Empresa mantinha “lista suja” com nomes de funcionários impedidos de serem contratados em novas safras por terem acionado a justiça, ou apresentarem problemas de saúde/baixa produtividade em safras anteriores
Bauru – O Ministério Público do Trabalho em Bauru ingressou com ação civil pública contra a Raízen Energia S.A, pedindo o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10 milhões devido à prática de discriminação de funcionários, direcionada àqueles que acionaram a empresa na justiça, apresentaram problema de saúde ou baixa produtividade em safras anteriores. Eles tiveram seus nomes incluídos na chamada “lista suja”, que impede a sua contratação nas novas safras.
Segundo os autos do inquérito civil que motivou a ação, os arregimentadores de mão de obra contratados pela Raízen, os chamados “gatos”, eram obrigados pela empresa a seguirem as ordens discriminatórias, recebendo ao final de cada safra uma relação de nomes que não poderiam ser contratados na safra seguinte porque “deram problemas para a empresa, ficaram doentes, apresentaram baixa produtividade ou ingressaram com ação trabalhista contra ela”. Muitas vezes, a relação trazia mais de cinco mil nomes, sendo que a cada safra a Raízen emprega cerca de nove mil trabalhadores apenas na unidade Diamante, em Jaú (onde foi a base da investigação), em sua maioria provenientes do interior de Minas Gerais, estado que, segundo o censo de 2010 do IBGE, possui mais de 900 mil pessoas na miséria; elas encontram nos trabalhos nas lavouras paulistas a única oportunidade de obter uma fonte de renda.
De acordo com o procurador Marcus Vinícius Gonçalves, responsável pela ação, a Raízen exige o procedimento seletivo discriminatório de seus arregimentadores desde 2005, quando ainda detinha o nome Cosan, e tal prática perdura ainda hoje, não sendo restrita apenas à Usina Diamante, mas também a todas as demais filiais, 11 delas localizadas no interior de São Paulo.
Para Gonçalves, “a prática discriminatória, que ora se rechaça, tem proporções monstruosas, uma vez que instaura uma política de terror e opressão por parte da ré no trabalhador humilde, proveniente de região carente, que só tem sua força física para oferecer como moeda de troca no mercado de trabalho, transmitindo a mensagem de que é preferível trabalhar até a exaustão ou morte do que causar problemas à Raízen”.
O procurador complementa ainda que “a conduta nociva da empresa não configura somente uma mera infração legal, pelo contrário, representa a garantia de impunidade a toda e qualquer violações trabalhistas, obrigando todos os seus trabalhadores, presentes, passados e futuros, a renunciarem um direito ínsito à cidadania, criando um claro e ostensivo obstáculo ao pleno exercício do direito ao provimento jurisdicional, e isso se soma à inaceitável retaliação aos obreiros que necessitem de cuidados médicos”.
Diante da gravidade das práticas lesivas adotadas pela Raízen, o MPT solicitou, além do pagamento de R$ 10 milhões por danos morais coletivos (em favor do FAT ou da sociedade local), a concessão de liminar proibindo que a empresa continue a utilizar do recurso de “lista suja” para vetar contratações em suas unidades.
Clealco – Em ação similar, a Justiça do Trabalho de Tupã (SP) concedeu liminar favorável ao MPT, no último dia 7 de março, determinando à Clealco Açucar e Álcool S.A que deixe de discriminar trabalhadores que ajuizaram reclamação trabalhista, pediram demissão da empresa ou prestaram depoimento perante a Justiça do Trabalho e o MPT, assim como deixe de condicionar a manutenção de contratos de terceirização a não contratação de trabalhadores que estejam nas mesmas situações, sob pena de multa diária de R$ 50 mil por descumprimento.
O procurador Marcus Vinícius Gonçalves ajuizou ação civil pública após constatar que a Clealco obrigava suas prestadoras de serviços a não contratar profissionais que já haviam processado a usina, ou que já haviam trabalhado na empresa, montando a “lista suja”.
Em depoimento, dezenas de trabalhadores (motoristas de carga e operadores de colhedeira, principalmente) disseram que, por terem ajuizado reclamação trabalhista contra a Clealco, objetivando o pagamento de direitos que lhe foram sonegados, foram impedidos de serem contratados por terceirizadas, e que a usina usa isso como condição para manter os contratos com essas prestadoras.
Trabalhadores que já foram funcionários da Clealco, mas pediram demissão, também entraram na “lista suja”, sob o argumento de que há uma carência de seis meses a dois anos após a rescisão contratual para uma possível recontratação, mesmo por meio de terceirizada que presta serviços à usina. Aqueles que supostamente “deram trabalho” à empresa ficam proibidos de serem recontratados, inclusive pelas prestadoras.
A liminar que obriga o fim da discriminação foi concedida pelo juiz Pedro Marcos Olivier Sanzovo, da Vara do Trabalho de Tupã. O magistrado deve julgar o mérito da ação, que também pede a condenação da Clealco ao pagamento de R$ 10 milhões por danos morais coletivos.
Raízen Energia S.A – Processo nº 0010539-23.2014.5.15.0024
Texto publicado pela assessoria de imprensa do MPT-PRT15
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Após a publicação deste texto, a Raízen enviou à Repórter Brasil o seguinte posicionamento, afirmando desconhecer a ação:
“A Raízen informa que desconhece e não foi notificada da ação do Ministério Público do Trabalho de Bauru. A companhia repudia qualquer tipo de ação discriminatória e reforça que cumpre rigorosamente todas as normas estabelecidas pela legislação trabalhista.”