ONU

ONGs dizem que transnacionais ‘capturaram’ debate sobre direitos humanos na ONU

Em Genebra, organizações defendem criação de tribunal internacional para julgar empresas e criação de tratado que responsabiliza matrizes por violações de filiais
Por Marcel Gomes
 02/12/2013

Genebra – Em junho de 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou os Princípios Orientadores para Empresas e Direitos Humanos (Guiding Principles on Business and Human Rights), alertando que o setor privado deve respeitar os direitos humanos em suas atividades produtivas.

Mas como, na prática, efetivar esses princípios?

Esse é um dos objetivos do II Fórum da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, que acontece em Genebra entre esta segunda-feira (2) e a próxima quarta-feira (4). O encontro, porém, deve ser marcado por divergências abertas por organizações não governamentais (ONGs) de diversos países que defendem o tema dos direitos humanos.

II Fórum da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, em Genebra. Foto:  UN photo / Jean-Marc Ferré
II Fórum da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, em Genebra. Foto: UN photo / Jean-Marc Ferré

Quando os princípios foram lançados, grandes companhias globais, como Coca-Cola e General Eletric, saudaram a iniciativa, colocando-a como uma nova referência para seus negócios. Mas para as ONGs, mais do que um código de conduta a ser respeitado, os princípios deveriam ser de execução obrigatória, inclusive prevendo reparação para casos de violações.

Segundo Gonzalo Berrón, do Transnational Institute (TNI), que participa em Genebra de uma série de articulações paralelas da sociedade civil, é comum as empresas demonstrarem boa vontade em cooperar com diálogos voluntários. A história muda de figura quando há a possibilidade de vinculação obrigatória.

“É aí que elas pressionam os governos nacionais para evitar a regulamentação”, afirma ele, com poucas esperanças de que os princípios tornem-se de fato realidade. Para Berrón, as transnacionais já “capturaram” a discussão na ONU e há que se partir para outras alternativas.

Também para Juana Kweitel, da ONG brasileira Conectas, por si só a participação das empresas no debate não basta. “Senão vira apenas limpeza de marca”, alerta. Como sinal de preocupação, ela alerta que transnacionais como Vale e Rio Tinto estão entre os financiadores da recepção que será oferecida aos participantes do fórum, na noite de terça-feira (3).

Ao acompanhar as discussões sobre o tema nos últimos anos, a Conectas produziu uma série de análises sobre o grupo de trabalho da ONU que atua em apoio à formulação e ao aperfeiçoamento dos princípios sobre direitos humanos.

De acordo com essas avaliações, falta ao grupo de trabalho transparência na publicidade dos dados e no tratamento que é dado às dezenas de denúncias sobre transnacionais que são levadas ao conhecimento de seus membros.  “O enfoque das denúncias parece ser apenas instrumental”, critica a Conectas em um de seus relatórios.

Tratado das pessoas
Como alternativa aos Princípios Orientadores para Empresas e Direitos Humanos, um grupo de dezenas de ONGs e movimentos sociais – reunidos na Campanha Global pelo Desmonte do Poder Corporativo e o Fim da Impunidade, lançada em na Cúpula dos Povos, durante a Rio+20, em 2012 – discute em Genebra o lançamento de um conjunto de princípios a serem definidos pela sociedade civil.

Protesto contra impunidade coorporativa. Foto: Divulgação/Campanha Global
Protesto contra impunidade coorporativa. Foto: Divulgação/Campanha Global

Chamado de Tratado Internacional do Povo (International People´s Treaty), ele prevê, entre outros aspectos, a extensão da responsabilidade de uma empresa matriz para suas filiais e fornecedores; a subordinação das companhias à soberania dos Estados nacionais; e a responsabilidade civil e criminal de diretores das empresas, em caso de violações cometidas.

Também será apresentada a ideia de criação de um tribunal internacional, a fim de julgar empresas ou Estados que deem guarida à companhias transnacionais envolvidas em irregularidades.

Com ou sem esse tratado, as ONGs pretendem confirmar aqui em Genebra que as transnacionais interessadas nos debates sobre direitos humanos na ONU farão o possível para inviabilizar a aplicação deles – mantendo-os como voluntários. Desse modo, uma companhia pode fazer propaganda demonstrando seu apoio aos princípios, mas sem, de fato, os seguir.

Para fortalecer as denúncias, os ativistas planejam uma série de protestos no lado de fórum do prédio da ONU, com bandeiras e faixas. A ideia é ir à rua para divulgar a visão crítica trazida pelas organizações da sociedade civil – apesar do frio de zero grau neste fim de outono em Genebra.

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