Bauru – O Ministério Público do Trabalho em Bauru vai requisitar a instauração de inquérito na Polícia Federal contra empreiteiros (que também são empregados) das empresas Sucocítrico Cutrale Ltda. (Fazenda São Luis, de Botucatu), Citrosuco (Fazenda Quatrirmãs, de Botucatu), empresa Francisco Carlos Falavigna (Fazenda Fênix, de Avaí) e Therezinha Bechtold Zanatta Agrícola (Fazenda Santa Amélia, de Cerqueira César), para apuração dos crimes de aliciamento, redução de pessoas a condições análogas às de escravos e frustração de direitos trabalhistas, respectivamente tipificados nos artigos 207, 149 e 203 do Código Penal.
Os procuradores Luís Henrique Rafael e Marcus Vinícius Gonçalves entendem que os crimes estão configurados diante dos elementos de prova produzidos nos inquéritos conduzidos no âmbito do MPT, que contém depoimentos prestados por trabalhadores, testemunhas e pelos próprios empreiteiros, além de fotos e filmagens dos locais de trabalho e de alojamentos, dentre outras. Há indícios da participação das empresas nos ilícitos.
Os fatos que motivaram as representações criminais foram apurados nas últimas semanas em diligências realizadas pelo MPT em Bauru nas lavouras de laranja e cana, em regiões distintas do centro-oeste paulista, todas com acompanhamento da Polícia Rodoviária Federal.
Entre as irregularidades apontadas pode-se citar condições degradantes de trabalho e moradia, transporte de trabalhadores de um estado a outro do país em condições irregulares e sob falsas promessas, e desrespeito aos mais básicos direitos trabalhistas, deixando de formalizar contratos de trabalho, fornecer equipamentos de proteção, sanitários e até água potável.
Os empreiteiros, ou “gatos”, são aqueles responsáveis pela vinda dos trabalhadores de outras partes do país ao interior de São Paulo, geralmente a pedido das empresas; os “agenciadores” em questão (todos registrados em carteira de trabalho pelas empresas para as quais prestam serviços) trouxeram os migrantes em ônibus clandestinos, obrigando-os a pagar pelo aluguel e pela alimentação (o que seria uma responsabilidade do empregador), precarizando sua condição de trabalho e de vida.
Histórico – em Manduri e Santa Cruz do Rio Pardo, os procuradores flagraram 44 trabalhadores vindos dos estados de Pernambuco e Ceará para cortar cana-de-açúcar, todos em condições precárias de moradia. Nos alojamentos disponibilizados aos migrantes havia sérios problemas de ventilação, espaçamento entre as camas fora das normas, ausência de roupas de cama e de local para refeições, além da falta de higiene. Nos fundos de uma edícula, em outro alojamento, havia esgoto correndo a céu aberto, falta de vasos sanitários nos banheiros e trabalhadores dormindo em colchões no chão.
Durante a diligência foi constatado que trabalhadores contribuíam com parte do pagamento do aluguel, contas de água e luz. Em depoimento aos procuradores, o agenciador admitiu que a Usina Santa Maria, de Cerqueira César, também ajudava no pagamento das despesas de locação.
Recentemente, nas cidades de Avaí e Lucianópolis, o MPT vistoriou quatro alojamentos de colhedores de laranja. Em um deles, havia 48 trabalhadores distribuídos em pequenos cômodos com gás, fogão e pia dentro dos quartos, em flagrante risco de explosão e asfixia por vazamento do produto. Não havia armários para guardar os alimentos, que ficavam espalhados pelo chão. A higiene era precária. Os procuradores também identificaram irregularidades no pagamento salarial de trabalhadores da Fazenda Fênix, em Avaí, que, segundo depoimentos, ganham aquém da quantidade de laranja colhida. Há suspeitas de retenção dolosa de salário.
Posteriormente, a operação teve continuidade em Botucatu, onde novas irregularidades foram encontradas, dessa vez envolvendo as gigantes do suco de laranja Cutrale e Citrosuco. Os agenciadores dos colhedores trazidos de forma irregular para trabalhar para os grupos econômicos estão entre os representados na PF.
No início de novembro, em Ocauçu, o MPT interditou uma frente de colheita de laranja por graves problemas trabalhistas, dentre eles, trabalhadores sem registro em carteira, falta de equipamentos de proteção e de áreas de vivência.
No mês de outubro, também foram conduzidas diligências em carvoarias e cafezais, as quais flagraram condições degradantes de trabalho. O procurador Luis Henrique Rafael vê a representação criminal como um ato necessário para estabelecer a lei na região.
“Essa é uma medida inafastável para coibir a prática, já que as empresas citadas e seus empreiteiros praticam esses ilícitos todos os anos, e mesmo com a repressão exercida pelo MPT, a situação não se reverte”, explica.
O crime de redução de trabalhadores a condições análogas às de escravos, previsto no artigo 149 do CP, prevê de 2 a 8 anos de reclusão ao condenado, acrescida de multa. O crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista (art. 203 do CP) pode resultar em pena de 1 a 2 anos de detenção, mais multa, e o crime de aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional (art. 207 do CP) pode dar de um a três anos de detenção, além de multa.
Texto originalmente publicado no site do Ministério Público do Trabalho – 15ª Região.