O Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de meio milhão de pessoas presas. A imensa maioria é homem, pobre e negra. A população carcerária brasileira cresceu 380% em vinte anos, enquanto a taxa de crescimento vegetativo da população não passou de 30%.
Por trás dos números, cultivamos um sistema prisional violador de valores, da lei e de qualquer parâmetro razoável de eficiência. Ou seja, um sistema inaceitável, ilegal e ineficiente.
É inaceitável por que ignora qualquer padrão ético e de dignidade humana e rompe com todos os valores de uma sociedade que se pretende democrática. É também altamente discriminatório, pois escolhe a dedo – e em massa – qual classe social deve ser encarcerada. Prefiro não acreditar que a maioria dos brasileiros apoie decapitações, presos defecando, uns sobre os outros, crianças e mulheres sendo revistadas internamente em seus órgãos genitais antes de visitarem seus parentes presos, entre outros absurdos que ocorrem cotidianamente nas prisões brasileiras. Mesmo se não concordamos com tal sistema, somos cúmplices dos desmandos e da omissão das autoridades competentes.
É um sistema ilegal, pois viola sistematicamente leis e garantias constitucionais. Trata-se de um ciclo vicioso, onde todos perdem. O processo de investigação é pífio – menos de 8% dos homicídios são investigados. Com isso, a ferramenta principal das prisões – cerca de 40% provisórias – é a suspeita. Sabemos bem qual o perfil social e racial de quem é considerado suspeito no Brasil. O mesmo perfil de quem não tem acesso à Justiça, pois não poderá pagar um advogado e dependerá de um sistema falho de apoio jurídico prestado pelo Estado. Uma vez atrás das grades, violam-se as leis relativas ao tratamento dos presos e condições de detenção. Hoje estão amontoados mais de 207 mil presos, que dão rostos ao que chamamos de “déficit de vagas” em um sistema com capacidade para 300 mil pessoas.
Por fim, um sistema ineficiente, pois ele próprio é gerador da violência, seja por meio das facções – formadas no vácuo e incompetência do Estado – ou pela forma como não recupera, nem ressocializa egressos à sociedade. Estima-se que tenhamos hoje uma taxa de reincidência de 60%. É assim que cultivamos um barril de pólvora, vendo na prisão a principal ferramenta para inibir a violência e, na prática, só fazendo com que essa aumente.
É esse o retrato de um Brasil medieval que insistimos em ignorar e cobrir de verde e amarelo.
* Lucia Nader é diretora Executiva da Conectas.
Texto originalmente publicado na página da organização. Os artigos publicados são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a opinião da Repórter Brasil.
Olá,
Primeiro de tudo, excelente artigo. Realmente o que o brasileiro faz é virar a cara para não ver. Está escancarado!
Só estou com uma dúvida com relação a esta frase: “Hoje estão amontoados mais de 207 mil presos, que dão rostos ao que chamamos de “déficit de vagas” em um sistema com capacidade para 300 mil pessoas.” 207 mil são os excedentes? Pq no início do texto estava escrito que são 550 mil presos para uma capacidade de 300 mil… Enfim, é isso.
Agradecemos o elogio. Exatamente, Laís, são os excedentes.
Equipe
Repórter Brasil
Parabéns pela reportagem, mas precisamos cobrar mudanças, embora penso ser uma gota d’ água no Oceano, depois de tantos escândalos, o Brasil que antes era gigante pela sua própria natureza, foi colonizado por maior parte da escória europeia…. Porém com o decorrer do tempo os descendentes, a miscigenação carregou no DNA a malícia, o egoísmo, ganância e descaso pela moral e bons costumes. Com isso as leis a cada dia são benéfica aos amigos e aos inimigos, cabe os rigores das leis. Resta saber quem são os amigos. Pois os inimigos das leis já está bem claro. Os menores de 18 anos pobres e negros, os desempregados e todos que não comungam com os malfeitores, que não recebem propinas. Como esses “INIMIGOS DAS LEIS” são a maioria, os presídios superlotam. Hoje podemos reafirmar a letra do Hino Nacional brasileiro ” GIGANTE PELA PRÒPRIA NATUREZA, não pela extensão territorial, não pelas riquezas naturais, mas por continuar sendo explorado, roubado e contrabandeado. Chega de falácias….. É preciso ter julgamento justo, colocar na cadeia os verdadeiros culpados. Mas os infortunados que cometem delitos leves ou graves, a estes deve-se ter presídios decentes, onde se recupera, prepara para o trabalho, objetivando reintegra-los a sociedade.
Olá, gostaria de saber a fonte dos dados citados no artigo.
Muito interessante o que foi escrito, quero fundamentar um texto, porém necessito de fontes!
Abraço
Eu gostaria de alguma maneira ajudar a reverter essa situação, passei por uma penitenciaria por sete meses, mas tenho a mente ativa e vi de perto as falhas a negligencia e vivi o descaso nada lá é feito pra que haja uma ressocialização existem muitas pessoas com o vontade de mudanças mas não tem oportunidade a grande maioria nem se quer teve oportunidade na vida toda de viver de maneira diferente, pois a classe escolhida a dedo para ser encarceraria por sua grande maioria se trata da mesma classe descriminada na hora de conseguir um emprego, tenho 23 anos, saí há uma semana e gostaria de desenvolver um projeto montar uma ONG algo do tipo para levar para as penitenciarias uma forma alternativa que desperte o interesse da população carceraria e que possa dar uma motivação de mudança e creio que a arte seja o melhor caminho, teatro, musica, arte circense, artesanatos, mas não sei como agir se puder me ajudar a mudar um pouco dessas estatísticas mesmo que com um conselho de como encontrar aliados pra isso ou em como começar, desde já agradeço… e a reportagem é o fiel retrato da realidade! muito bom
Excelente Artigo. Como você falou em seu texto, cultivamos um barril de pólvora e a qualquer momento uma pequena faísca pode fazer com esse barril exploda.
O Estado não dá a devida atenção à questão dos presídios no país e muito menos tem êxito no cumprimento da função social da prisão que é a reeducação para que após cumprida a pena, o ex-presidiário ressocialize-se no seio da sociedade.
Assim, em meio a um ambiente degradante, revoltante, sem apoio e expectativa de vida, os que saem da cadeia reincidem no crime, pois não serão aceitos pela sociedade e em sua maioria não têm qualificação profissional.
Dessa forma, a principal vítima desse ciclo vicioso é a própria sociedade que continuará refém da insegurança.Contudo, a mesma sociedade é a primeira que em seu íntimo, deseja que os ”bandidos” sejam mau tratados e tenham o pior tempo de suas vidas nas cadeias. No entanto, esquecem-se que um dia eles voltarão ao convívio social e que deveriam estar aptos à ressocialização, à boa convivência.
Portanto, investir em melhoras no sistema prisional brasileiro é uma necessidade urgente, o governo pode investir na qualificação profissional, pode montar pólos de trabalho remunerados dentro dos presídios para que os carcerários ao saírem tenham um dinheiro para tocar a vida. Há várias possibilidades para a reversão desse quadro de reincidência criminal e de inchaço das prisões do país. Se for dada a devida atenção a essa mazela que insistimos em ocultar, a nossa nação e seus cidadãos só terão a ganhar.
temos que fazer algo,mas como já perguntava monica tão jovem e inteligente.