A Petrobras iniciou há pouco mais de uma semana atividades de prospecção de gás e petróleo entre os rios Tapauá e Cuniuá, afluentes do rio Purus, município de Tapauá (a 448 quilômetros de Manaus), no sul do Amazonas. A região da pesquisa está no entorno de sete terras indígenas, sendo que em duas vivem índios isolados e semi-isolados.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do qual o Brasil é signatário, garante aos povos indígenas a consulta sobre decisões e empreendimentos que causem impactos sociais e ambientais em seus territórios.
A Coordenação Regional do Médio Purus da Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja sede fica no município de Lábrea (a 703 quilômetros de Manaus), vizinho de Tapauá, diz que não foi consultada nem comunicada pela Petrobras antes da empresa iniciar a prospecção. O mesmo se aplica aos índios.
O Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), órgão do governo do Amazonas, confirmou ao portal Amazônia Real que concedeu licença de instalação à Petrobras para realização de prospecção de gás ou petróleo até julho de 2014.
No início da semana passada, a chegada de mais de 15 balsas de prospecção chamou atenção de ribeirinhos e causou surpresa ao coordenador regional do Médio Purus da Funai, Armando Soares. A Coordenação administra 27 terras indígenas de seis municípios: Itamarati, Lábrea, Pauini, Canutama, Tapauá e Beruri.
Ao tomar conhecimento, Armando Soares comunicou o caso à presidência do órgão, em Brasília. Na última sexta-feira (21), ele disse que recebeu ligações de dois funcionários da Petrobras. Segundo o coordenador, os funcionários confirmaram a realização da prospecção e disseram que a atividade tem licenciamento do Ipaam.
Soares, no entanto, questiona a prospecção de gás e petróleo em uma região com forte presença indígena, mesmo que a atividade não seja localizada dentro das reservas. Ele aponta a ameaça de riscos ambientais e sociais aos indígenas.
“Estão fazendo um trabalho de perfuração para sondar existência de petróleo perto de terra indígena sem consultar a Funai e os índios. A Petrobrás comunicou apenas a prefeitura de Tapauá. A gente precisa saber o vulto do empreendimento. Os funcionários da Petrobras que me ligaram disseram que a atividade está fora de terra indígena, mas isso não tem diferença. Eles estão fazendo esse trabalho na área de influência das reservas e no mesmo rio que passa nas terras dos índios. É do rio que os índios tiram sua sobrevivência”, disse Soares ao Amazônia Real.
Impactos nos rios
Na área dos rios Tapauá e Cuniuá estão localizadas as Terras Indígenas dos Paumari do Manissuã, dos Paumari do Lago Paricá e dos Paumari do Cuniuá. São os paumari os indígenas diretamente afetados pela atividade, segundo Soares. Há também reservas dos índios banawa, deni, suruwahá e hi-merimã. Os dois últimos são considerados semi-isolados e isolados. Nas reservas da área de influência da prospecção vivem mais de 2 mil indígenas, segundo Soares.
“Essas balsas vieram de Manaus e entraram no Purus. Passaram por duas terras indígenas e subiram o rio Tapauá, onde não tem aldeias. Mesmo fora das reservas, tudo que acontecer ali, vai impactar as terras indígenas. Vai passar um monte de gente na área, trabalhadores, e qual será o controle?”, relata Soares.
Após receber as ligações dos funcionários da Petrobras, Armando Soares disse que comunicou a situação ao setor de licenciamento da Funai, em Brasília. No comunicado enviado à Funai, Armando afirmou que sugeriu que o órgão indigenista solicitasse o estudo que autorizou a realização da prospecção. Ele também sugeriu que os índios sejam não apenas comunicados, mas consultados sobre a atividade. Ainda não há informações sobre o encaminhamento dado pelo setor de licenciamento da Funai.
Desde a tarde do último dia 21, quando soube da presença de balsas na área do Purus e fez a primeira entrevista com Armando Soares, o Amazônia Real vem entrando em contato por email e por telefone repetidas vezes com a Funai, em Brasília, para saber as providências tomadas sobre a atividade da Petrobras, mas até a publicação desta matéria a assessoria de imprensa do órgão não havia respondido as questões enviadas.
O Amazônia Real também entrou em contato com a Petrobras no dia 21 e reiterou nos dias seguintes o pedido de informações sobre o posicionamento da empresa, mas esta não se manifestou até o momento. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) também foi procurada, mas a assessoria orientou o portal a procurar a Petrobras.
O Ipaam foi o único que se manifestou até agora. Por meio de nota, a assessoria do órgão disse que a Petrobras “tem licença de instalação expedida pelo Ipaam para acesso ao local e realização de prospecção de gás ou petróleo com validade até julho de 2014”. Segundo o Ipaam, o licenciamento para exploração não exige Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)
Na nota, o Ipaam diz que “a área relativa à prospecção não está em terras indígenas e nem em área de Unidades de Conservação” e diz que “até mesmo porque a Agência Nacional de Petróleo não faz concessões de blocos de exploração nesses dois casos”.
O superintendente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) no Amazonas, Mário Reis, também foi procurado, mas este disse à reportagem que não existe licença ou pedido por parte da Petrobras no âmbito do órgão federal para a área.
Manejo comprometido
A antropóloga Oiara Bonilla, que desenvolve trabalho de pesquisa junto aos paumari há vários anos, mostrou-se preocupada com a atividade de prospecção de petróleo na área próxima da terra indígena.
Ela conta que os paumari, que tradicionalmente habitam praias e lagos, vivem essencialmente da pesca e dos recursos aquáticos. Historicamente, diz Oiara, os paumari foram explorados pelos chamados “patrões da borracha” e, mais recentemente, pelos comerciantes e “peixeiros” da região.
“No rio Tapauá, os paumari vêm desenvolvendo um projeto de manejo sustentável do pirarucu, experiência que está em fase de consolidação e poderia ficar comprometida por um empreendimento desse porte”, informou a antropóloga.
Os paumari falam uma língua denominada por eles de Pamoari, que pertence à família Arawá da Amazônia Ocidental. Segundo informações no site do Instituto Socioambiental (ISA), até agora não foram descobertas línguas próximas da família Arawá. Levantamento da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) de 2010 aponta que a população de paumari naquela data era de 1.559 pessoas.
Repercussão
A notícia sobre entrada de balsas de prospecção em uma área aonde há terras indígenas chegou na internet e nas redes sociais na última sexta-feira (21) por meio de Miguel Aparício, antropólogo que atua junto aos indígenas daquela região. Ele elaborou um texto e divulgou em um grupo chamado Coletivo Purus, do Facebook. O texto foi compartilhado por várias pessoas, mas até aquele momento nada se sabia sobre a natureza da atividade.
“A notícia da entrada de 15 balsas com equipamentos de prospecção mineral na bacia dos rios Tapauá e Cuniuá chegou com contornos confusos, uma vez que até o momento nenhum órgão público local ou regional confirmou as informações com dados consistentes. Até a presente data, representantes indígenas e da sociedade civil buscam informações mais precisas a respeito da intensa movimentação no rio Tapauá nos últimos dias”, relatou Miguel, em seu texto.
A informação chegou até a deputada federal Janete Capiberibe (PSB/AP), que se manifestou sobre o assunto na última segunda-feira (24), em plenária, embora sem informações sólidas sobre o assunto.
“Cabe a intervenção urgente para combater os crimes, preservar o meio ambiente e a vida naquela região”, disse a deputada, em plenário, dirigindo-se ao Ministério das Minas e Energia, do Meio Ambiente e da Justiça, à Secretaria dos Direitos Humanos e ao Ministério Público Federal.
Procurada pelo Amazônia Real, a deputada declarou, por meio de sua assessoria, que as populações tradicionais, os ribeirinhos, os moradores das comunidades têm o direito legal de saberem que atividades se desenvolvem onde moram, nos rios onde pescam, na floresta de onde tiram a subsistência.
“A consulta a essas comunidades, com o direito de veto que lhe é garantido, não pode ser ignorada ou deixada para depois. Também é dever que sejamos informados, o parlamento, os representantes eleitos. O Estado brasileiro tem a obrigação de proteger sua população e seu patrimônio. Mas é falho, especialmente no Sul do Amazonas. Isso precisa ser urgentemente corrigido. O suposto desenvolvimento não pode ser para apenas alguns, que atropelam os que têm menos representação política e econômica”, declarou Janete Capiberide, que se destaca por sua atuação na Câmara por defender os direitos dos povos indígenas e populações tradicionais.
O assunto voltou a ser mencionado nesta terça-feira (25) no Congresso Nacional, quando o senador João Capiberibe (PSB-AP) pediu ao governo federal que apure a denúncia “de que cerca de 15 balsas com equipamentos de prospecção mineral e geradores de energia teriam sido vistas na bacia do rio Tapauá e Cuniuá, afluentes do rio Purus, no sul do Amazonas”.
Matéria publicada no site da Agência Senado informa que o senador quer que a denúncia seja apurada pelos ministérios de Minas e Energia, da Justiça e do Meio Ambiente. O senador disse que pretende que a denúncia seja investigada pela Secretaria dos Direitos Humanos e pelo Ministério Público Federal, uma vez que essas balsas estariam perto de sete terras indígenas.
Texto originalmente publicado no Amazônia Real.