MPF denuncia donos de uma empresa de transporte de valores por trabalho escravo

115 empregados foram submetidos a jornadas extenuantes, em alguns casos com duração superior a 24 horas, e a condições degradantes de trabalho
 13/06/2014

Belo Horizonte. O Ministério Público Federal (MPF) denunciou Marcos André Paes de Vilhena e Pedro Henrique Gonçalves de Vilhena, sócios administradores da Embraforte Segurança e Transporte de Valores Ltda, pelos crimes de redução de trabalhadores a condições análogas às de escravo e frustração de direitos trabalhistas.

A Embraforte é uma empresa especializada no transporte de valores e segurança patrimonial, com sede em Belo Horizonte/MG.

Os crimes foram descobertos por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) durante fiscalização realizada na sede da empresa entre os meses de abril e junho de 2012. Naquela ocasião, foram emitidos relatórios que comprovam a prática dos crimes previstos nos artigos 149 e 203 do Código Penal, bem como violação a vários dispositivos da legislação trabalhista.

Uma das irregularidades que primeiro chamou a atenção dos auditores foi a habitualidade com que grande parte dos trabalhadores da empresa fazia horas extras. Pelo menos 115 empregados trabalhavam, no mínimo, 50 horas mensais além da jornada habitual. Houve meses em que as horas extras chegaram a 80 horas mensais.

As jornadas eram tão estendidas que, por vezes, impossibilitavam a interjornada obrigatória de 11 horas consecutivas e até mesmo o descanso intrajornada, o que, para o MPF, revelava “uma verdadeira redução dos trabalhadores a condição análoga à de escravo ante sua reiterada submissão a jornadas exaustivas de trabalho”.

Foram encontrados casos de empregados com horários de trabalho absolutamente extenuantes, como o de um vigilante que trabalhou mais de 27 horas seguidas, com intervalo intrajornada de apenas 1 hora e 12 minutos. Em outro caso, o empregado teve direito a intervalo de apenas três horas no final de um dia de trabalho que começou às 6h15 da manhã e só terminou à 0h7, sendo que às 3h30 ele teve de reiniciar nova jornada, só vindo a concluí-la às 21 horas.

Em depoimento, algumas das vítimas afirmaram que não havia sequer horário fixo para almoço e geralmente as refeições eram feitas dentro do veículo em movimento.

Por sinal, as condições de trabalho no interior dos carros-forte também eram degradantes. Os veículos não possuíam ar condicionado, apenas climatizador, que, geralmente, não funcionava. A impossibilidade de uso da ventilação natural e o grande número de horas em que os vigilantes e motoristas permaneciam no interior dos veículos, sob o sol, aliados ao uso de vestimenta pesada (colete à prova de balas e coturnos) expunha os empregados a precárias condições térmicas e de conforto.

Algumas das vítimas relataram que levavam garrafas pet, dentro dos veículos, para satisfazer suas necessidades fisiológicas, pois não havia intervalos ou uma organização do trabalho que permitisse o gozo de direitos básicos, como o de ir ao banheiro quando necessário.

Risco de vida – Não bastassem todas essas irregularidades, os auditores também receberam relatos sobre as precárias condições de manutenção dos veículos, com bancos rasgados (“no ferro”), causando extremo desconforto a quem tinha de passar inúmeras horas por dia sentados sobre eles.

Pneus “carecas” e problemas nos freios expunham constantemente os empregados da Embraforte a situações de risco de vida, com relatos de vários acidentes por esse motivo.

O próprio local destinado à garagem dos carros-forte também possuía pouca ventilação, com alta concentração de monóxido de carbono. Havia apenas dois mictórios para utilização por mais de 80 funcionários e o refeitório chegou a ter ratos em determinada ocasião, conforme relatou um dos empregados.

A fiscalização também encontrou o vigilante da guarita trancafiado, sem possibilidade de saída em caso de emergência, porque, segundo informado aos auditores fiscais, a abertura do local era feita apenas remotamente, da cidade de São Paulo.

Frustração de direitos – A denúncia também acusa os empresários de não computarem como salário o adicional de risco de vida, que é pago em razão de Convenção Coletiva de Trabalho.

“Referidos valores deixaram, assim, de produzir reflexos sobre as demais parcelas que compõem a remuneração, tais como o adicional de horas extraordinárias, adicional noturno, reflexos sobre o repouso semanal remunerado, férias, 13º salário, etc., frustrando direitos assegurados pela legislação trabalhista”, afirma o Ministério Público Federal.

Se condenados, Marcos André Paes de Vilhena e Pedro Henrique Gonçalves de Vilhena estarão sujeitos a penas que variam de 3 a 10 anos de prisão. O MPF pediu a aplicação das penas em concurso material, ou seja, as penas podem ser multiplicadas por 115, que é o número de trabalhadores encontrados em situação análoga a de escravidão.


Texto originalmente publicado na página do Ministério Público Federal de Minas Gerais

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