Petróleo

O fim da Iniciativa Yasuní: vida e morte de um modelo de preservação no Equador

Governo equatoriano volta atrás no plano de não exploração de petróleo no Parque Yasuní. Assista a entrevista com ex-ministro de Energia, crítico da decisão oficial
Por Marcelo Ayala
 23/10/2013

 

Lago Angu na Reserva Ecológica Lodge Napo Wildlife Center. Foto: Patricio Teran / El Comercio
Lago Angu na Reserva Ecológica Lodge Napo Wildlife Center. Foto: Patricio Teran / El Comercio

No último dia 4 de outubro, a Assembleia Legislativa equatoriana aprovou a proposta presidencial de exploração de petróleo no Parque Nacional Yasuní, considerado reserva da biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Depois de mais de nove horas de debate, os parlamentares, com 108 votos a favor e 25 contra, declararam ser de “interesse nacional” a atividade petrolífera nos blocos 31 e 43 da região. O episódio marcou o fim da Iniciativa Yasuní-ITT, tentativa de criar um modelo de preservação inédito no planeta.

“Devemos voltar nossa atenção a uma relação de vida diferente com a natureza”

Alberto Acosta, ex-ministro de energia e ex-candidato à presidência do Equador – clique aqui para seguir para o final deste texto e assistir à entrevista em vídeo com o político

Agora, grupos de oposição trabalham intensamente para recolher assinaturas para exigir, no parlamento, a realização de uma consulta popular sobre o tema. Seriam necessárias 500 mil adesões reconhecidas pelo Conselho Nacional Eleitoral, conformado em sua maioria por partidários governistas.

A iniciativa
A Iniciativa Yasuní-ITT surgiu em 2007, quando o presidente equatoriano Rafael Correa anunciou, na Assembleia Geral das Nações Unidas, o compromisso do país de manter 850 milhões de barris de petróleo sob o solo do Yasuní. O campo ITT – bloco 43, conhecido pela sigla ITT por ser formado pelos campos Ishpingo, Tambococha e Tiputini – abriga 20% das reservas do Equador.

Como contrapartida aos recursos que o Estado equatoriano deixaria de arrecadar com a exploração e venda desse petróleo, a comunidade internacional seria estimulada a compensá-lo financeiramente pela aplicação dessa difícil decisão, que, segundo a proposta, traria benefícios a todo o planeta por manter intacta uma reserva da biosfera. Até recentemente, falava-se que esse seria o Plano A de preservação do Yasuní, e se vendeu a ideia como uma das propostas políticas mais emblemáticas do governo Correa.

Assim, um comitê de 15 pessoas foi formado para promover a iniciativa internacionalmente. A expectativa do governo equatoriano era receber pelo menos 3,6 bilhões de dólares, equivalentes a 50% dos recursos que o Estado arrecadaria caso optasse pela exploração petroleira na região.

A Iniciativa Yasuní-ITT era uma ação considerada inovadora e até mesmo utópica para alguns, mas que demonstrava que o Equador, um país petroleiro, pequeno e pobre, procurava contornar a lógica do modo de produção que sustenta o planeta. Era uma forma de transcender a economia denominada extrativista e estabelecer um precedente na história da exploração do petróleo. Era um exemplo para o mundo de como o Equador abordava a proteção da selva, da biodiversidade e dos povos indígenas.

Mas existia o plano B. Em 15 de agosto de 2013, Rafael Correa anunciou o fim da iniciativa. “Com muita tristeza, mas também com absoluta responsabilidade com o nosso povo e com a nossa história, tive de tomar uma das decisões mais difíceis do meu governo. Hoje assinei o decreto executivo para a liquidação dos fideicomissos Yasuní ITT e assim dou por terminada a iniciativa”, declarou.

Da quantia estipulada pelo presidente, o comitê teria conseguido apenas 13 milhões de dólares após seis anos de negociações. Até hoje o grupo não prestou contas a respeito dos gastos realizados durante o período – inclusive, a Direção de Auditoria Central da Controladoria equatoriana vem realizando um “exame especial” das operações administrativas e financeiras da Secretaria Geral da Presidência no período 2011-2013.

A tese do governo
O principal argumento oficial para a exploração dos blocos 31 e 43 do Parque Yasuní (veja o mapa abaixo) é a redução da pobreza, especialmente das comunidades da Amazônia. Os recursos gerados, agora estimados em 18 bilhões de dólares, serão aplicados, segundo o governo, em medidas que visem alterar o modelo de economia extrativista do país. Além disso, seriam realizados investimentos em educação, estradas e serviços públicos.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, essa será a nova proposta emblemática do governo. A pasta quer apresentar o projeto como um dos exemplos para o mundo de como o Equador aborda a exploração de recursos estratégicos. De acordo com a ministra Lorena Tapia, será desenvolvida tecnologia de ponta para que se garanta a conservação do ecossistema. Conforme ela afirmou recentemente, a gestão ambiental da exploração de petróleo no Yasuní atenderá as necessidades dos povos que habitam a área.

Mapa dos blocos petrolíferos no Parque Nacional Yasuní. Imagem: Divulgação
Mapa dos blocos petrolíferos no Parque Nacional Yasuní. Imagem: Divulgação

Já o presidente Rafael Correa disse que foram realizados estudos técnicos, econômicos e jurídicos para fundamentar a decisão da Assembleia Nacional. Afirmou, também, que os poços serão perfurados em apenas 1% da área do Parque Yasuní e que, segundo mapeamentos realizados pelo Ministério do Meio Ambiente, em agosto de 2013 os povos indígenas não se encontravam mais na região, pois seriam nômades – em mapas apresentados para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em abril, grupos haviam sido localizados dentro da reserva.

Meio ambiente e indígenas afetados
O Parque Nacional Yasuní foi declarado pela Unesco reserva mundial da biosfera em 1989. Os 982 mil hectares que o compõem possuem cerca de 500 espécies de aves, 160 de mamíferos e 12 de primatas. Abrigam ainda 2.200 espécies de plantas – em toda a América do Norte, há 500.

Toda essa riqueza e a presença de povos indígenas não contatados – os Tagaeri e Taromenani que o governo agora insiste que não se encontram mais no local –, podem ser gravemente afetados. Grupos ambientalistas e comunidades indígenas criticaram a decisão do governo, afirmando que a exploração do Yasuní já estava planejada desde o princípio e que deveria passar por um referendo popular nacional.

Vários grupos e organizações formados principalmente por jovens têm se manifestado nos últimos dias em algumas cidades do país, principalmente na capital, Quito. Os manifestantes se posicionam contra a mudança do discurso governista e a polêmica decisão, por parte do governo, de impedir o livre acesso de jornalistas à região do Yasuní. Por meio de um comunicado, o Ministério do Ambiente informou que os jornalistas que queiram ingressar ao parque precisam obter uma permissão especial do governo, pagar uma taxa de 500 dólares e especificar o tipo de reportagem, que deve ser enviada ao governo antes da sua divulgação nos meios, entre outros requisitos. De acordo com o comunicado, o Ministério procura preservar o lugar e proporcionar todas as facilidades aos jornalistas para que possam difundir as informações de forma adequada. Como já é costume nesse tipo de situação, o governo também mobilizou simpatizantes e convocou várias manifestações a favor da exploração. Alguns enfrentamentos entre os grupos foram registrados.

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O presidente Rafael Correa fala durante ato em apoio à exploração de petróleo no Yasuní, em 13 de setembro. Foto: Mauricio Muñoz/Presidencia de la República

Legislação rígida
Durante seus seis anos de duração, a Iniciativa Yasuní-ITT tentou interna e externamente receber o apoio econômico necessário sempre com um inimigo à espreita: a exploração petrolífera contemplada no plano B pelo próprio governo do presidente Correa. Até hoje este responsabiliza os países desenvolvidos por não terem apoiado a iniciativa. Porém, internamente enfrenta uma camisa de força: a legislação nacional.

É de conhecimento público que a extração petroleira no Parque Nacional Yasuní começou nos anos 1980, quando no país não existiam leis que limitassem a exploração de recursos naturais em áreas ambientalmente sensíveis. Além disso, as exigências para se impedir impactos ambientais eram menos rígidas do que as da nova Constituição, de 2008.

O bloco 31, por exemplo, é explorado pela estatal Petroamazonas desde 2009. O presidente solicitou à Assembleia, no pedido do dia 15 de agosto, que se incluísse essa região na declaração de interesse público juntamente com o ITT. No entanto, em outubro de 2007, antes da proibição de 2008, o próprio governo havia outorgado à brasileira Petrobras a licença ambiental para explorar esse bloco.

Clique no vídeo abaixo para assistir à entrevista em vídeo com Alberto Acosta, ex-ministro de energia e ex-candidato à presidência do Equador

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