Itaetê, Morro do Chapéu e Salvador, na Bahia – Jaílson Rodrigues é um dos 15.700 agricultores familiares espalhados por 118 municípios de seis estados do semiárido brasileiro – Bahia, Sergipe, Ceará, Piauí, Pernambuco e Minas Gerais – com que a Petrobras Biocombustível (PBio), subsidiária da estatal e maior produtora de biodiesel do país, mantém contrato direto de fornecimento de mamona. A Bahia responde por mais da metade desse número.
“A terra aqui é boa demais. Quem é ruim é o céu”, resume o agricultor Jaílson Rodrigues, que para 2014 reservou 15 hectares de sua propriedade em Morro da Chapéu para o plantio de mamona. As pedras brancas que brotam do chão revolvido de sua roça evidenciam que suas terras são ricas em calcário, o que dispensa investimentos para correção da acidez de solo, por exemplo. Apesar da dádiva natural, a produção agrícola foi prejudicada nas últimas três safras pela pior seca dos últimos 50 anos, que assolou aproximadamente 1.400 municípios do semiárido brasileiro.
Na safra de 2009/2010, a PBio chegou a comprar mais de 20 mil toneladas de mamona. Desde então, por conta da seca, a quebra foi de 70 a 80% |
Na visão do diretor de Suprimentos da PBio, o principal desafio do semiárido é, sem dúvida, incrementar a produtividade agrícola. “Na safra de 2009/2010, a PBio chegou a comprar mais de 20 mil toneladas de mamona. Desde então, por conta da seca, a quebra foi de 70 a 80%”, explica João Augusto Araújo Paiva.
Atualmente, a PBio disponibiliza assistência técnica direta a 2 mil produtores do semiárido. Porém, a nova aposta da empresa para qualificar essa atividade é uma parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Desde novembro do ano passado, já foram instaladas oito Unidades de Teste e Demonstração (UTDs), quatro na Bahia e quatro no Ceará, que orientam 168 agricultores. A meta da PBio é atingir 1.100 produtores, chegando também aos estados de Pernambuco e Minas Gerais. O orçamento do programa, custeado pela PBio, é calculado em R$ 5 milhões.
Uma UTD consiste em um campo de experimentação a céu aberto instalado na propriedade de um agricultor, que “cede” as terras para a atividade dos técnicos. Na área, são testadas formas de cultivo da mamona que envolvem não só a utilização de diferentes dosagens de fertilizantes, mas também de variedades de sementes e de diversas técnicas de consorciamento da oleaginosa com outras culturas, sobretudo milho e feijão. A ideia é descobrir, empiricamente, as maneiras mais eficientes de se cultivar a oleaginosa no semiárido e, ao mesmo tempo, repassar o conhecimento para os produtores.
Leia também:
Programa nacional de biodiesel falha em incluir semiárido
Preço da mamona sobe, mas óleo não vira combustível
Petrobras Biocombustíveis revê investimentos
Dependência de fertilizantes
Para cada duas UTDs, há um técnico da Embrapa responsável. E cada UTD engloba 21 produtores (20 agricultores, além do dono da área onde se fazem os experimentos), escolhidos a dedo para fazer parte do programa por figurarem entre os fornecedores mais produtivos da PBio.
É preciso melhorar e adensar a produção, com as preocupações ambientais pertinentes. Estamos trabalhando muito com a ideia de polos de produção. Aí nesses polos nós colocamos técnicos que moram e residem nessa região |
“É preciso melhorar e adensar a produção, com as preocupações ambientais pertinentes. Estamos trabalhando muito com a ideia de polos de produção. Aí nesses polos nós colocamos técnicos que moram e residem nessa região”, justifica João Augusto Araújo Paiva, diretor de suprimento da PBio.
Os testes feitos nas UTDs acenam inclusive para a possibilidade de mecanização do processo produtivo, como já se verifica em algumas propriedades de grandes fazendeiros de mamona, em Minas Gerais. Atualmente, as variedades de sementes produzidas pela Embrapa mais utilizadas pelos agricultores são a Nordestina e Paraguaçu, cujo ciclo completo dura 240 dias, com um rendimento de 900 a 1.800 quilos de mamona por hectare. Contudo, a Embrapa desenvolveu outra variedade, chamada Energia, que reduz o ciclo de vida da planta para 120 dias e aumenta a produtividade em pelo menos 20%. Em outras palavras, produz-se consideravelmente mais em metade do tempo.
Mas existem alguns fatores que limitam a popularização da Energia entre os agricultores familiares. Em primeiro lugar, a semente é mais dependente de fertilizantes para germinar do que as variedades Nordestina e Paraguaçu, cultivadas em áreas de sequeiro (não irrigadas), sem qualquer tipo de insumo. Além disso, a colheita manual da mamona produzida pela Energia é praticamente inviável, já que as sementes dos cachos não “estalam” e nem caem no chão, como se diz no semiárido. Assim, para gerar eficiência na produção da semente Energia, o plantio necessitaria de uso mais intenso de insumos e a colheita precisaria ser mecanizada, o que obviamente extrapola a capacidade de investimento dos agricultores familiares do sertão.
Dentre os obstáculos para ampliar a produção de mamona, além das limitações impostas pelo clima do semiárido e pela descapitalização dos produtores, também são citadas algumas práticas de cultivo com que os agricultores do semiárido estão habituados, mas que não são necessariamente as mais produtivas do ponto de vista agrícola. O agricultor Edcarlos Aragão, de 30 anos, presidente da Associação do Projeto de Assentamento União da Chapada, no município de Itaetê, localizado na face sul da Chapada Diamantina, afirma que “foi um trabalho convencer os agricultores a plantar as sementes doadas pela PBio”, já que muitos preferiam utilizar os grãos com que estavam habituados a trabalhar há gerações.
Outro exemplo é o hábito de se colocar mais de uma semente por cova, já que os grãos utilizados historicamente no plantio tinham potencial de germinação muito inferior ao das sementes produzidas pela Embrapa e doadas pela PBio aos agricultores. Ou seja, plantavam-se várias sementes para que uma delas vingasse, o que hoje já não é mais necessário. Até pelo contrário. “O nascimento de duas plantas de mamona na mesma cova é contraproducente, já que elas competem pelo sol e pelos nutrientes da terra”, explica Elói Falcão, técnico da Embrapa responsável pela UTD de Morro do Chapéu. “Com o tempo, vamos mostrando para os agricultores as melhores técnicas e eles vão pegando mais confiança nas nossas orientações”, completa.
“Última cartada”
Presidente da Cooperativa Regional de Reforma Agrária da Chapada Diamantina (Coopracd), entidade ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que reúne pouco mais de 500 produtores em oito municípios do sul da Chapada Diamantina, e morador do Projeto de Assentamento Baixão, em Itaetê (BA), Edivando dos Santos afirma já ter ouvido dos técnicos agrícolas que “esta é a última cartada da PBio no semiárido”, referindo-se aos investimentos para arar as terras e criar as UTDs.
Assim como seus vizinhos, Edivando também atribui à estiagem prolongada boa parte das dificuldades de viabilização da produção de mamona. “Em 2010, antes da seca, a cooperativa vendeu 450 toneladas para a PBio. Em 2013, não chegou a 40 toneladas”, compara.
Apesar de reconhecer a importância do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) na elevação do preço da mamona, que segundo ele ainda constitui a principal fonte de renda dos agricultores da região, Edivando enxerga com olhos críticos o sistema de assistência técnica dispensada aos produtores. Até o final de 2013, a cooperativa presidida por ele contava com seis técnicos pagos diretamente por um contrato firmado com a PBio, que não foi renovado no ano seguinte.
Seis técnicos para quase 600 produtores são insuficientes. Só dá tempo de o técnico ir à propriedade para preencher laudo. Não dá para orientar de fato o produtor |
“Seis técnicos para quase 600 produtores são insuficientes. Só dá tempo de o técnico ir à propriedade para preencher laudo. Não dá para orientar de fato o produtor”, contesta. Itaetê também conta com uma UTD da Embrapa, a nova aposta da PBio para qualificar a produção no semiárido. Mas a experiência alcança apenas 21 agricultores.
Edivando afirma ainda que a capacidade produtiva dos produtores rurais de Itaetê poderia ser substancialmente incrementada com investimentos maciços em irrigação. “Aqui em Itaetê há oito assentamentos com acesso ao rio Una, um dos principais afluentes do rio Paraguaçu. Se o governo investisse num projeto de irrigação por gotejamento [técnica barata de transporte de água por meio de mangueiras com pequenos furos, usando a gravidade] a produção deslanchava porque a terra aqui é boa”, explica o presidente da Coopracd.
Recomeço?
Na Bahia, a inserção dos agricultores familiares na cadeia produtiva do biodiesel está sendo completamente repensada. Após sucessivas quebras da produção de mamona agravadas pela seca, e depois de experiências traumáticas, como a falência da Coopaf, “fizemos uma avaliação crítica e estamos reconstruindo o programa, de forma mais consistente”, afirma Jeandro Ribeiro, diretor da Secretaria da Agricultura, Pesca, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura do Estado da Bahia (Seagri-BA).
Nesse sentido, metas mais factíveis e menos ambiciosas foram traçadas. Até 2015, a ideia do governo é oferecer insumos agrícolas, garantir assistência técnica e assegurar a comercialização da produção a 8 mil agricultores – sendo 5.400 na mamona, 1.600 no dendê e 1.000 no girassol. Número bem mais modesto – e realista – do que os contidos no discurso oficial do governo estadual que, entre 2008 e 2012, previa atingir uma média de 40 mil contratos firmados apenas entre produtores de mamona e usinas de biodiesel.
Passo decisivo nessa reconstrução do programa do biodiesel na Bahia foi a assinatura de um convênio de aproximadamente R$ 13 milhões entre o governo do estado e a PBio, em setembro de 2013, que deu fôlego ao programa Vida Melhor, criado no ano anterior para impulsionar sete cadeias produtivas prioritárias para a agricultura familiar baiana – dentre elas, a das oleaginosas. Basicamente, o Vida Melhor prevê, na área de produção de matéria-prima para biodiesel, a constituição de polos distribuídos por cinco regiões:
Para supervisionar a assistência técnica, a Seagri-BA está negociando com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), órgão do governo federal dedicado à promoção do agricultura familiar, a contratação de cinco agentes locais, um para cada pólo. O programa Vida Melhor também espera avançar na etapa da agroindustrialização a partir da construção de seis pequenas esmagadoras para a produção de óleo. Uma está pronta, outra em fase de implementação e outras quatro já têm recursos garantidos, segundo o representante da Seagri-BA.
Os movimentos sociais e sindicais sempre manifestaram o desejo de que os agricultores familiares não apenas fornecessem matéria-prima, mas também atuassem na etapa de esmagamento e produção de óleo |
Elisângela Araújo, coordenadora da Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), afirma que, desde as primeiras discussões sobre o PNPB, “os movimentos sociais e sindicais sempre manifestaram o desejo de que os agricultores familiares não apenas fornecessem matéria-prima, mas também atuassem na etapa de esmagamento e produção de óleo”.
No entanto, na opinião de João Augusto Araújo Paiva, da PBio, o desafio mais urgente ainda é o do incremente da produtividade. “Com o aumento da produção, criam-se soluções objetivas para se pensar no esmagamento. A PBio tem uma postura extremamente favorável a soluções desse tipo. Não temos nenhuma dificuldade em conviver com essa produção distribuída de óleo. Seria até do ponto de vista logístico mais interessante”, explica o diretor da PBio. “Mas, olhando para os agricultores e para as cooperativas, onde eles têm que colocar o desafio? É na produção do grão. Até porque é onde se tem a maior agregação de valor. Na etapa do esmagamento, passa por questão de escala. Na etapa do grão, não”, acrescenta.
Baixo orçamento
O fato é que, pela primeira vez, o governo estadual da Bahia está colocando recursos próprios para incentivar a cadeia produtiva do biodiesel. Dos R$ 13 milhões do convênio assinado com a PBio, cerca de R$ 7 milhões são de responsabilidade do poder executivo estadual. Questionado se o valor do contrato firmado com a PBio não é tímido frente as necessidades do programa, que visa a atender 8 mil agricultores, o diretor da Seagri responde de forma franca: “vamos torcer para que tenha aditivo”. Como se não bastasse o baixo orçamento, ele próprio reconhece que a mudança de governo que será ocasionada pelas eleições de 2014 pode comprometer os desembolsos futuros para o Vida Melhor, mesmo que o candidato do atual governador Jaques Wagner (PT) vença o pleito.
Segundo Jeandro Ribeiro, da Seagri-BA, o programa também vai ajudar a solucionar outro grande problema dos agricultores familiares do semiárido: o acesso a linhas de crédito do Pronaf para a produção de oleaginosas. Segundo o gestor público, os agentes financiadores – como o Banco do Nordeste e o Banco do Brasil – hesitam em financiar a produção porque questionam a viabilidade econômica do plantio da mamona e das outras culturas. “Agora, o crédito vai entrar porque vamos mostrar aos bancos que a atividade é viável, com garantia de assistência técnica e saída para comercialização”, aposta Jeandro.
Ao contrário do gestor da Seagri-BA e do diretor de Suprimentos da PBio, a representante da Fetraf-BA tece previsões mais sombrias sobre o futuro do PNPB no estado e não considera que o programa passe por um momento de retomada porque, em sua avaliação, “jamais foi prioridade”. “Não vejo como 8 mil agricultores do semiárido, com esse nível de investimento, possam recuperar o programa e produzir matéria-prima para biodiesel. A agricultura familiar da região Sul do Brasil já produz muita soja e resolve essa necessidade”, afirma Elisângela.
* Esta é a terceira reportagem da série especial sobre o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que faz parte das iniciativas da Repórter Brasil para promover o debate sobre os resultados e perspectivas após uma década de investimentos públicos no projeto. Na segunda-feira, dia 2, o Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da organização realizou o seminário “PNPB, 10 anos: inclusão social ou inclusão produtiva?”.
Clique aqui para assistir no canal da Repórter Brasil no youtube à gravação do encontro na íntegra, com mais de três horas de duração.
Leia também:
Programa nacional de biodiesel falha em incluir semiárido
Preço da mamona sobe, mas óleo não vira combustível
Petrobras Biocombustíveis revê investimentos