Uma operação conjunta envolvendo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) libertou 16 trabalhadores em condições análogas às de escravos. O resgate aconteceu em 12 de outubro, no Rio de Janeiro, em obra sob responsabilidade da Brookfield e Emccamp, construtoras que estão entre as maiores do país. Além de trabalhadores do Rio de Janeiro, entre os libertados estavam migrantes de Minas Gerais e do Maranhão. Todos faziam o reboco de casas do programa federal de moradias populares “Minha Casa Minha Vida”, erguidas pelas empreiteiras.
![Fachada de obra do "Minha Casa, Minha Vida" da Brookfield, no Rio de Janeiro, onde as vítimas trabalhavam (Fotos: MTE/RJ)](https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Brookfield.png)
Tanto a Brookfield quanto a Emccamp estão em posições de destaque no ranking elaborado pela ITC, empresa de consultoria especializada em construção civil. Em 2012, a Brookfield ficou em terceiro lugar na lista, com 4,4 milhões de metros quadrados em área construída, divididos entre 111 obras. Já a Emccamp fechou o ano com 1,1 milhão de metros quadrados divididos em 40 obras, o que a deixou na vigésima colocação. É a segunda denúncia grave recente envolvendo a Brookfield. Em outubro, a empresa foi envolvida em escândalo de corrupção no município de São Paulo, que ficou conhecido como a “máfia do ISS”. Ela chegou a admitir o pagamento de R$ 4,1 milhões em propinas.
Após o resgate, as verbas rescisórias de todos os empregados foram pagas pelas empreiteiras. De acordo com os procuradores Marcelo José Fernandes da Silva e Juliane Monbelli, que acompanharam a operação, o MPT ainda vai propor às construtoras um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) prevendo penalidades e multas caso a exploração se repita, além do pagamento de indenizações por dano moral coletivo.
![(Foto:MTE/RJ)](https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2013/12/DSC01047.jpg)
![Condições em que trabalhadores viviam foram consideradas degradantes](https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2013/12/DSC01048.jpg)
Procurados pela Repórter Brasil, as empresas confirmaram o pagamento das indenizações, mas procuraram responsabilizar a Construsilva, empresa terceirizada que subcontratou os trabalhadores, pela situação encontrada. Em nota, a Brookfield ressaltou que “cumpre as leis trabalhistas e as diretrizes estabelecidas pelas normas de medicina e segurança do trabalho e que busca promover constantes melhorias no ambiente de suas obras, envolvendo tanto seus colaboradores como seus fornecedores”. A Emccamp, por sua vez, negou que operários resgatados estavam trabalhando para ela, como apontaram MTE e MPT, e declarou que rescindiu com o grupo antes de a fiscalização acontecer, sendo “o contrato de subempreitada paralisado no segundo dia de prestação de serviços, quando da constatação de irregularidades nos documentos trabalhistas obrigatórios”. A reportagem entrou em contato com uma das sócias da Construsilva, mas ela não quis falar sobre o caso.
Terceirização ilegal
Dos 16 resgatados subcontratados pela Construsilva, 13 trabalhavam para a Brookfield e três para a Emccamp quando o flagrante aconteceu. Segundo o MTE e o MPT, apesar da subcontratação, a responsabilidade pela situação é das duas empresas. A terceirização foi considerada ilegal neste caso porque os trabalhadores foram contratados para a mesma atividade-fim das empresas, o que contraria a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Além disso, os auditores fiscais que participaram da operação – Cláudio Secchin, Márcia Albernaz de Miranda e Leonardo Soares Bello – apuraram que todos os equipamentos e meios necessários para o trabalho eram fornecidos pela Brookfield e Emccamp, restando à Construsilva somente a locação da mão de obra, o que também é proibido.
![Entrada de um dos alojamentos onde os trabalhadores ficavam](https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2013/12/DSC01041.jpg)
![Geladeira de alojamento, com compartimento cheio de água e larvas](https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2013/12/GeladeiraBrookfield.jpg)
A terceirização ilegal foi utilizada para baratear os custos, mas contribuiu para a degradação em que o grupo foi encontrado. De acordo com a fiscalização, a Brookfield pagava R$ 28 mil por mês à terceirizada Construsilva, para que esta arcasse com os salários e um adicional por produtividade. Levantamento feito pela equipe que participou da ação indica, no entanto, que seriam necessários ao menos R$ 40 mil mensais só para pagar o grupo. Insolvente, a Construsilva atrasou sistematicamente o pagamento dos salários, o que restringiu a locomoção dos trabalhadores e gerou dívidas.
Das 16 vítimas, três eram do Rio de Janeiro e moravam em casas alugadas com suas famílias, e 13 eram migrantes de Minas Gerais e do Maranhão, que viviam em alojamentos. Os que viviam em casas tiveram a liberdade de locomoção restringida por meio da restrição de documentos. Eles entregaram a carteira de trabalho em 30 de julho, quando começaram a trabalhar na obra, e só obtiveram o documento de volta quase três meses depois, em 18 de outubro, após a fiscalização ocorrer. De acordo com a legislação trabalhista, depois de receber a carteira de trabalho para fazer anotações, o empregador tem 48 horas para devolver o documento.
Nos dois alojamentos onde os demais 13 trabalhadores ficavam, as condições eram de degradação humana segundo a fiscalização. Em um deles não havia nenhum móvel ou eletrodoméstico, nem portas ou janelas. Os colchões ficavam diretamente no chão. Já os móveis e eletrodomésticos da segunda casa estavam todos em mau estado de conservação ou quebrados. O fogão e as duas geladeiras não funcionavam. Uma delas tinha um de seus compartimentos cheio de água suja com larvas de mosquitos dentro. O armário do quarto tinha as portas empenadas, que não fechavam. Dois dos seis trabalhadores abrigados no local tinham que dormir em colchão no chão, porque não havia camas para todos.
![Costas de trabalhador com alergia devido ao contato com cimento](https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2013/12/TrabalhadorBrookfield.jpg)
Transporte e alimentação
Para trabalhar na obra, quatro dos migrantes viajaram juntos do Maranhão ao Rio de Janeiro em um ônibus em condições precárias, que quebrou oito vezes no trajeto e pegou fogo em uma delas. Além de não pagar pelas viagens, conforme determina a legislação, as empresas também não declararam ao governo o transporte de nenhum dos trabalhadores, contrariando a Instrução Normativa 90/2011 do MTE.
No dia a dia, sem equipamentos de proteção individual adequados para o trabalho, o grupo teve contato direto com produtos químicos que fazem mal a saúde. Um dos resgatados sofreu com uma alergia por encostar no cimento utilizado para o reboco.
Sem dinheiro por conta dos atrasos, eles dependiam da empresa para sobreviver. Só o almoço era fornecido e o grupo tinha que comer no canteiro de obras. As vítimas trabalhavam aos sábados para não pagar pela comida. A fiscalização registrou carga horária de mais de 44 horas semanais, o que configurou a submissão a jornadas exaustivas, mais um dos elementos que caracterizam escravidão contemporânea, conforme o artigo 149 do Código Penal.
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