Saúde

Hospitais em Goiás misturam lixo comum com hospitalar e apresentam problemas de higiene e segurança, diz MTE

Ministério do Trabalho aponta série de irregularidades em unidades públicas de saúde de Goiás que põe em risco segurança de servidores, pacientes e coletores
Por Guilherme Zocchio
 02/10/2013

Auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) têm constatado, desde o começo deste ano, o descumprimento de uma série de condições sanitárias, estruturais e, consequentemente, trabalhistas nos hospitais públicos do Estado de Goiás. Entre alguns dos problemas encontrados, o mais alarmante é o descarte dos resíduos hospitalares. Um dos casos mais emblemáticos é o do Hospital Materno Infantil (HMI), na capital Goiânia, cuja situação ilustra um cenário “sistêmico” dentro do serviço de saúde goiano, segundo os inspetores do MTE.

Os problemas encontrados descumprem, de acordo com os fiscais, um dos mais significativos mecanismos de proteção aos trabalhadores da saúde existentes no Brasil, a Norma Regulamentadora 32 (NR-32) do Ministério do Trabalho, que determina a garantia de condições e infraestrutura mínimas para o exercício da função por parte dos servidores do setor. “O que vimos foi uma situação de completo abandono. Se fizermos uma verificação pelo país inteiro, podemos encontrar os mesmos problemas”, afirma a auditora Jacqueline Carrijo, coordenadora do grupo de saúde da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Goiás (SRTE-GO), divisão do MTE no Estado.

Fiscais encontram lixo armazenado de modo irregular no HMI (Foto: SRTE/GO / Divulgação)
Fiscais encontram lixo armazenado de modo irregular no HMI (Foto: SRTE/GO / Divulgação)

Durante fiscalização ocorrida em 21 de agosto no Hospital Materno Infantil de Goiânia, os fiscais do MTE encontraram problemas que começam na estrutura do local, com irregularidades na divisão entre as áreas da unidade de saúde que poderiam dificultar a manutenção da higiene, e vão até o setor de descarte de lixo, onde resíduos comum e hospitalar se misturam. Os riscos trazidos, conforme constatou a vistoria, podem afetar tanto os servidores de saúde quanto os próprios pacientes atendidos.

“As instituições públicas deveriam servir de modelo ao cumprimento das normas de higiene e trabalhistas”, comenta Jacqueline, que conta com uma equipe de dois auditores fiscais, dois engenheiros de segurança do trabalho e um médico com especialidade em questões trabalhistas para realizar as inspeções nas unidades de saúde do Estado.

À reportagem, a Secretaria da Saúde do Estado de Goiás diz, por meio de sua assessoria de imprensa, que está trabalhando para resolver as pendências e solucionar os problemas apontados pela auditoria da SRTE-GO no sistema público. Também afirma, por outro lado, que “discorda de que as irregularidades sejam ‘sistêmicas’”. A pasta argumenta que tem tomado providências para “o aperfeiçoamento da separação dos lixos (comum, químico e infectante) […] capacitação dos servidores, utilização de equipamentos de proteção individual, descontaminação e desinfecção das áreas e contratação de empresas especializadas para coleta de resíduos infectantes”.

Segundo a fiscalização, sacos de lixo com conteúdo infectante nas imediações do depósito do HMI estavam em meio a contêineres abertos ou quebrados. Alguns estavam no chão e empilhados até alcançar o teto. De acordo com o MTE, a estrutura pode favorecer a proliferação de doenças e o local é de impossível higienização. As instalações elétricas, além disso, poderiam causar acidentes, pelo modo precário em que estavam dispostas. Os fiscais encontraram materiais perfuro-cortantes misturados ao descarte de resíduos, e as sacolas que deveriam identificar o tipo de substância no interior — se seria lixo comum ou hospitalar— estavam dispostas com as cores erradas.

Além disso, a fiscalização constatou que há indícios de descarte irregular de resíduos químicos. Restos de glutaraldeído, tóxico utilizado em exames microscópicos, estariam sendo despejados diretamente na própria rede de esgotos do município. Haveria problemas também no armazenamento de substâncias do gênero. Segundo informações coletadas pelos agentes do MTE, existe até relatos de presença de ratos no hospital, durante o período noturno.

A organização gestora do HMI, o Instituto de Gestão e Humanização (IGH), afirma, através de nota, que o lixo da unidade já está sendo separado corretamente, conforme determinam as normas nacionais sobre o tema. Alega, além disso, que “em relação à estrutura do prédio, trata-se de um imóvel antigo, que necessita de adequações, que já estão sendo providenciadas”. As reformas do prédio do hospital, diz, já teriam sido inclusive aprovadas pelo MTE e somente aguardariam autorização da Vigilância Sanitária Municipal para prosseguir. De acordo com a gestão da unidade de saúde, “essas ações, certamente, promoverão a adequação da unidade às normas da NR-32”.

Coleta do lixo
Para a auditora fiscal Jacqueline Carrijo, os problemas de segurança e higiene podem trazer riscos não apenas aos servidores do hospital e seus pacientes, mas também aos trabalhadores responsáveis pela coleta de lixo no município. Em entrevista à Repórter Brasil, ela enfatiza que a categoria, possivelmente, seja a mais sujeita a riscos de contaminação e outros tipos. “Na coleta de lixo, é onde estão os trabalhadores mais vulneráveis. Alguns talvez nem saibam dos riscos que estão correndo na atividade”, lembra.

Fachada do Hospital Materno Infantil (HMI) em Goiânia (Foto: Secretaria da Saúde do Estado de Goiás / Divulgação)
Fachada do Hospital Materno Infantil (HMI) em Goiânia (Foto: Secretaria da Saúde do Estado de Goiás/Divulgação)

A coordenadora do grupo de saúde da SRTE (GO) estima que quase a totalidade dos hospitais em Goiás pode apresentar irregularidades na coleta de lixo durante a separação dos resíduos. Conforme apontam os fiscais, a Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), empresa pública responsável pela coleta seletiva no município, recolhe os materiais sem considerar que restos comuns e infectantes estão misturados. Além disso, os equipamentos de proteção individual (EPIs) fornecidos aos trabalhadores seriam insuficientes para garantir a segurança contra doenças ou outras formas de contaminação durante o contato com o lixo hospitalar.

A Comurg, por meio de sua Superintendência de Comunicação, diz em nota que “o órgão orienta seus servidores diariamente sobre as condições em que os resíduos orgânicos e hospitalares devem ser coletados” e responsabiliza as unidades de saúde por problemas no descarte dos materiais. “Caso os sacos estejam sendo embalados de maneira equivocada ou resíduos embalados em lugares inapropriados, a responsabilidade é do hospital ou clínica”. E acrescenta: “Infelizmente isso acontece e prejudica o serviço porque o coletor perderá tempo organizando o que foi mal feito”.

No Brasil, o processo de descarte e encaminhamento de resíduos sólidos é determinado pela Lei 12.305/2010. A legislação antecipa, no texto, que todas as pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, têm responsabilidade, direta ou indireta, pela geração e descarte de resíduos sólidos. No Decreto 7.404/2010 da Presidência da República, que regulamenta a norma e institui a política nacional de resíduos sólidos, está previsto que a responsabilidade sobre esse tipo de atividade é solidária entre os produtores dos materiais, produtores dos resíduos e serviços públicos de coleta seletiva.

Interior em reformas de uma das unidades de saúde de Goiás (Foto: Secretaria da Saúde do Estado de Goiás / Divulgação)
Interior em reformas de uma das unidades de saúde de Goiás (Foto: Secretaria da Saúde do Estado de Goiás / Divulgação)

Os fiscais do MTE observam, ainda, que os trabalhadores do setor mal recebem o preparo para lidar com esse tipo de material. “Não só o descarte, mas a própria coleta do lixo ocorre de forma irregular”, explica o auditor Gaspar Natal da Cunha, da equipe de saúde da SRTE-GO. “Essa situação pode prejudicar e causar danos aos trabalhadores”, completa.

Por sua vez, a Comurg diz que fornece os equipamentos necessários aos trabalhadores, mas se isenta de verificar o uso ou não dos aparelhos por seus funcionários. “A respeito dos EPIs a Comurg informa que duas vezes ao ano são entregue aos servidores kits com o material necessário. Caso o servidor esteja trabalhando sem o material (porque não gosta de utilizá-lo ou pois está danificado), a responsabilidade é do mesmo.” Apesar de admitir problemas com o fornecimentos materiais, a empresa diz que a questão já foi solucionada. “Em março foi entregue o primeiro kit e em outubro será entregue o segundo”, acrescenta.

Interdição e riscos
“Nos outros hospitais inspecionados encontramos praticamente a mesma situação. São necessárias medidas emergenciais de correção. A questão é sistêmica”, explica o auditor Gaspar Natal. Segundo dados da SRTE-GO, desde o começo do ano, do total de hospitais auditados, pelo menos 90% apresentaram irregularidades na parte de segurança e saúde. Foram no mínimo 1.376 itens de segurança fiscalizados dentro dos estabelecimentos, mais de 100 autos de infração lavrados e, somente no mês de agosto, 112 unidades notificadas por irregularidades.

Gaspar Natal salienta que, nos casos em que os problemas não forem resolvidos com agilidade, a solução terá de ser pela interdição das unidades de saúde.  “Onde não houver resoluções rápidas, a saída será a interdição. Não adianta dizer que vai parar o atendimento nos hospitais. As condições em que estão funcionando podem ser ainda mais prejudiciais do que interromper parte dos serviços”, afirma.

De acordo com o anuário de acidentes do trabalho do Ministério da Previdência Social, de 2008 a 2011 houve um aumento de mais de 20% no número de acidentes com profissionais em atividades de atenção à saúde em Goiás. O ano de 2008 registrou 720 casos, ao passo que houve 866 episódios durante 2011 (ainda não há informações disponíveis referentes a 2012 ou 2013). Devido às irregularidades constatadas nas unidades de saúde no Estado, entre alguns dos riscos aos servidores do setor está, segundo a SRTE-GO, a possibilidade de propagação de doenças e a contaminação do meio ambiente por patogênicos levados por animais urbanos.

De acordo com a fiscalização, faltam aos trabalhadores do setor capacitação e o reconhecimento dos próprios direitos. Os auditores apontam que os servidores da saúde e coletores de lixo “não distinguem o risco para sua saúde ao lidar diretamente com o lixo da  unidade hospitalar, pois não foram capacitados”. “Tampouco exercitam o seu direito de recusa diante de situações que colocam sua vida em risco.” A possibilidade de se negar a realizar determinada tarefa é garantida pela legislação, apontam os fiscais do MTE.

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