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Trabalhadores são resgatados da escravidão em obra de fábrica da Ambev em Minas Gerais

Aliciadas no Nordeste e levadas a Uberlândia (MG), vítimas tiveram carteiras de trabalho retidas e sofriam constantes ameaças e agressões dos seus superiores, que portavam armas

Auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Militar de Minas Gerais (PM) libertaram 21 trabalhadores da obra de construção de uma fábrica da produtora de bebidas Ambev em Uberlândia, município do sudoeste mineiro. A operação aconteceu na madrugada de 18 de outubro. Uma pessoa foi detida.

Armas usadas para ameaçar vítimas (Foto: MTE)

Armas usadas para ameaçar vítimas. Foto: MTE

A fiscalização foi feita no alojamento onde os 21 pedreiros e serventes dormiam. Na mesma casa também estavam alojados dois superiores dos trabalhadores. Um deles chegou a ser preso pela PM por porte ilegal de armas, mas foi liberado depois de pagar fiança. De acordo com as vítimas, o homem detido e outro encarregado da obra os ameaçavam constantemente. O primeiro mantinha um revólver o tempo todo preso à sua cintura e o segundo usava uma faca para assustar os trabalhadores. Eles chegaram a agredir as vítimas com socos.

Os trabalhadores foram aliciados por um funcionário da RRA, empresa terceirizada pela Marco Projetos e Construções, responsável pela obra. Eles vieram do Piauí, de Pernambuco e da Bahia há pouco mais de um mês, mas não tinham recebido nenhum salário. Segundo o procurador do trabalho Paulo Gonçalves Veloso, que acompanhou o resgate, havia restrição à “manifestação de vontade” dos trabalhadores. “Eles ficavam com receio de cobrar salário porque eram agredidos”, disse. Além de não receberem salário, as vítimas tiveram retidas suas carteiras de trabalho pela empresa.

Os auditores fiscais do trabalho que participaram do resgate constataram que o alojamento estava em condições degradantes. Apontaram as péssimas condições de higiene e limpeza e falta de água potável. Além disso, a casa estava superlotada e algumas das vítimas tinham de dormir na cozinha, por falta de espaço.

Excesso de jornada
Segundo Amador Dias da Silva, um dos auditores que fez o resgate, os trabalhadores também alegaram excesso de jornada. Somente um deles tinha comprovante de ponto, que marcava uma jornada de mais de 13 horas diárias, das 7h30 às 21 horas. Diversos outros funcionários reportaram situação semelhante aos auditores, mas a denúncia não pôde ser comprovada porque a ação aconteceu somente no alojamento, que ficava fora da área da obra.

Como a terceirização ocorreu na atividade-fim da construtora e devido às condições degradantes do alojamento, os procuradores do MPT consideraram que a contratação dos trabalhadores pela RRA foi ilícita com base na súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Por isso, o MPT propôs à Marco Projetos e Construções a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), mas a empresa se recusou. A RRA assumiu a responsabilidade pela situação dos trabalhadores, mas pagou as verbas rescisórias de “maneira irregular”, de acordo com o procurador do trabalho.

Em nota, a Ambev declarou que deve acionar judicialmente a Marco “por descumprimento das obrigações assumidas em contrato, especialmente aquelas relativas às condições de trabalho de seus empregados”. Já a construtora afirmou, também em nota, que a empresa ou seus representantes não tiveram qualquer participação no incidente.

Em seu site, a Ambev diz ser a maior indústria de bebidas do mundo. No Brasil, é dona de marcas como Brahma, Antarctica e Skol, entre outras, responsáveis, juntas, por 70% do mercado de cervejas. Quando pronta, a fábrica de Uberlândia será a quarta da empresa em Minas Gerais.


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8 Comentários

  1. Anderson Luiz Barbosa

    E o crime do artigo 149 do Código Penal, está mais do que caracterizado nesse caso, os responsáveis será que serão presos?

    Espero que as autoridades competentes tomem às medidas judiciais cabíveis, inclusive o processo criminal contra os responsáveis!

  2. Márcia Albernaz de Miranda

    Parabéns pelo trabalho dos colegas, do Dr. Paulo e da corporação da polícia. A equipe toda foi muito competente. Bela reportagem.

  3. luiz crocamo

    Fico satisfeito que essa calamidade tenha sido descoberta,isso não pode ocorrer em pleno seculo 21, eu trabalho na AMBEV moca sou terceirizado mas nunca presencie tal ocorrência nesta unidade.

  4. Paulo Roberto

    Brasil é mesmo hilário, como 1 multi pode ser dona de + 70% de mercado cerveja.

  5. Wellington

    Trabalho em uma grande multinacional e minha atividade está ligada a contratação de empreiteiras. É triste ler uma notícia desse tipo, muitas empresas, visando unicamente ganhar a concorrência, jogam os preços lá em baixo e burlam a legislação trabalhista vigente sem se importar com os direitos dos funcionários.

    Assim como a empresa onde atuo, tenho certeza que uma organização do porte da Ambev não compactua com essas práticas, mas muitas vezes, se não há uma boa atuação dos fiscais de campo e do gestor do contrato, a empresa que contratou o serviço fica a mercê de atitudes como a relatada na matéria e como consequência, responsável pela situação.

  6. Leonardo Torres

    Paulo Roberto,

    A multi é uma empresa nacional, brasileiros tem o mal hábito de associar que todas multinacional seja uma empresa estrangeira.

    A Ambev se descuidou, como muitas outras, em controlar suas contratadas e esquece que o foco quando há problemas é sempre da grande empresa.

  7. Mary Jane O. teixeira

    PARABENS a esses profissionais – sérios e de qualidade. Muito apoio p/ todos.

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