os trabalhadores não as questionem. A terceirização não é um instrumento de gestão, como os empresários dizem, mas de precarização do trabalho, para baixar os custos das empresas e fazê-las lucrar mais Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores |
O temor das centrais é que a aprovação do PL 4330 resulte numa maior precarização do trabalho, pois, de acordo com elas, terceirização significa salários mais baixos, menos direitos trabalhistas, maior rotatividade no emprego, jornadas mais extensas, baixo acesso à qualificação e maior exposição à insalubridade, além de fragmentação do sindicalismo. “Esse PL é de interesse do patronato. Os empresários é que financiam os deputados que os apoiam. Querem legalizar as terceirizações, para que os trabalhadores não as questionem. A terceirização não é um instrumento de gestão, como os empresários dizem, mas de precarização do trabalho, para baixar os custos das empresas e fazê-las lucrar mais”, disse Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), durante ato contra o projeto no dia 6, em São Paulo (SP). “Vamos invadir Brasília e não vamos deixar votar. Se o PL passar no dia 14, no dia 30 de agosto vai ter greve de 24 horas em todo o Brasil”, alertou. Se aprovada, a matéria segue para o Senado.
Sérgio Luiz Leite, 1º secretário da Força Sindical, acredita que se o projeto for aprovado do jeito que está, a reação das centrais e sindicatos será muito grande. “Não é possível que num governo do PT passe uma legislação que precarize os direitos dos trabalhadores. É preciso regulamentar as terceirizações, mas para igualar os direitos dos terceirizados aos dos não terceirizados”, diz.
Negociações
Nos últimos meses, o PL 4330, de autoria do deputado federal Sandro Mabel (PMDB-GO), teve sua tramitação acelerada na Câmara dos Deputados. Na CCJ, ganhou a relatoria do deputado Arthur Maia (PMDB-BA), que propôs um substitutivo. Em julho, a pressão das centrais sindicais resultou no adiamento da votação e na instalação de uma comissão quadripartite, formada por representantes de governo federal, Congresso, empresas e trabalhadores, com o objetivo de chegar a um texto final de consenso. Após a realização de seis reuniões, alguns pontos foram pactuados, mas ainda há divergências em relação a questões-chave. Principalmente, a permissão da terceirização para atividades-fim – as centrais são contrárias.
“É um projeto de proteção ao trabalhador terceirizado, pois alguns deles estão precarizados, já que as empresas não tem obrigações. Hoje, a empresa terceirizada é locadora de mão de obra. Com o PL 4330, esta tem de ser especializada na atividade requerida. Tem de ser aprovado”, diz Mabel. Para Sylvia Lorena Teixeira de Sousa, gerente de relações do trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o substitutivo de Arthur Maia é o melhor texto já apresentado para regulamentação. “Reconhece a importância da terceirização para a geração de empregos e para o aumento da competitividade ao mesmo tempo que estabelece grande proteção ao direito dos trabalhadores”.
Na penúltima reunião, realizada no último dia 5, o governo apresentou uma proposta que contempla algumas reivindicações dos trabalhadores mas que mantém a possibilidade de terceirização indiscriminada. Na ocasião, governo, parlamento e patronato concordaram que o PL fosse à votação no dia 14. Os representantes dos trabalhadores se opuseram, alegando falta de tempo para estudar o novo texto. Já na última reunião, realizada nessa segunda-feira (12), abriu-se a possibilidade de novo adiamento. Os dirigente sindicais propuseram mais uma rodada de negociação e outros 30 dias para que as centrais discutam com a base as possíveis alterações no texto.
Divergências
Além do entendimento sobre os limites da terceirização, outros dois pontos principais travam a discussão na comissão quadripartite: a representação sindical – por qual sindicato os terceirizados serão representados – e a responsabilidade das empresas contratantes em relação aos trabalhadores da contratada – se assume integralmente ou não a responsabilidade sobre as violações trabalhistas cometidas pela terceirizada.
O deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP) acredita, assim como as centrais, que quando os trabalhadores terceirizados são da mesma categoria dos empregados diretos, devem ser representados pelo mesmo sindicato – nos casos em que são de categorias diferentes, podem participar das negociações coletivas juntamente dos funcionários da contratante. “O sistema sindical é baseado em categorias, não se pode impedir o trabalhador de se organizar. Se ele fizer parte de outro sindicato, a luta sindical fica fragmentada”, opina.
Segundo um estudo elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em parceria com a CUT, em média um trabalhador terceirizado trabalha três horas a mais por semana e ganha 27% menos que um empregado direto. No setor elétrico, por exemplo, a taxa de mortalidade de um funcionário de uma prestadora é 3,21 vezes superior ao de um trabalhador de uma empresa contratante. Já um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2012 aponta que dois terços dos empregados terceirizados demitidos demoram mais de um ano para conseguir outro emprego.
“Se esse projeto for aprovado, a média salarial do país vai cair e as exigências em termos de horas trabalhadas vão aumentar. Além disso, aumentarão os problemas relacionados a doenças laborais e acidentes de trabalho”, alerta Paulo Barela, da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, central que é contrária a qualquer tipo de terceirização. Sylvia Lorena, da CNI, discorda. “Com a regulamentação da terceirização, os direitos dos trabalhadores serão cumpridos e garantidos. A lei vai contribuir com a formalização das empresas. O terceirizado terá sua jornada de trabalho de acordo com o que estabelece a Constituição e o salário correspondente a sua categoria profissional.”
Leia também:
Aumento de terceirização preocupa Ministério Público do Trabalho
Terceirizado está mais sujeito a acidente de trabalho, diz MTE
Novos casos de escravidão urbana entram na ‘lista suja’