Eternit é condenada em R$ 1 milhão por morte de trabalhador por contato com amianto

Vítima trabalhou por três anos no interior de fábrica da empresa, em São Paulo, sem qualquer equipamento de proteção individual
Por Carmem Feijó
 07/05/2014

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho aumentou para R$ 1 milhão a condenação imposta à Eternit S. A. a título de indenização por dano moral à viúva de um trabalhador vítima de doença pulmonar decorrente do contato prolongado com o amianto. A indenização inicial foi fixada em R$ 600 mil, mas o relator do recurso da viúva, ministro Augusto César de Carvalho, entendeu que o arbitramento do valor deve considerar também a função pedagógica da sanção, visando tanto à prevenção quanto ao desestímulo da conduta danosa da empresa, “que atenta contra valores humanitários e constitucionais da mais alta estatura jurídica”.

Para o ministro, o dano a ser reparado está relacionado não apenas com a atividade de risco pontual, “mas de morte e expiação de trabalhador envolvido em atividade econômica dirigida à exploração de fibra mineral cuja inalação é, hoje, reconhecidamente letal”. O caso, segundo o relator, envolve “o desapreço à vida e ao projeto humano e transgeracional, universal e essencialmente jurídico de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, inclusive no que toca ao meio ambiente de trabalho”.

Desassossego
Em seu voto, o ministro assinalou que a questão está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4066, ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) contra o artigo 2º da Lei 9055/1995, que permite a exploração comercial e industrial do amianto branco (crisotila). A relatora da ADI é a ministra Rosa Weber.

“Não é desconhecido o desassossego causado pelo processo dos produtos de amianto, sabidamente banido em vários países da comunidade internacional”, afirma o ministro Augusto César. Seu voto faz uma análise detalhada do problema. “A despeito das opiniões favoráveis, o fato é que não se reconhece uma quantidade mínima de asbesto abaixo da qual a exposição possa considerar-se segura”, ressaltou. “Vale dizer, inexiste certeza de que as fibras microscópicas do amianto branco não se desprendam e, sem dissolver-se ou evaporar, porque a sua natureza o impede, ingressem no pulmão por meio de uma simples aspiração em ambiente contaminado”.

O ministro assinala que não há qualquer dúvida quanto ao risco que o amianto representa para a saúde e, portanto, de que os trabalhadores das empresas do ramo lidam com um risco imanente ao próprio trabalho. “Em vez de se emprestar efetividade ao princípio da precaução – conduta preventiva para a qual devem concorrer o Estado e toda a coletividade, inclusive o segmento empresarial -, converte-se o homem trabalhador em cobaia com morte precoce e anunciada”, afirmou.

Doença
O caso julgado teve origem com reclamação trabalhista ajuizada pelo espólio de um engenheiro que chefiou, de 1964 a 1967, o controle de qualidade da unidade da Eternit em Osasco (SP), desativada em 1992. Segundo a reclamação, ele trabalhava sem equipamentos de proteção individual, e seu escritório ficava no interior da fábrica, próximo ao local de manipulação das fibras de amianto. Em 2005, ele foi diagnosticado com mesotelioma pleural (câncer da pleura) e, por conta de insuficiência respiratória, submeteu-se a diversas cirurgias e teve 80% do pulmão removidos. O engenheiro morreu em dezembro de 2005, aos 72 anos.

A Eternit, na contestação à reclamação trabalhista, defendeu que o uso do amianto é feito em conformidade com a lei, e que sempre se preocupou em garantir a segurança e o bem-estar de seus funcionários, cumprindo as normas de saúde e segurança vigentes à época. Como a unidade foi desativada anos antes da morte do trabalhador, argumentou que era impossível confirmar as alegações de exposição à poeira do amianto.

O juízo da 45ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP) considerou, entre outros elementos, o laudo pericial, segundo o qual o período de latência da doença pulmonar pode ultrapassar 30 anos, “que foi o que aconteceu no presente caso”. A sentença condenou a Eternit à indenização em danos morais de R$ 600 mil, tendo em vista a gravidade da doença, “a grande dor causada ao trabalhador” e a atitude da empresa, “que não mantinha controle algum das substâncias utilizadas no meio ambiente de trabalho”.

Indenização
O caso chegou à Sexta Turma por meio de recurso de revista da viúva do engenheiro, que pedia a majoração do valor da indenização. Ao propor o provimento do recurso, o ministro esclareceu que não se pretendia, “nem de longe”, resolver o conflito de interesses sobre a segurança das atividades que envolvem o amianto branco, pois será do Supremo Tribunal Federal a última palavra. “Contudo, está-se diante de uma doença caracterizada como ocupacional e relacionada diretamente ao ramo de atividade da empresa, configurando indelevelmente o dano sujeito à reparação por quem o causou”.

A reparação, a seu ver, tem de ter caráter compensatório, punitivo e pedagógico. “O valor da indenização deve ser aferido, pois, mediante esses parâmetros balizadores e de acordo com a extensão do dano em cada caso, conforme o artigo 944 do Código Civil”, explicou.

Processo: RR-92840-68.2007.5.02.0045

Clique aqui para ler a íntegra do voto do relator.


Texto originalmente publicado no site do Tribunal SUperior do Trabalho.

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